Um filme de MICHELANGELO ANTONIONI
Com David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles, John Castle, Jane Birkin, Gillian Hills, Peter Bowles, Veruschka, etc.
GB / COR / 111 min / 16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a 18/12/1966
Estreia em PORTUGAL a 9/1/1968
"Sometimes, reality is the strangest fantasy of all"
Único e surpreendente sucesso comercial de Antonioni, e o primeiro realizado fora de Itália, “Blow-Up” é um dos filmes que melhor retrata a Swinging London dos anos 60. Muito embora pudesse ter sido rodado em Paris ou Nova Iorque a capital inglesa teve na altura a preferência do aclamado realizador italiano devido à nova mentalidade instalada e que então revolucionou todo um comportamento e estilo de vida. Carnaby Street e os Beatles constituíam o oráculo que ditava as leis na cultura pop desses anos, e Antonioni deixou-se imergir voluntariamente na cena londrina, com as suas cores pop, a sua música e a sua liberdade sexual. No entanto, e apesar da modernidade que envolvia “Blow-Up”, toda a ambiguidade do universo de Antonioni se encontrava presente até ao mais ínfimo dos pormenores – a incomunicabilidade e impossibilidade de relações entre as pessoas ou a alienação no seio de uma sociedade de consumo prolongavam as ideias que o mestre italiano já nos dera a conhecer nos seus filmes precedentes. O homem, cada vez mais afastado da realidade que o envolve, oscila nas suas convicções e aliena-se progressivamente na indiferença à sua volta.
Thomas (David Hemmings), um fotógrafo jovem que domina o universo da moda, capta casualmente algumas imagens num parque londrino. Mais tarde, durante o processo de revelação do rolo e espicaçado pela insistência da mulher retratada que quer a todo o custo reaver os originais da película, Thomas apercebe-se que testemunhou sem querer um assassínio. Este fio de intriga, vagamente policial, poderia conduzir facilmente a um thriller como tantos outros. Mas não nas mãos de Antonioni. O essencial do enredo é paralelo à situação atrás descrita e interessa-se sobretudo pelas relações de Thomas com o mundo à sua volta, acentuando cada vez mais o desequilíbrio entre essas relações. É no ampliar (daí o título do filme, “Blow-Up”) do frame principal, onde o amontoadao de pontos brancos e negros aguçam a curiosidade de Thomas, que este vai começar a procurar, dentro de si, as relações existentes e as causas possíveis. A fotografia, uma verdade bidimensional irrefutável, só assume o seu completo significado depois de convenientemente interpretada.
De início não se vê na fotografia mais que uma mancha difusa e amorfa; aumentando-a, distingue-se uma figura que poderia bem ser humana; um aumento maior apresentará como simples novidade uma tonalidade diversa. Isto é tudo. E o mesmo sucede na vida quotidiana, onde acabamos por nos perder na encruzilhada de dois infinitos. Quanto mais nos aproximamos do mistério que tínhamos impressão de dominar, mais nos desviamos e começamos a recusar compreendê-lo. E assim por diante, até chegarmos a duvidar da própria realidade das coisas e dos seres. Para expressar esta fugacidade do inapreensível, essa irrealidade do quotidiano, Antonioni recorre a uma montagem que soube fundir sabiamente a extrema fragmentação numa extrema fluidez. Os planos são curtos, escamoteados, mal entrevistos; a câmara torna-se viajante, observadora reptante que desliza sinuosamente até ao coração dos enigmas. Depois, à medida que a sensação se escapa, que a curiosidade decresce, que a indiferença progride, a referência espacial desmembra-se, desarticula-se em fragmentos dispersos, para adquirir a lassidão de um amanhecer sem promessas, dissipando-se a pantomima em mudo escárnio da actual condição humana.
Um pouco como “La Dolce Vita” de Fellini, “Blow-Up” dirige os seus holofotes para o vazio da sofisticação mundana. Roma cede o lugar a Londres e o paparazzi é substituído pelo beatnick. Mas a incompreensão dos motivos que regulam as vidas dos intervenientes em ambos os mundos é muito semelhante. E aqui, no filme de Antonioni, essa incompreensão é levada aos limites do non-sense quando no final Thomas devolve uma bola imaginária para um jogo de ténis que alguns jovens mimos se entretêm a jogar. A expressão na cara de Thomas denota um enorme cansaço ao participar naquele jogo de aparências, num mundo onde as ilusões sufocam as realidades. Não existem raquetas nem bola, mas Antonioni dá-nos a ouvir os sons típicos de um jogo de ténis. E por fim faz desaparecer o próprio Thomas de cena, deixando sómente o parque diante dos nossos olhos.
CURIOSIDADES:
- “Blow-Up” é o primeiro filme britânico a mostrar a nudez frontal feminina. De modo a evitar os censores do chamado “Production Code”, a MGM criou uma empresa fantasma chamada “Premiere Productions” para produzir o filme
- O personagem principal Thomas foi livremente inspirado na vida de dois fotógrafos londrinos, David Bailey e Terence Donovan.
- O grupo que toca no night-club são os Yardbirds, ainda com Jimmy Page e Jeff Beck na respectiva formação. A primeira escolha de Antonioni teria sido os Velvet Underground, que por razões contratuais não puderam participar no filme.
- Todas as fotografias que aparecem no filme são da autoria de Don McCullin. A máquina fotográfica usada por David Hemmings é uma Nikon F SLR. Apesar de já se encontrar no mercado desde 1959, foi a publicidade obtida por este filme que fez disparar as vendas em todo o mundo, tornando-a de longe no modelo mais vendido naqueles últimos anos da década de 60.
- “Blow-Up” e Antonioni foram distinguidos com variadissimos prémios, entre eles a “Palma de Ouro” do Festival de Cannes
A BANDA-SONORA:
PROVA
DOCUMENTAL
Ele
é um menino elegante, calças brancas e camisas impecáveis, vive num rés-do-chão
espaçoso e escassamente mobilado, uma casa-estúdio, um pouco psicadélica e
bastante cool. É um rapaz famoso e
convencido, tem fãs que o seguem, mas mostra-se emproado, entediado, agreste.
Trabalha como fotógrafo de moda, rodeado de rapariguinhas lindíssimas e
seminuas, e dorme com algumas. Contudo, é brusco e autoritário com as
manequins, anda tão neurasténico que até de mulheres bonitas se cansou: «You
look at them and that’s that.» “Blow-Up”, que em português se chamou “História
de um Fotógrafo”, é um filme de uma “sensualidade fria”, como reconheceu o
cineasta, Michelangelo Antonioni. Embora com um ou outro segmento mais “audaz”
(há uma sessão fotográfica com a modelo Veruschka que é quase um coito
simulado), “Blow-Up” não pretendeu chocar, nem sequer documentar o fenómeno Swinging London, com boémias, manifs, os
Yardbirds, orientalismos e cannabis.
Antonioni disse apenas que os miúdos estavam à procura de “novas maneiras de
serem felizes”, e que isso lhe parecia bem.
Mas se
“Blow-Up” não é um documentário, também não se parece com as ficções anteriores
do italiano. Uns mimos de cara pintada de branco que invadem a cidade, versão
carnavalesca da emancipação dos costumes, anunciam bem esse contraste com a
austeridade de “A Aventura”, “A Noite” ou “O Eclipse”. Mas mantêm-se o fascínio
paisagístico, a doença dos sentimentos, um certo desinvestimento nos actores
enquanto actores. O fotógrafo anda de Rolls ou a
pé, e vemos infindáveis parques verdes, ubíquas cabinas telefónicas vermelhas,
ruas imundas ou chiques, arquitectura brutalista, e um eterno céu cinzento. Em
vez das relações “duais” da trilogia, o sentimento em causa é o confronto do
indivíduo com a realidade. E os actores têm presença, valem pela sua presença,
David Hemmings quase bonito e muito inquietante, Vanessa Redgrave (uma das
fotografadas) de olhos espantados e postura aristocrática. É isso que importa,
a superfície das coisas, e os seus enganos.
O
fotógrafo está a trabalhar num álbum documental sobre as vidas de londrinos
operários, descontentes, desesperançados. Quer, no entanto, fechar com uma
imagem que transmita uma certa “tranquilidade”. Anda por todo o lado à procura
dessa ocasião, e num dia cheio de luz, num dos inúmeros parques londrinos,
segue um casal, Redgrave e um homem mais velho, que parecem em esplendor na
relva. O fotógrafo porta-se como um paparazzo,
esconde-se no meio dos arbustos e atrás de árvores. Mas a mulher vê-o, vai
atrás dele, diz que ele não tem direito a fotografá-la. Ele responde: «Eu sou
fotógrafo». Preocupadíssima, ela descobre a morada dele, vai ter com ele, e
diz: «Essas fotos vão estragar-me a vida». «E então?» Ela quer as fotos de
volta a qualquer preço. Incluindo o mais óbvio.
“Blow-Up”
inspira-se vagamente num conto de Julio Cortázar, adaptado pelo cineasta e pelo
grande Tonino Guerra, e com diálogos, cortantes e entrecortados, do dramaturgo
Edward Bond, o que é dizer muitíssimo. Tem uma incrível e rigorosíssima beleza
visual e auditiva, um contraste cromático e uma montagem tão nervosa quanto o
fotógrafo. Ele desconfia de que houve um homicídio, quer saber se morreu alguém,
não importa quem, “alguém”. E volta ao parque em busca de um cadáver que está
ou não está, esteve ou não esteve. O crítico Peter Brunette comentou este
enigma escrevendo que “Blow-Up” não nega a existência de um sentido mas
suspeita que o “sentido” é uma construção social. É por isso que a última cena
é extraordinária: um grupo de mimos joga ténis num court real mas com uma bola invisível; a certa jogada, a bola “voa”
para fora do campo; e os mimos pedem ao fotógrafo que lhes devolva a “bola".
Ele quase nem hesita em entrar no jogo, porque aprendeu algumas coisas, ou
desaprendeu tudo o que sabia, sobre a verdade.
(Pedro Mexia na revista Atual do semanário Expresso, 16/11/2013)
2 comentários:
Este é daqueles filmes um pouco à deriva, que tudo sugere e nada explica e que no entanto exerce sempre um certo fascínio no espectador. Foi considerado, na sua estreia, o exemplo acabado do filme moderno, avant-garde, e apesar de muito boa gente não ter percebido patavina do que se passava na tela, tornou-se um grande êxito junto do público (e também da crítica). Hoje em dia não perdeu um único frame do seu charme. E a história da Nikon F é mesmo verídica. Não me lembro se influenciado ou não pelo filme (provavelmente inconscientemente), mas a verdade é que eu próprio também tive uma.
Não é o meu preferido do Antonioni mas sim é um grande filme. A análise das relações era tema recorrente em Antonioni e embora aqui fuja um pouco da crítica ao absurdismo da burguesia e suas inter-relações a que recorria nos seus primeiros filmes, a verdade é que essa crítica também lá está (mais camuflada)e sim, como disseste, aos prazeres mundanos como o Dolce Vita.
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