Um filme de JUST JAECKIN
Com Sylvia Kristel, Alain Cuny, Marika Green, Daniel Sarky, Jeanne Colletin, Christine Boisson, etc.
FRANÇA / 105 min / COR /
16X9 (1.66:1)
Estreia em FRANÇA: 26/6/1974
Estreia nos EUA: 3/12/1974
Estreia em PORTUGAL: Lisboa (cinemas Roma e Pathé), Abril de 1975
Mario: «Love between couples should be outlawed.
Every act of love must include a third person»
Como é sabido, logo depois do 25 de Abril de 1974, Portugal foi invadido por uma euforia sem precedentes. Num País em que se proibia a livre expressão do pensamento, em que se mutilava a obra de arte ou o texto do jornal, a reacção, espontânea e emocional, ao fim da clausura de tantos anos era mais do que previsível. Essa explosão intempestiva teve honras de representação em três palcos principais: o político, o social e o cultural. Para a minha geração (jovens universitários da média burguesia com vinte e poucos anos na altura), que não tinha formação política e para quem a luta de classes pouco ou nada significava, o último era sem dúvida o palco mais apetecível, aquele pelo qual tinhamos esperado (e desesperado) tantos anos a fio. E a queda imediata da censura foi a prenda mais bonita de todas.
Durante um ano e meio – de Abril de 74 a Novembro de 75 – Portugal viveu em festa permanente (período que ficou conhecido para a História como PREC - “Processo Revolucionário Em Curso”), tornando-se rapidamente num País de poucas partidas e muitas chegadas. Chegavam jornalistas de todo o mundo, desejosos de cobrir o dia-a-dia da revolução portuguesa; chegavam os políticos (Mário Soares, Álvaro Cunhal), ávidos do poder; chegavam os intelectuais (Sartre, Simone de Beauvoir, Alain Touraine), convencidos que iam testemunhar o nascimento de uma nova sociedade; chegavam os artistas (Sérgio Godinho, José Mário Branco, Paco Ibañez, Chico Buarque, Georges Moustaki) que iriam abrilhantar a festa com concertos de “Canto Livre” do norte ao sul do País; chegavam os retornados das províncias ultramarinas, não por vontade própria mas induzidos pelos ventos da História. E chegavam também os filmes, muitos filmes.
De um momento para o outro, Portugal tornou-se o País mais livre e mais badalado do Mundo. Logo após o 25 de Abril, surgiu nos jornais um comunicado da Comissão de Classificação Etária dos Espectáculos sobre a abolição da censura e exame prévio, no qual se podia ler (7º e último parágrafo): “Os filmes serão exibidos sempre na sua versão integral”. Alteraram-se também as designações dos escalões, sendo o mais elevado (“interdito a menores de 18 anos, com cenas eventualmente chocantes”) o mais desejado, por constituir o “fruto mais apetecível”. Mas qualquer que fosse a classificação, a correria às salas de cinema tinha como objectivo único ver-se o que até então nunca fora possível ver dentro de portas, abrangendo um vasto leque de géneros de filmes: desde os clássicos (o “Couraçado Potiemkin” a esgotar sessões contínuas no cinema Império), passando pelos grandes êxitos da altura (“Laranja Mecânica”, “A Grande Farra”, “Último Tango em Paris”) até ao filme simplesmente pornográfico (com uma sala em Lisboa – o Cinebolso – a passar exclusivamente este tipo de filmes).
“Emmanuelle” veio inaugurar um espaço desse leque de opções, uma espécie de ante-câmara do hard core, também utilizado por títulos como “Dorothéa” ou “Júlia e os Homens” (este com a mesma intérprete, Sylvia Kristel). Precedido por ecos parisienses de grande sucesso (esteve em cartaz durante 11 anos consecutivos na capital francesa, sempre com lotações esgotadas), o filme, chegado a Portugal em Abril de 1975, um ano depois do início da revolução dos cravos e da sua estreia em Paris, vinha rotulado de “filme artístico”, de modo a marcar a diferença para o porno tout court. Como a publicidade dá sempre os seus frutos, sobretudo se é feita à base de proibições cuidadosamente anunciadas, cartazes com imagens e frases muito sugestivas (“a mais longa carícia do cinema francês”) e “cenas eventualmente chocantes”, o filme, estreado numa sala das avenidas novas (o Roma) e noutra junto ao Areeiro (o Pathé) – e com certeza que essas escolhas não foram casuais -, tornar-se-ia num dos grandes êxitos do chamado “Verão Quente” de 1975.
Mas a “arte” anunciada de “Emmanuelle” resumia-se afinal a meia dúzia de coisas “bonitas”: a fotografia em colorido esbatido, à Lelouch, os apontamentos exóticos para turista ver, as paisagens para encherem olhos bucólicos e naturalistas, os movimentos de câmara e os enquadramentos cheios de “rodriguinhos” pseudo-artísticos. Por outro lado, ao tentar analisar a futilidade e o vazio da maneira de viver da comunidade francesa em Banguecoque, o realizador, Just Jaeckin, foi duma ambiguidade aflitiva, chegando a deixar-nos a sensação de defender o colonialismo nas suas formas mais exarcebadas de paternalismo e racismo económico, verdadeiramente degradantes.
“Emmanuelle” é, acima de tudo, um filme falhado. Por falta de talento. Por pretensiosismo. E o seu erotismo de “pacotilha” não convence ninguém (pelo menos os que têm do sexo uma noção que vai um pouco mais além do “bilhete postal”), muito por culpa de Jaeckin, que não soube ultrapassar e dominar as situações que o argumento lhe propunha, deixando-as afundarem-se num abismo de facilidades gratuitas e sensacionalistas - ficou-se por uma superficialidade confrangedora, muito mais preocupado com os aspectos puramente comerciais e não conseguindo outra coisa senão um produto de consumo altamente rentável. E ainda por cima o embrulhou em papel “celofane”, com fita de cetim e tudo. Como uma oferta grátis.
Pouca gente sabe, mas Sylvia Kristel não foi a intérprete original de Emmanuelle Arsan, que escreveu o romance – “The Joys of a Woman” – no qual o filme é inspirado. Cinco anos antes, em 1969, Erika Blanc (actriz italiana nascida em 1942), foi quem deu o corpo pela primeira vez à personagem em “Io, Emmanuelle”, de Cesare Canevari, filme de que não reza a história. Hoje, à distância de 40 anos, “Emmanuelle” é apenas um sinónimo de soft-porn, género que efectivamente ajudou a criar. Ou, na melhor das intenções, uma óptima atracção turística das Seychelles. Com cadeira de espaldar, em palhinha, incluída. Para além disso fica apenas o bonito tema de Pierre Bachelet («melodie d’amour chante le coeur d’Emmanuelle»), a única coisa de qualidade que o filme nos legou.
CURIOSIDADES:
- Sylvia Kristel foi a intérprete de Emmanuelle em mais 4 filmes (“Emmanuelle, a Anti-Virgem”,1975; “Adeus Emmanuelle”,1977; “Emmanuelle IV”, 1984; e “Emmanuelle VII”, 1993) e numa série de filmes rodados para a televisão, todos nos anos 90. Monique Gabrielle e Natalie Uher foram duas das actrizes que também interpretaram a personagem (respectivamente em “Emmanuelle V”, 1987 e “Emmanuelle VI”, 1988). Mas a lista, sobretudo em filmes televisivos, é infindável.
- Apesar de falar fluentemente inglês (além de francês, italiano e alemão), Sylvia Kristel foi dobrada na versão inglesa do filme. Nascida em Utrecht, na Holanda, a 28/9/1952, veio a falecer com apenas 60 anos, no dia 18/10/2012. Padecia de cancro, mas morreu durante o sono.
- A banda-sonora continha um tema dos King Crimson, “Larks’ Tongues In Aspic, Part 2”, (composto por Robert Fripp) que foi usado sem permissão, o que originou um processo em tribunal (resolvido amigavelmente)
1 comentário:
Gostei especialmente da descrição desse tempos "loucos" de Abril em que realmente Portugal terá sido o país mais livre do mundo. O filme esse vi-o no desaparecido (transformado) Cinema Restelo e realmente é medíocre, mas para um jovem lisboeta de 16 anos deixou marca. Assim como "O Último Tango...) e até a comédia erótica "Malícia".
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