Um
amigo escreveu no seu blogue: «Catherine Deneuve fez 70 anos. Isto começa a ser
preocupante...» O deus do tempo permite-se a ironia de pôr tudo a correr mais
depressa, exactamente quando não conseguimos aguentar o ritmo. Nos meus
primeiros 12 anos caibo todo eu, estão lá os pormenores que posso contar com
mais gosto, significado e ilusão. Já os meus mais recentes 12 anos passaram-se
num fogacho, ainda há bocadinho foram os aviões a chocar contra as Torres
Gémeas. Mas não, não são preocupantes os 70 anos de Catherine Deneuve, a idade
dela é das raras que não trazem amargura às nossas. Ela envelhece como uma
madona, serena, como se estivesse segura de que as colinas da Toscana continuam
lá atrás no quadro para que posa.
Numa
das suas mais belas canções, “Votre Fille a 20 Ans”, Serge Reggiani repete o
título no primeiro verso: «A sua filha tem 20 anos, madame…» E continua
cantando: cada um desses vinte anos, para a madame, contou o dobro, ela tem as
primeiras rugas e o rapaz que agora acha bela a filha faz-lhe lembrar, à
madame, aquele para quem ela outrora se embelezou. Talvez os 20 anos de
Catherine tenham tido esse efeito perverso na sua mãe (também actriz). Mas,
para o resto da humanidade, os 20 anos de Catherine Deneuve, passados na década
de sessenta, suscitam o adjectivo que mais ocorre a quem a olha: beleza. Só o
lábio superior, ligeiramente fino, poderia sugerir uma, ali, improvável
imperfeição. Mas logo descobrimos não ser uma. Pelo contrário, é uma chamada de
atenção para repararmos que as comissuras, os ângulos onde os lábios se unem,
se erguem em duas pequeninas curvas adolescentes. Um toque de fascínio. Esses
dois sinais ela vai guardar sempre. Primeiro, confirmando o que os olhos de
garota dizem; depois, contrariando-os, porque os olhos vão passar a lembrar uma
tristeza de que já voltaremos a falar.
Aos
21 anos Catherine Deneuve já era aquilo que só com o dobro da idade, em 1985,
ficou oficializado em pedra, tornando-se Marianne, a efígie oficial da França.
Então, em 1964, já se transformara na encarnação da beleza e graciosidade da
mulher francesa. O filme é um musical, mas triste como o reencontro de dois
amantes depois de o fogo se ter tornado cinza. Os adolescentes Guy e Geneviève
apaixonam-se, separam-se porque o raio da vida é assim e quando voltam a
cruzar-se cada um tem carris diferentes. Três anos antes, Hollywood fizera um
clássico (o realizador era um grande, Elia Kazan): “Esplendor na Relva”. Também
Natalie Wood, quando vai voltar a ver o seu amor de menina, este já tem outra
mulher e uma existência sem chama e o The
End acontece com os dois pensando na tangente que não foi mais do que isso.
“Les Parapluies de Cherbourg” é essencialmente o mesmo, mas o que é interessante
notar são as comissuras dos lábios de Natalie, duas pequeninas curvas ingénuas,
como as de Catherine.
Natalie
Wood morreu afogada e Catherine viveria outro tipo de tragédia, por interposta
irmã. Ela é Deneuve porque o nome de família estava tomado pela irmã, um ano
mais velha, Françoise Dorléac. Elas eram tão lindas e tão diferentes. Roman
Polanski, que em beleza feminina é um entendido, contratou no mesmo ano, 1965,
Catherine Deneuve para fazer “Repulsa” e Françoise Dorléac para “Cul-de-Sac”. A
beleza perfeita de Catherine, num corpo grácil que a moda francesa iria saber
explorar (sobretudo Yves Saint-Laurent) e a igualmente bela Françoise, em quem
nada lembrava ingenuidade, a começar pela sua voz grave e sexy. Em 1967,
Jacques Démy juntou-as em “Les Demoiselles de Rochefort”, outro musical, mas
desta vez de final feliz. Feliz, o filme. Na vida real, Françoise Dorléac
meteu-se num Renault 10, correndo para o aeroporto para ir ver a estreia do
filme em Londres. Falhou uma curva e morreu aos 25 anos. As comissuras de
menina continuaram nos lábios de Catherine Deneuve, mas os olhos mudaram para
aqueles com que chegou aos 70 anos. Embora seja cruel dizê-lo, ainda mais
belos.
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