As
portas do Cinema King, em Lisboa, estão fechadas. No site oficial ainda não consta essa informação, mas as últimas
imagens foram projectadas no domingo, com a exibição dos filmes em cartaz.
Foram 340 as pessoas que marcaram presença, mas o produtor e exibidor Paulo
Branco não foi uma delas. «Não gosto de funerais», justificou ontem, numa
conferência de imprensa, em que garantiu que vai continuar a oferecer cinema
independente nas outras salas de que a sua empresa dispõe. Os restantes espaços
da Medeia em Lisboa – Monumental, Nimas e Fonte Nova – vão ser redimensionados
e terão horários alargados. Simultaneamente, os debates e ciclos temáticos que
Paulo Branco promove no Lisbon & Estoril Film Festival poderão ser aqui
replicados. Além disso, os equipamentos do King serão reaproveitados nessas
outras salas (onde os sete funcionários foram recolocados) e em exibições
itinerantes na província.
Paulo
Branco explorava o Cinema King desde 1990, quando havia "dois espectadores por
sala" e não havia abertura para filmes de Pedro Almodóvar ou David Cronenberg.
«Até o Woody Allen era olhado de lado», lembrou o exibidor, que 23 anos depois
se viu obrigado a fechar portas devido ao «aumento exponencial de renda» de
cerca de 4 mil para 12 mil euros, depois de uma reavaliação do edifício para
2,2 milhões de euros. «Era incomportável», realçou, explicando que foram em vão
os apelos que fez à Câmara de Lisboa e à Secretaria de Estado da Cultura. «A
indiferença relativamente a estes temas é cada vez maior. E acho que havia a
ideia de que eu me haveria de desenrascar», disse alertando que «muitos espaços
culturais estão a fechar devido a situações destas». «O poder político deveria
criar regras especiais para a avaliação dos espaços culturais, para que estes
possam continuar a existir», defendeu Paulo Branco no encerramento de mais uma
sala, depois de em 2011 ter fechado as do Saldanha Residence.
«Fechei
salas, abri salas, enterrei salas, infelizmente enterrei realizadores,
divorciei-me de outros. Enquanto tiver pelo menos cabeça e energia vou continuar»,
garantiu, referindo as “ligações de vida” que retirou do trabalho com
realizadores como Manoel de Oliveira, Raoul Ruiz ou João César Monteiro. Nos
tempos áureos, o King chegou a ter 150 mil espectadores por ano, mas ultimamente
a audiência era cada vez menor: 60 mil em 2012 e 40 mil em 2013, segundo dados
de Paulo Branco. As razões são muitas e o produtor fez questão de realça-las, a
começar pela fraca cultura de cinema que existe em Portugal. «Ir ao cinema é
uma experiência e essa experiência tem de ser cultivada. É uma questão de
educação. Conhecimento e cultura são enriquecimento», sublinhou, lamentando a
falta de interesse dos jovens, dos políticos, da comunicação social em geral e
da televisão pública em particular. A isso, junta-se a facilidade com que se
tem acesso à imagem através da internet, o investimento obrigatório em
equipamentos digitais e a multiplicação de salas em centros comerciais.
Aspectos para os quais Paulo Branco alerta há mais de uma década. «Não consegui
ser o contraponto a essa concentração», admitiu. Mas não se rende e fazer
concorrência ao “cinema das pipocas” não está fora de questão.
Nos
anos 1980, Paulo Branco lançou-se na exibição quando teve dificuldades em encontrar
salas para exibir filmes como “Silvestre”, de João César Monteiro, ou “Francisca”,
de Manoel de Oliveira. «O mercado era controlado por dois grupos, Lusomundo e
Castello Lopes, e a maioria dos filmes era americana», lembra. Durante dois
anos explorou uma sala do Fórum Picoas, onde exibia cinema de autor, mas em
1990 começou a explorar as salas do King. «Aqui comecei a minha carreira a
sério de exibidor e distribuidor. Agora chamam-lhe uma sala mítica, não sei
bem o que isso quer dizer. O King permitiu talvez a existência do cinema
português. Sem ele a carreira de alguns realizadores teria sido diferente»,
diz.
(Sofia
Fonseca in Diário de Notícias, 26/11/2013)
Nota: Para saber mais sobre o passado do Cinema King (ex-Vox)
consultar o post sobre as salas de cinema de Lisboa
1 comentário:
olá ,
Gostava de saber de quem era a foto do Paulo Branco de perfil, aqui publicada. Pode me dar uma dica ? muito obrigado
Margarida Cardoso
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