Um filme de STANLEY KUBRICK
Com Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Daniel Richter, Leonard Rossiter, etc.
EUA-GB / 141 min / COR / 16X9 (2.20:1)
Estreia nos EUA a 6/4/1968
Estreia na GB a 10/5/1968 (Londres)
Estreia em PORTUGALl a 1/10/1968
(Lisboa, cinema Monumental)
Estreia em MOÇAMBIQUE a 4/5/1969
(LM, teatro Manuel Rodrigues)
HAL: «I'm afraid. I'm afraid, Dave. Dave, my mind is going. I can feel it. I can feel it. My mind is going. There is no question about it. I can feel it. I can feel it. I can feel it. I'm a...fraid. Good afternoon, gentlemen. I am a HAL 9000 computer. I became operational at the H.A.L. plant in Urbana, Illinois on the 12th of January 1992. My instructor was Mr. Langley, and he taught me to sing a song. If you'd like to hear it I can sing it for you»
Dave Bowman: «Yes, I'd like to hear it, HAL. Sing it for me»
HAL: «It's called "Daisy" [sings while slowing down] Daisy, Daisy, give me your answer do. I'm half crazy all for the love of you. It won't be a stylish marriage, I can't afford a carriage. But you'll look sweet upon the seat of a bicycle built for two»
A reposição de "2001: ODISSEIA NO ESPAÇO" em circuito comercial (muito embora limitada a uma única sala do El Corte Inglês, em Lisboa, com 4 sessões diárias, 11:30, 15:00, 18:15 e 21:30 horas) peca por tardia mas é extremamente oportuna. E isto por causa do filme "Gravidade", já por aqui abordado e ainda em exibição. Quando o filme de Alfonso Cuarón se estreou, não faltaram críticos apressados que, um pouco por todo o lado, soltaram aos quatro ventos verborreias de admiração, tais como "magnífico", "genial" ou "obra-prima". Ou, mais alarvemente, «Um novo 2001!». Uma das coisas que me continua a surpreender hoje em dia é a ligeireza com que se atribui a cotação máxima a qualquer filme melhorzinho que por aí apareça. Tal sobre-valorização significa uma de duas coisas: ou uma falta de cultura cinematográfica gritante (e portanto sem referências antigas para comparação), ou, em alternativa, uma falta de memória muito preocupante. Mas agora, e pelo menos por uma vez, existe a oportunidade de se assistir em paralelo a estes dois filmes em salas de cinema vizinhas, devidamente apetrechadas. Vão vê-los de olhos e mentes bem abertas e descubram as diferenças entre um bom filme e uma obra de génio. (Nota: A cópia em exibição de "2001", não é famosa ao nível da imagem. Pena que a UCI não tenha recorrido à cópia digital - que tenho em casa, em formato blu-ray - na qual o filme atinge todo o seu esplendor).
“2001” testemunha da melhor forma o labor deste realizador ímpar, emprestando ao tema todo o fascínio da aventura humana mas também toda a inquietação dos futuros que se constroem na carne e se prolongam no tempo e no espaço. Para os milhões de espectadores que desde 1968 até hoje decretaram o triunfo do filme – apesar daqueles que falaram de “aborrecimento abissal” – “2001” foi sobretudo uma experiência sensorial (não só visual) completamente nova, a percepção de um “espaço” inédito. Ultrapassando o cinema superficial e das superfícies, “2001” abria no écran uma profundidade absoluta, a do puro negro espacial; e através dele devolvia ao espectador o prazer fílmico de seguir o movimento de coisas e objectos, mais do que uma história determinada: ou melhor, de ver a história construir-se e desenrolar-se como facto físico e mutação de imagens.
Reconstruindo o futuro (hoje já presente) na mais criteriosa das mise-en-scènes possíveis, Kubrick teve para tanto de trabalhar intimamente com os mais diversos especialistas, desde o argumentista Arthur C. Clarke (um dos mais férteis e rigorosos ecritores de ficção científica) até aos mais competentes técnicos da N.A.S.A., organismo que lhe disponibilizou milhares de fotografias e informações técnicas. Kubrick e Clarke consultaram profissionais de todos os ramos afim de averiguarem o que seria o mundo nos trinta anos seguintes, desde os meios de locomoção ao vestuário e aos costumes: «Não quisemos ir muito longe no espaço e no tempo porque o que nos parecia mais interessante era a tomada de consciência do homem da existência de vida extraterrestre e o primeiro contacto com esta inteligência. Para além deste estádio, o espírito humano encontra-se desorientado».
Logo a abrir somos introduzidos na pré-história da humanidade. Kubrick chama-lhe "The Dawn Of Man" (“O Alvorecer do Homem”) e dá-nos a ver diversas tribos simiescas que lutam pelo controle de zonas territoriais onde a existência de água é essencial à sobrevivência, e se aconchegam em grutas para se protegerem dos perigos da noite. Subitamente estes primeiros antepassados do homem são postos perante um novo elemento: uma laje negra, lisa e dura. Passada a confusão gerada por aquela presença, inexplicável e misteriosa, o chefe da tribo ousa aproximar-se do monolito e tocar-lhe, no que é imitado pelos outros. Mais tarde, a imagem mental do monolito leva o chefe da tribo a descobrir a possível utilização de um osso como "instrumento", isto é, como uma extensão do braço e da mão do homem, uma arma capaz de lhe dar o controlo da água e das tribos vizinhas: é a primeira e determinante etapa do processo que o irá conduzir à apropriação do universo.
O monolito negro, uma das maiores referências de “2001” (a outra é sem dúvida o computador HAL) é-nos apresentado simultâneamente como uma ameaça e como um sinal de esperança em três momentos decisivos da evolução humana, e que são as partes em que o filme se divide. Não interessa aqui procurar a sua génese. Quer seja uma imagem de Deus, de extra-terrestres ou de uma qualquer força cósmica, o monolito simboliza o desconhecido, o medo pelas coisas ou situações nunca dantes experimentadas mas que por isso mesmo exerce uma tão grande atracção e curiosidade.
Um corte abrupto na sequência (magnífico raccord, da forma do osso para a forma da nave) e eis-nos no ano de 2001, a bordo de Orion III, confortável nave espacial, que leva os homens da Terra até a um satélite artificial. O Dr. Heywood Floyd (William Sylvester) é o único passageiro desta viagem que é continuada até à Lua, agora a bordo de uma outra nave, Avies 1-B. A finalidade da viagem é estudar um misterioso monolito, descoberto na base de Clavius, e que emite sinais em direcção a Júpiter. Tudo dentro do maior secretismo, inventando-se uma historia de epidemia para desviar a curiosidade dos parceiros soviéticos. Uma visita de Floyd e de outros cientistas americanos ao local do monolito confirma o seu carácter "sobrenatural" e os seus laços com o grande espaço.
A terceira parte do filme fala-nos de uma nova viagem, desta vez até ao próprio planeta Júpiter. Uma nave espacial, a Discovery, pilotada por um computador da novíssima geração 9000 (a quem chamam Hal) e por dois cosmonautas, David Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood), leva ainda a bordo (em hibernação) três cientistas. Antes de avistarem o novo planeta, os cosmonautas têm vários problemas com o computador. Hal, devido a uma falha ou a programação secreta, elimina Poole e os três hibernados. Dispõe-se a fazer o mesmo com Bowman, mas este consegue desligá-lo, matá-lo, apesar das suas súplicas.
Depois de consumada a "lobotomia", Bowman reinicia a aproximação a Júpiter a bordo de uma pequena nave. Já sem comunicações, sózinho no espaço, Bowman perde-se na atmosfera de Júpiter e no espaço infinito, atravessando um espaço-tempo enigmático, um túnel de luz e de astros que parece conduzi-lo ao centro do cosmos. Aí, no meio do desconhecido, onde nada possibilita ainda uma explicação e o mistério é absoluto, Bowman irá olhar-se a si próprio, confrontando-se com os seus medos e interrogações, envelhecendo e renascendo num espaço em que se conjuga o passado com o presente, e onde tudo adquire uma importância transcendente (veja-se todo o ritual de Bowman à mesa ou a contemplação da quebra de um simples copo).
E é aqui, ao contrário dos primeiros capítulos do filme que possibilitam uma leitura literal dos acontecimentos, que a impossibilidade dessa mesma leitura se manifesta, suscitando no espectador desconcertado um verdadeiro delírio de interpretação como se houvesse urgência em esclarecer tudo isso: metafísica, religião, ciências..., com convocatória dirigida em boa e devida forma à psicanálise para esta dar a sua versão sobre naves de forma fálica, regresso do feto, tudo à sombra da figura presente-ausente do Pai-monolito. Exercícios louváveis, mas um pouco estafados quanto ao objectivo. Pois, tal como o monolito, o próprio filme é aquele objecto monumental e enigmático que apenas pode ser tocado e não explicado (quando deixar de haver segredo, também não haverá objecto para ver e tocar).
Esse toque também se faz com a vista, querendo Kubrick significar assim aos espectadores (e aos críticos) que caminham por sua conta e risco. E que, de qualquer modo, o objecto resiste: é nesta extraordinária capacidade de resistência ao tacto que “2001” melhor se revela, nas diferenças radicais que o distinguem dos outros filmes, dos chamados filmes "normais". Basta atentarmos no facto de em duas horas e dezanove minutos de filme haver um pouco menos de quarenta minutos de diálogos, para nos apercebermos que “2001” é na sua essência uma experiência não verbal, intensamente subjectiva, cujo objectivo principal é atingir um nível profundo de consciência do espectador, exactamente como a pintura ou a música.
Relembremos Kubrick: «Sempre me pareceu que a artística e verdadeira ambiguidade – se é que pode usar-se este paradoxo – é a mais perfeita forma de expressão. Ninguém gosta que lhe digam nada. Tomemos como exemplo Dostoievski. É extremamente complicado dizer o que sentia por cada uma das suas personagens. Diria que a ambiguidade é o produto final quando se evita a superficialidade e as verdades evidentes».
“2001: A SPACE ODYSSEY” é assim uma espécie de infracção contínua à narrativa; o regresso do monolito ameaça permanentemente o desenrolar da história com o seu próprio mistério. É por isso que não se tem desejo de falar do filme, apenas se sente a necessidade de a ele se voltar, de tempos a tempos; e, o que é extraordinário, tornamos a vê-lo exactamente como o vimos no primeiro dia. Última astúcia de Kubrick para um filme que fala de eternidade e conta os seus recomeços. Não se tem desejo de falar dele, mas é um dos filmes da história do cinema sobre o qual mais se escreveu. É talvez o único decifrado imagem por imagem, segundo por segundo. O único momento de emoção "falada" no filme, é a desconexão de Hal, quando se quer justamente reduzi-lo ao silêncio.
Citando ainda Kubrick: «é possível, mesmo provável, que os habitantes de um outro planeta tenham já atingido o desenvolvimento científico e técnico que será o nosso daqui a mil ou cem mil anos, e que nós vivamos sob o olhar e o controle dessa civilização. Ora, o homem de amanhã, com a longevidade consideravelmente aumentada, tendo à sua disposição constante todo um conjunto de conhecimentos e com os fulgurantes progressos da velocidade dos meios de transporte, poderá possuir os três atributos de Deus: a eternidade, a omnipresença e a ubiquidade».
"2001” é o reflexo preciso dessa confiança inabalável no destino e nas potencialidades humanas. Toda a construção da obra nos afirma isso, documentando, desde a época símia, o constante repto que o Homem opõe ao desconhecido, ao mistério, a todas as lajes negras, lisas e duras que se lhe atravessaram no caminho prefigurando o futuro. Caminho que está longe de terminar, porque para além de Júpiter novos desafios, novos mundos, novos universos esperam a sua aventura. As lajes mais não são do que momentos que se ultrapassam: primeiro habitando a Terra, depois explorando a Lua, finalmente atingindo outros planetas. Passando o ceptro de mão em mão, de geração para geração, de homem em homem. Por isso, é ainda um rosto admirável de criança que nos contempla no derradeiro plano de “2001: A SPACE ODYSSEY”.
Perante um filme como este, é inútil acumular adjectivos, pois quase nada daquilo que se possa aqui dizer será suficiente para lhe fazer justiça. “2001” é uma obra-prima que ultrapassa grandemente o género em que está enquadrada para se situar, por direito próprio, num lugar privilegiado dentro da história do cinema. Ou ainda mais: na arte do nosso tempo. Embora o filme tenha custado 10,5 milhões de dólares, fez um lucro de 31 milhões por todo o mundo em apenas 4 anos, até ao final de 1972 (segundo o sempre preciso IMDB, em 31/12/2001 os lucros do filme já ascendiam a 239,621 milhões de dólares). Ganhou o Óscar para os Melhores Efeitos Especiais, o único Óscar atribuído a um filme de Stanley Kubrick. O que efectivamente não passa de um fait-divers, sabendo-se hoje o estatuto mítico que “2001” adquiriu. O passar dos anos é-lhe completamente transversal e o seu poder permanece intacto ao continuar a recrutar legiões sucessivas de admiradores.
CURIOSIDADES:
- Kubrick escreveu o argumento original do filme ao mesmo tempo que Arthur C. Clark escrevia a novela. Trabalhando simultâneamente, os dois homens iam alterando os dois escritos por sugestões de um e de outro, não se preocupando qual das obras seria em primeiro lugar publicada. Acabou por ser o filme a estrear-se primeiro.
- Inicialmente Kubrick tinha pensado em Alex North para escrever a música do filme. Mas durante a rodagem, ao pôr música clássica no set para criar ambiente, apercebeu-se do efeito que essa música tinha nas imagens já filmadas e optou por usá-la na montagem final. A música composta entretanto por Alex North foi editada mais tarde como "Alex North's 2001".
- Incrementando cada uma das letras de "HAL" obtém-se "IBM". Arthur C. Clark afirmou não se ter apercebido de tal facto na altura, pois caso tivesse reparado nesse pormenor teria alterado o nome do computador. O nome de "HAL" vem de "Heuristically programmed ALgorithmic computer".
- A voz de Hal pertencia a Douglas Rain, que nunca visitou o local de filmagens. Os actores Nigel Davenport e Martin Balsam chegaram a ser considerados para esse papel.
- Kubrick usou várias toneladas de areia importada (que foi entretanto lavada e pintada) para as cenas na superfície da Lua.
- De acordo com Douglas Trumbull, a metragem total do filme era cerca de duzentas vezes superior à usada na montagem final.
- Arthur C. Clarke chegou a afirmar que se as pessoas entendessem totalmente “2001”, era porque qualquer coisa tinha falhado. A intenção tinha sido sempre a de colocar mais interrogações do que dar respostas.
- O tema "Echoes", do album "Meddle" dos Pink Floyd, pode ser sincronizado com a sequência "Jupiter and Beyond the Infinite". Na verdade, ele foi composto de modo a ilustrar essa sequência do filme.
- A filha de Kubrick, Vivian, aparece no filme como sendo a filha do Dr. Floyd (a quem este telefona para lhe dar os parabéns).
- A voz do controlador da missão pertence a Frank Miller, membro da Força Aérea Norte-Americana que na vida real teve a responsabilidade de controlar diversas missões aéreas.
- Dan Richter, que vestiu a pele do macaco Moonwatcher, coreografou a maioria das sequências da primeira parte do filme ("The Dawn of Man").
- De acordo com Isaac Asimov, Stanley Kubrick teria solicitado à Lloyd's de Londres um seguro contra perdas pessoais caso alguma inteligência extra-terrestre fosse descoberta antes do filme se estrear. A companhia inglesa negou-lhe esse pedido.
- O monolito começou por ser um tetraedro negro, mas como não reflectia bem a luz, Kubrick pensou então em utilizar um cubo transparente. Tal também não resultou devido às reflexões criadas pelas luzes do estúdio. O monolito negro finalmente executado tinha as proporções de 1X4X9.
- Ao saír da estreia do filme em Los Angeles, o actor Rock Hudson afirmou: « Will someone tell me what the hell this is about?»
- Quando se estreou, o filme tinha mais cerca de 20 minutos, que foram posteriormente retirados por Kubrick, ao fazer a montagem definitiva com que o filme passou a ser exibido em todo o mundo.
LOBBY CARDS:
A BANDA-SONORA:
8 comentários:
Magnífico post, Rato! Também um filme destes não merecia outra coisa.
Um aspecto deveras curioso é o facto de o ano "2001" já ser passado e no entanto continuarmos a assistir ao filme como se a data ainda não tivesse sido ultrapassada. Acho que essa espécie de contradição só demonstra a obra de arte que é o filme de Kubrick - nem uma única beliscadura, ao fim de mais de 40 anos. Continua fascinante e admirável como da primeira vez que o vimos. Só nós é que envelhecemos...
Crítica muito completa, parabéns!
Abraço
Frank and Hall's Stuff
Post de primeira qualidade, Rato. 2001 é um filme revolucionário.
Abraços,
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
É por posts destes que o prazer de ver cinema é incentivado. À semelhança do antigo e agora extinto Rato Records (uma grande pena, caro amigo) este blogue está a tornar-se rapidamente um verdadeiro serviço público nas suas três grandes vertentes: a escrita, a imagem e o som. Tudo usado (e partilhado) visando apenas o enaltecimento do prazer de ver (e escutar) o cinema.
Parabéns, Rato!
E o Rato transcendeu-se neste magnífico post-homenagem. Ainda bem, até porque se trata também de um dos filmes da minha vida.
É já de amanhã a oito dias - 23 de Março - que se inaugura em Paris a tão esperada exposição sobre o universo kubrickiano. Para além da revisão de toda a sua obra estarão patentes ao público diversas salas onde estarão recriados alguns dos mais célebres sets dos filmes do realizador. Os mais aguardados serão sem dúvida os deste filme.
A exposição estará aberta até ao dia 31 de Julho - uma grandecissima razão para revisitar a cidade-luz.
Excelente postagem! Parabéns e muito obrigado!
Para mim é um dos filmes mais aborrecidos que vi. Embora tenha bons momentos espalhados ao longo do tempo enorme de duração.
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