terça-feira, agosto 28, 2012

BIO-FILMO: DAVID WARK GRIFFITH

Nascido a 22 de Janeiro de 1875, em Grestwood, EUA
Falecido a 23 de Julho de 1948, em Los Angeles, EUA

«Actors should never be important. 
Only directors should have power and place»

Foi Griffith que deu ao cinema o seu valor e a sua grandeza, que desenvolveu a linguagem e a narrativa cinematográfica. Pode dizer-se que antes dele o cinema não existia. Pelo menos com as características básicas com que hoje o conhecemos. A sua influência artística nos primados do filme mudo foi decisiva para o cinema mundial e para o norte-americano em particular. E os seus seguidores mais directos não se esqueceram nunca de lhe prestar o mais que devido reconhecimento: «Era indubitavelmente um génio do cinema mudo. Ele foi o professor de todos nós» (Chaplin); «Foi o primeiro a incluir beleza e poesia numa espécie de diversão barata e vulgar. E foi ele quem inventou o close-up, para dar ao homem pobre a íntima visão de um ponto interessante do filme» (Stroheim); «Ele é Deu Pai. Criou tudo. Não há um só cineasta no mundo que não lhe deva alguma coisa» (Eisenstein); «Nenhuma cidade, nenhuma indústria, nenhuma profissão nem nenhuma forma de arte devem tanto a uma só pessoa» (Welles); «Graças a Griffith os realizadores dispõem de um conjunto de ferramentas básicas para criar e intensificar a ilusão da realidade» (Scorsese).
Griffith, mais do que um inovador técnico importante, conseguiu elevar o cinema à grandeza das suas ideias. Utilizou-o para exprimir a poesia que não conseguira criar por palavras. Foi um poeta do écran, embora, devido às circunstâncias, não o tivesse compreendido logo e tivesse de ser um poeta e um dramaturgo segundo os tipos convencionais das grandes figuras literárias do século XIX. Depois de realizar centenas de filmes de curta-metragem, a sua devoção ao cinema subiu a tal ponto que, com a força fenomenal de um artista poderoso, quebrou os laços que herdara em 1908 e apareceu, como um Sansão, para revelar a estatura épica que o cinema podia atingir.
Os cinéfilos são muitas vezes acusados de exagerarem a importância dos cineastas excepcionais. Para muitas pessoas - a esmagadora maioria - nenhum realizador é importante no sentido em que, por exemplo, Picasso ou Matisse o são. O erro está, provavelmente, no mau emprego da palavra, que pode tantas vezes parecer absurda e pretensiosa e incapaz de descrever a obra de pessoas ligadas com a arte e o divertimento. Acredito que os artistas são grandes quando se não evidenciam no seu período criador - o que restringe a sua liberdade e os torna conscientes da sua posição em face do público. Alguns realizadores e estrelas do cinema são perseguidos pela sua reputação pública. Então, ou se tornam pseudomessiânicos ou têm de ser fotografados por baterias de câmaras, a fazer simples tarefas domésticas, para mostrar que ainda são humanos.
Contudo, Griffith foi importante em todos os sentidos da palavra e, pelo menos aos olhos do público, foi ele o primeiro realizador. Foram-lhe concedidos raros privilégios e facilidades e, na sua visita à Inglaterra durante a primeira Grande Guerra, foi festejado não apenas como uma celebridade mas tratado como um embaixador. Nascido em 1875, é inegável que conservou algumas das piores tradições literárias do século XIX em muito do seu trabalho. As suas histórias eram melodramáticas, os seus sentimentos muitas vezes triviais, e a sua concepção das personagens baseada em tipos simplificados de vilão, herói e heroína. Nada exigia das suas actrizes principais senão que parecessem recatadas, ardentes, lacrimosas ou patéticas ou, se tinham de exprimir alegria, que saltassem como animaizinhos em liberdade.
A sua grandeza assenta noutras bases. O alcance dos seus temas está nos seus melhores filmes, grandiosos ("Birth of a Nation", "Intolerance", "Hearts of the World") ou inegavelmente humanos ("Broken Blossoms", "Way Down East", "Orphans of the Storm"). Era sua intenção arrebatar as emoções do público no mesmo sentido dinâmico em que estas eram suscitadas. Era, por natureza, dotado daquela percepção excepcional do negociante que nunca se esquece dos seus clientes. Queria que o seu trabalho fosse irresistível e conseguiu-o. Falhou na segunda década do século XX porque a sua perspectiva pertencia ao período que a primeira Grande Guerra veio destruir. Não havia lugar para o seu sentimentalismo na desilusão consciente do pós-guerra, com a sua psicologia típica, a sua "liberdade de pensamento" e o seu abandono sexual entre as classes cultas e as pessoas que dominavam o mundo das diversões.
Mas antes disto acontecer, Griffith tinha-se apropriado do escasso desenvolvimento técnico do cinema (estudado a fundo desde que se tornara realizador em 1908) e tinha-o levado a igualar a grandeza pictórica da sua melhor obra. Ninguém conseguiu ultrapassar o esplendor das suas sequências babilónicas em "Intolerance", embora Serguei Eisenstein, que retomou a realização onde ele a tinha deixado, o tivesse igualado em "O Couraçado Potemkin" e, mais tarde, em "Alexandre Nevsky" ou em "Ivan, o Terrível". Ao longo da sua impressionante carreira - 24 anos e cerca de 550 filmes, incluindo curtas e longas metragens - Griffith abordou todos os géneros cinematográficos que hoje se conhecem e que tiveram uma importância decisiva nas décadas seguintes: o drama e o melodrama, a aventura, a comédia e o burlesco, o filme histórico, o policial, o western, o filme de guerra, o fantástico ou a ficção científica. 
"INTOLERANCE" [1916]
Mas para além de todas estas incursões pelos mais variados caminhos do cinema, para além das muitas invenções (ou melhoramentos fundamentais) que lhe são atribuídos - o flasback, a "tintagem" da fotografia, a criatividade dos inter-títulos, a montagem paralela, a preocupação obsessiva com o acompanhamento musical (era ele próprio também compositor), o close-up, o plongée ou o contra-plongée, a importância fundamental de Griffith na Sétima Arte é que, a partir dele, o realizador de cinema adquire o estatuto de principal responsável por uma obra, sendo a sua primeira força criativa e aquele que modela o projecto à sua imagem e semelhança. Para isso Griffith procurou nunca perder o controlo dos filmes que realizou, nem em favor do produtor, nem favorecendo uma qualquer vedeta em ascenção.
David Wark Griffith nasceu a 22 de Janeiro de 1875 em Grestwood, Oldham Country. A sua família, de origem irlandesa, instalara-se nos estados meridionais dos EUA, na Virgínia, antes de rumar aos estado de Kentucky. Eram sulistas e esclavagistas activos, dado que tem muito interesse para o estudo da obra e do carácter do cineasta: «A primeira coisa de que me lembro é da espada do meu pai. Ele empunhava-a para me distrair. A primeira vez que vi essa espada foi quando o meu pai pregou uma partida a um velho negro que tinha sido escravo dele.» Com efeito, o Sul, a sua lenda e idiossincrasia, tinha por força de influir poderosamente na sua vida. Na juventude sente vocação de escritor, mas a necessidade obriga-o a dedicar-se aos trabalhos mais díspares: ascensorista, vendedor de livros, repórter. Conhece, inquieto, os progressos da industrialização. Com a aparente vantagem do fabril sobre o agrícola, Griffith busca nas descobertas prácticas e nas invenções um meio de ganhar algum dinheiro que lhe permita dedicar-se plenamente à sua autêntica vocação literária: a poesia e o drama.
Depois de uma experiência como actor - entre 1897 e 1906 - contrai casamento em Boston com a actriz Linda Arvidson Johnson (permanecerão juntos durante 30 anos, até se divorciarem em 1936. Nesse mesmo ano casa-se pela segunda vez com Evelyn Baldwin, união que de igual modo acabará em divórcio, onze anos depois. Nunca teve filhos) e consegue  no ano seguinte um trabalho de argumentista. Um dos seus primeiros escritos, para o filme "Old Isaac, the Pawnbroker", de W. MacCutcheon, incorporará já, e de modo definitivo, a sua valiosa personalidade no cinema. No decurso de quase cinco lustros deixará testemunho da sua arte criadora em cerca de 500 filmes, como realizador, e em mais de 50 como supervisor. Razão tinha Eisenstein quando alguns anos mais tarde o chamou de "Pai do Cinema".
O apogeu artístico de Griffith ocorre após "Judith of Bethulia" [1913], o primeiro filme norte-americano de 4 bobines, que custa a exorbitante (para a época) quantia de 32 mil dólares, uma verdadeira revolução industrial. Seguem-se as suas obras mais importantes: "Birth of a Nation" [1914], "Intolerence" [1916] e "Broken Blossoms" [1919]. É o cinema espectáculo que faz a sua aparição nos dois primeiros, e a mais essencial depuração de um conflito dramático no terceiro. Ao contrário de "Birth of a Nation" (que apesar de apelidado de "racista" constituiu um enorme êxito de bilheteira), "Intolerance" (feito para responder à acusação ao filme precedente) não foi um filme popular, apesar da sua sumptuosidade: custou mais de dois milhões de dólares e foi o princípio da ruína de Griffith, apesar de "Way Down East" [1920], quatro anos depois, ter reunido de novo os favores do público e da crítica. Depois de fundar a United Artists (juntamente com Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford), troca Hollywood por Nova Iorque e é essa mudança que a breve prazo o forçará a abandonar a produção independente e a entregar-se nas mãos dos grandes tubarões da indústria fílmica.
Com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e Charles Chaplin
Pouco a pouco Griffith vai caindo no esquecimento da indústria e do grande público. Em 1933 chega a ter um programa de rádio onde, amargurado, e já dependente do alcool, recorda as suas memórias do cinema. Em 1935 recebe um Óscar honorário da Academia de Hollywood (nenhum dos seus filmes chegou sequer a ser nomeado): «For his distinguished creative acjievements as director and producer and his invaluable initiative and lasting contributions to the progress of the motion picture arts.» Em 1938 Griffith foi nomeado Sócio Honorário do Directors Guild of America (DGA), associação de realizadores de cinema que em 1953 cria um prémio especial com o nome de Griffith, destinado a homenagear todos aqueles que se notabilizaram no campo da realização. 
Com as irmãs Gish (Dorothy e Lillian)
Passados 46 anos, período em que o prémio foi atribuído a Cecil B. DeMille (o primeiro a ser homenageado), John Ford, King Vidor, William Wyler, Orson Welles, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Elia Kazan, Ingmar Bergman, David Lean, John Huston, Akira Kurosawa, Robert Altman, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Steven Spielberg e Martin Scorsese, a Associação decidiu, de um modo prepotente (sem consultar sequer os seus membros), retirar o nome de Griffith do prémio, devido – justicaram-se eles – a ter fomentado «intolerable racial stereotypes» em "Birth of a Nation". David Wark Griffith viria a falecer em Los Angeles, a 23 de Julho de 1948, vítima de uma hemorragia cerebral, e quase ignorado pelo grande público. No seu funeral estiveram presentes apenas alguns dos seus amigos mais chegados: Charles Chaplin, Mack Sennett, Cecil B. DeMille, Louis Mayer e meia-dúzia dos seus actores de sempre, entre os quais Lillian Gish, de quem um dia disse: «When Lillian left me, I've lost everything.» A sua campa encontra-se em Centerfield, Kentucky, no cemitério Mount Tabor Methodist Church.


FILMOGRAFIA:

1931 – The Struggle
1930 – Abraham Lincoln
1929 – Lady of the Pavements / A Melodia de Amor
1928 – The Battle of the Sexes / A Batalha dos Sexos
1928 – Drums of Love / Perdoar
1926 – The Sorrows of Satan / Tristezas de Satanás
1925 – That Royle Girl
1925 – Sally of the Sawdust / Sally, a Filha do Circo
1924 – Isn’t Life Wonderful / Como a Vida é Bela!
1924 – America / Amor Pátrio
1923 – The White Rose
1923 – Mammy’s Boy
1922 – One Exciting Night
1921 – Orphans of the Storm / As Duas Orfãs
1921 – Dream Street / Rua dos Sonhos
1920 – Way Down East / As Duas Tormentas
1920 – The Love Flower
1920 – The Idol Dancer
1919 – The Greatest Question / O Grande Problema
1919 – Scarlet Days
1919 – The Mother and the Law
1919 – The Fall of Babylon
1919 – True Heart Susie
1919 – Broken Blossoms / O Lírio Quebrado
1919 – The Girl Who Stayed at Home
1919 – A Romance of Happy Valley
1918 – The Greatest Thing in Life
1918 – The Great Love
1918 – Hearts of the World / Aos Corações do Mundo
1916 – Intolerance / Intolerância
1915 – The Birth of a Nation / O Nascimento de Uma Nação
1914 – The Avenging Conscience or ‘Thou Shall Not Kill’ / Consciência Vingadora

segunda-feira, agosto 27, 2012

ANIVERSARIANTES DA SEMANA:


Dia   27:  Tuesday Weld (69 anos)
Dia   27:  Barbara Bach (65 anos)
Dia   28:  Jack Black (43 anos)
Dia   28:  David Fincher (50 anos)
Dia   28:  Shania Twain (47 anos)
Dia   29:  Rebecca De Mornay (53 anos)
Dia   29:  Joel Schumacher (73 anos)
Dia   29:  Richard Attenborough (89 anos)
Dia   29:  Elliott Gould (74 anos)
Dia   29:  William Friedkin (77 anos)
Dia   30:  Cameron Diaz (40 anos)
Dia   30:  Timothy Bottoms (61 anos)
Dia   31:  Richard Gere (63 anos)
Dia   31:  Van Morrison (67 anos)
Dia     1:  Lily Tomlin (73 anos)
Dia     1:  Barry Gibb (66 anos)
Dia     2:  Keanu Reeves (48 anos)
Dia     2:  Salma Hayek (46 anos)
Dia     2:  Giuliano Gemma (74 anos)

domingo, agosto 26, 2012

WAY DOWN EAST (1920)

AS DUAS TORMENTAS
Um filme de DAVID WARK GRIFFITH



Com Lillian Gish, Richard Barthelmess, Lowell Sherman, Burr McIntosh, Mary Hay, Vivia Ogden, etc.


EUA / 165 min / P&B (tingido) / 
4X3 (1.33:1)


Estreia nos EUA a 3/9/1920
Estreia em PORTUGAL a 12/1/1926

«Não gosto muito das películas de Griffith, pelo menos no sentido da sua dramaturgia: é a expressão última de uma aristocracia burguesa no seu apogeu. Mas é Deus Pai. Criou tudo. Não há um só cineasta no mundo que não lhe deva alguma coisa. O melhor do cinema soviético saiu das suas películas. Quanto a mim, devo-lhe tudo.»
Serguei Eisenstein

"Way Down East" começou por ser uma peça teatral assinada por um autor sem renome, Lottie Blair Parker, e de um momento para o outro tornou-se na obra teatral mais popular dos palcos norte-americanos em finais do século XIX. Melodrama social que tem no centro uma jovem que a sociedade condena depois de a ter ludibriado, seria fácil prever a sua adaptação ao cinema. Foi o que aconteceu em 1920, pela mão de D. W. Griffith, que produz um dos seus filmes mais caros até ao momento (custou qualquer coisa como 175.000 dólares, mais do que "The Birth of a Nation" e pouco menos do que "Intolerânce" sendo, todavia, uma das suas obras que teve melhor bilheteira, além de uma boa recepção crítica). Com o subtítulo "A Simple Story of Plain People", o filme assume-se, desde logo, como um melodrama sem contemplações, onde o cineasta dá livre curso ao seu lirismo intenso e a um estilo imagético muito próprio.
O filme abre com um cartão que introduz desde logo a temática. «Desde o princípio dos tempos que o homem tem sido polígamo - até os santos na histórica Bíblia o foram - mas o Filho do homem trouxe uma nova verdade e o mundo cresceu com um novo ideal. Ele deu Um Homem a cada Uma Mulher.» Numa aldeia perdida da Nova Inglaterra, Anna Moore (Lillian Gish) fala com a mãe (Kate Bruce) e esta faz-lhe ver a necessidade de a filha ir até Boston falar com os primos e procurar ajuda financeira. Anna mostra-se relutante a este tipo de actividades, mas acaba por aceitar deslocar-se à cidade, a casa dos Tremonts, onde é recebida friamente. Perde logo a pouca vontade de pedir ajuda, acaba por ofertar uma humilde prenda que as primas afastam com desdém e assiste de longe a uma partida de bridge na qual intervêm a tia Emma Tremont (Josephine Bernard), a prima Diana Tremont (Mrs. Morgan Belmont) e Lennox Sanderson (Lowell Sherman), este último conhecido por ter três especialidades na vida: «mulheres, Mulheres e MULHERES.»
Nesta história que se inicia em tom de Cinderela, Anna acaba por assistir a uma festa onde se cruza novamente com Lennox Sanderson, que fica obcecado pela beleza e inocência da rapariga, fazendo tudo para a possuir. E quando se refere "tudo" é mesmo "tudo". Como Anna só aceita entregar-se-lhe depois de casada, Lennox inventa um casamento com alguns amigos que se prestam a interpretar papéis de padre e testemunhas e logo depois tira partido da situação, impondo a seguir silêncio sobre o casamento à suposta esposa, em função de querelas familiares às quais se quer furtar. Anna assim faz, até ao dia em que descobre que está grávida. Não resta a Lennox Sanderson outra solução senão dizer a Anna a verdade: o casamento não passou de uma farsa e o melhor que ela tem a fazer é partir, ir ter a criança bem longe dali. 
Entretanto, em Bartlett Village, vivem os Bartlett, cujo pai, Squire Bartlett (Burr Mclntosh), é o mais rico fazendeiro das redondezas e um puritano feroz, tendo o filho, David Bartlett (Richard Barthelmess), uma visão mais moderna e poética da vida. É para esta aldeia que vem viver Anna, depois de ter tido o filho, que morreu pouco depois de nascer, vítima de uma doença grave, baptizado ainda assim com o significativo nome de Trust Lennox. É em casa dos Bartlett que Anna se acolhe, nada dizendo sobre o seu passado. David parece destinado desde miúdo a um casamento sem amor com a bela Kate Brewster (Mary Hay). A presença de Anna em sua casa leva-o, todavia, a descobrir o que é afinal o amor. Mas os segredos nunca se guardam por muito tempo. Martha Perkins (Vivia Ogden), a alcoviteira da terra («e nínguérn precisa de um jornal quando ela está por perto!»), descobre o terrível segredo de Anna e revela-o aos Bartlett. 
O patriarca da família expulsa-a de casa e ela parte, numa noite de Inverno, debaixo de uma tempestade brutal, com neve e vento cortantes. A sua figura frágil, batida pela intempérie, cedo desfalece no rio gelado, cujos blocos de neve vagueiam à deriva. Entretanto, David descobre que Anna foi vítima de um embuste miserável e parte em sua busca. Esta sequência final, à altura do melhor Griffith, fica como uma das mais importantes do cinema mudo, criando um clima de angústia e inquietação absolutas. Filmada sem recurso a qualquer trucagem, foi num bloco de gelo que Lillian Gish vagueou durante horas até ser resgatada e foi saltando de bloco de gelo em bloco de gelo que Richard Barthelmess pôs em perigo a sua vida, uma situação que mais tarde seria recordada pela própria nas suas memórias: 
«O Senhor Griffith estava a dirigir Dick de uma ponte sobre o rio, mas o barulho da queda de água abafava as suas indicações. Dick, que era um rapaz um pouco frágil, estava atrapalhado com o pesado casaco de guaxinim e as botas com protectores de ferro que tinha de usar. Quando eu me dirigia para a catarata, em cima da placa de gelo, o senhor Grifith gritou para Dick que ele estava a andar muito devagar, mas Dick não ouviu. As pessoas nas margens gritavam também freneticamente e quando Dick se aproximava de mim, a correr, começou a ficar nervoso. Saltou e foi aterrar num pedaço de gelo que era demasiado pequeno. 
Caiu dentro de água, voltou a sair e, por fim, levantou-me nos braços, quando eu me encontrava já à beira do desfalecimento, e correu como louco para a margem. Anos mais tarde, quando Dick e eu estávamos a recordar estas coisas, ele disse: "Não consigo perceber por que é que nos sujeitámos àquilo tudo. Podíamos ter morrido ali. Não existe dinheiro no mundo que chegasse para me pagar uma coisa daquelas hoje." E no entanto, não era pelo dinheiro que o havíamos feito... Todos nós, os que trabalhávamos com o senhor Griffith, estávamos completamente envolvidos no filme em que participávamos. Não havia sacrifício demasiado grande para que o filme ficasse bem, para o fazermos com rigor, verdade e perfeição. Nos nossos espíritos, nós não tínhamos qualquer importância, só o filme é que tinha.» 
Entretanto, "Way Down East" acaba em clima feérico, com três casamentos e vários «I will». David casa com Anna; Kate, que tudo indicava vir a ser a mulher de David, acaba por aceitar um professor que a cortejava há tempos; e até Martha Perkins, apesar de coscuvilheira, aceita Seth Holcomb, o idiota da aldeia, como marido. Assim se chega à máxima: «Para cada homem uma mulher e entre ambos a ligação sacramental - assim a vida é mais limpa e mais doce.» Em 1994, "Way Down East" foi projectado em Washington, numa sessão especial, recuperando a banda sonora original. Nessa altura, Mark Adamo, o crítico do Washington Post, afirmou: 

«o que é espantoso no filme não é que as frágeis convenções do melodrama levado à cena em 1890 se mantivessem em cada fotograma. (Mesmo o aparente pioneirismo feminista do filme cheira a velho: os títulos em estilo levítico levam-nos a considerar que a queda da trémula ingénua  representada por Lillian Gish nas mãos de um libertino fortemente caracterizado é "a história da Mulher"). O que é espantoso é que grande parte da representação, inteligente, divertida, intuitiva de Gish, em especial no meio do filme, quando dá à luz o filho ilegítimo, transcende o tempo, o lugar e a tecnologia. lgualmente espantoso é o esforço singular de Griffith, com os seus planos artísticos de exteriores, os planos aproximados subtis e os interiores ousadamente encenados, com o objectivo de criar um estilo novo especificamente cinematográfico.» 
Lauro António in "Temas de Cinema", Setembro de 2010

CURIOSIDADES:


- A actriz Norma Shearer aparece como figurante neste filme

- A célebre sequência final, nas placas de gelo, é rodada no White River Junction (Hartford Village) e nas Niagara Falls. As filmagens foram feitas com os próprios actores, sem duplos e sem trucagens. Lillian Gish ficou até ao fim da vida com um problema de articulação na mão direita, devido ao tempo prolongado que a manteve dentro da água gelada.



terça-feira, agosto 21, 2012

THE DIRTY DOZEN (1967)

DOZE INDOMÁVEIS PATIFES
Um filme de ROBERT ALDRICH

Com Lee Marvin, Ernest Borgnine, Charles Bronson, Jim Brown, John Cassavetes, Richard Jaeckel, George Kennedy, Trini Lopez, Ralph Meeker, Robert Ryan, Telly Savalas, Donald Sutherland, Clint Walker, Robert Webber, etc.

EUA - GB / 150 min / COR / 
16X9 (1.75:1)



Estreia nos EUA a 15/6/1967
Estreia em PORTUGAL a 10/1/1968
(Lisboa, cinema Império)
Estreia em MOÇAMBIQUE a 5/7/1968
(LM, teatro Manuel Rodrigues)


Major John Reisman: «You've seen a general inspecting troops before haven't you?
Just walk slow, act dumb and look stupid!»

"The Dirty Dozen", um dos mais excitantes filmes de guerra dos anos 60, teve, na sua estreia, o condão de unir o público e dividir a crítica. Mas hoje, passadas mais de 4 décadas, o filme continua a ser bem representativo das tendências profundas do cinema americano daqueles anos. A odisseia de um comando suicida nada teria de original se Aldrich não fizesse dela um empreendimento onde a violência funciona como catarse. Poucas obras testemunham com tanta força as energias que a guerra liberta, energias que possuem algo de inquietante, tanto pelo espectáculo que oferecem como pelo interesse que suscitam junto do público. Lee Marvin (num papel que lhe deu fama internacional) interpreta John Reisman, um duro e veterano major americano, conhecido pelo seu temperamento irascível e muito pouco ético, mas que no entanto consegue obter bons resultados nos cenários bélicos em que se vê envolvido. É por isso que os seus superiores hierárquicos resolvem fazê-lo voluntário de uma missão de alto risco: atacar um castelo francês, ocupado pelos alemães, e liquidar o maior número possível de altas patentes nazis que periodicamente passam lá os tempos livres, em companhia das frauleins que se ocupam do repouso dos guerreiros. Uma missão perigosa e em tudo suicida, uma vez que o único punhado de homens que Reisman pode dispor são doze celerados, condenados à morte, a trabalhos forçados ou a longas penas prisionais. E que ainda têm de ser devidamente treinados.

Robert Aldrich já tinha abordado o género de guerra com “Attack!” [1956], um filme onde um tenente interpretado por Jack Palance é confrontado com a cobardia e o sadismo dum superior, e em que os horrores da guerra eram já mostrados com todo o rigor e honestidade. O propósito de Aldrich neste “The Dirty Dozen” é, uma vez mais, a denúncia da guerra, no que ela tem de mais absurdo: «Penso que a guerra revela simultaneamente o melhor e o pior do homem, e não apenas o pior. Lembrem-se por exemplo da sequência em que Jim Brown corre pelo pátio do castelo, deixando cair as granadas nos tubos de ventilação encharcados de gasolina. Não são apenas os alemães que cometem acções particularmente atrozes, os americanos também o fazem. Todas as guerras são desumanizantes, não existe uma guerra “limpa”. E essa sequência é uma alusão à utilização do napalm, por causa do conflito do Vietname, que nessa altura estava no auge.»

“The Dirty Dozen” encontra-se dividido em três partes distintas: a apresentação e treino dos doze criminosos, um ensaio geral que procura mostrar o quanto assimilaram a instrução recebida (num pessoal ajuste de contas com outro grupo de militares) e a missão propriamente dita. É na primeira parte, filmada num bom ritmo e com um vigor inesperado, que reside o maior interesse do filme, ao serem-nos introduzidas as diversas personalidades dos doze homens, que irão ser lentamente reprogramáveis pela máquina militar. Uma máquina militar que se encontra representada ao mais alto nível, e em que a aparente rectidão de princípios mais não é do que um sinónimo de hipocrisia. Recorde-se a abertura do filme, antes de passarem os créditos iniciais: o enforcamento de um condenado à morte, cuja precisão glacial nos remete para uma indiferença a roçar o sadismo; ou ainda as relações de domínio e humilhação que os instrutores vão exercendo sobre os doze homens, prometendo-lhes não a absolvição das penas mas, com quase toda a certeza, uma morte “gloriosa” em combate (que acabará efectivamente por acontecer à esmagadora maioria deles).

Baseado num romance de E.M. Nathanson e adaptado por Lukas Heller ( a sua terceira colaboração com Aldrich, depois de “What Ever Happened to Baby Jane” e “Hush… Hush, Sweet Charlotte”) e Nunnaly Johnson (“Jesse James”, “The Grapes of Wrath”, “Tobacco Road”, “How to Marry a Milionaire”…), "The Dirty Dozen" traz-nos de novo as reacções de um grupo de homens confrontados com a inevitabilidade da morte, mas que lutam desesperadamente contra tal fatalidade. Só que aqui estamos na presença de actores tremendamente convincentes, como Lee Marvin, Charles Bronson, Ernest Borgnine, Robert Ryan e, acima de todos, um verdadeiro one-man-show: John Cassavetes, simplesmente fabuloso. A possibilidade de vermos juntos todos estes grande actores do passado (infelizmente, só cinco deles se encontram ainda entre nós, com idades entre os 78 e os 90 anos: Trini Lopez, Jim Brown, Donald Sutherland, Clint Walker e George Kennedy) é ainda uma das razões pelas quais o retorno aos "Doze Indomáveis Patifes" me dá sempre tanto prazer.

Contrariamente ao que disse alguma crítica na altura da estreia (e reincindindo todas as vezes que o filme era reposto), não me parece que "The Dirty Dozen" faça o elogio da violência e do militarismo. Muito pelo contrário, estamos aqui bem longe do heroísmo e do patriotismo, predicados tão comuns ao típico filme de guerra. Aldrich interroga-se mesmo sobre a essência desse heroísmo, pondo em dúvida o direito de matar, que normalmente lhe está associado. Devido a uma certa ambiguidade dos seus protagonistas (simultaneamente heróis e crápulas), Aldrich coloca um espelho diante do espectador, obrigando-o a questionar-se sobre as razões duma eventual fascinação pela violência e selvajaria que desfilam pelo écrã e, sobretudo, obrigando-o a tomar partido. Muitas vezes mal apreendido, chegando por vezes ao cúmulo de ser apontado como fascizante (esquecendo-se por exemplo “The Green Berets”, filme realizado no ano seguinte pelo ultra-conservador John Wayne, e, esse sim, um filme medíocre e panfletário), "The Dirty Dozen" é na verdade um filme profundamente anti-belicista, que nos faz mergulhar no furor e no absurdo da guerra, de todas as guerras.

Aldrich não ilude as expectativas do espectador que quis ir ver um filme de guerra e oferece-lhe todas as passagens obrigatórias do género. Mas, pela violência das imagens, a ambivalência dos personagens (onde não faltam sequer algumas cenas de pendor cómico - lembre-se por exemplo a hilariante passagem em revista das tropas em parada, feita por um recém-promovido Donald Sutherland a general) e sobretudo pela excelente mise-en-scène, Aldrich alerta os mais desprevenidos para o significado de ver e apreciar um tal espectáculo. Um grande filme, sem dúvida, que soube conservar o seu particular fascínio ao longo dos anos, apesar de quase sempre conotado como um filme “de homens e para homens” (veja-se a jocosa alusão que é feita no filme “Sleepless in Seattle” [1993], em que é apontado como o “filme preferido dos homens”, em oposição a “An Affair to Remember” [1957], um filme conhecido por agradar particularmente ao sexo feminino).

CURIOSIDADES:

- O castelo francês que aparece na última parte, e que é o objectivo da missão suicida, foi desenhado especialmente para o filme pelo director artístico William Hutchinson, e é considerado um dos maiores cenários jamais construídos no cinema

- Os produtores chegaram a oferecer a John Wayne o papel principal do Major John Reisman. Felizmente que o actor não aceitou (ou "The Dirty Dozen" não teria tido o impacto que teve, seria certamente apenas mais um filme do inexpressivo Duke), tendo partido para a realização de outro filme de guerra: o famigerado (pelas piores razões) "The Green Berets"

- Lee Marvin, Telly Savalas, Charles Bronson, Ernest Borgnine e Clint Walker, todos eles serviram na 2ª Guerra Mundial

- Jack Palance não aceitou o papel de Telly Savalas por causa dos seus contornos racistas

- A personagem de Lee Marvin, o major John Reisman, foi baseada em John Miara, um amigo pessoal de Marvin de Massachusetts, que esteve com ele quando ambos fizeram parte do Marine Corps, durante a 2ª Guerra Mundial

- A cena em que Donald Sutherland passa revista às tropas em parada foi inicialmente escrita para Clint Walker que a recusou, por não se sentir à vontade em desempenhá-la. A cena, hilariante, tornou-se célebre, e foi a principal responsável pela contratação de Sutherland para o filme "M.A.S.H." [1970], que fez dele uma estrela internacional.



 - "The Dirty Dozen" foi o maior sucesso da MGM de 1967, tendo sido nomeado para um Globo de Ouro (John Cassavetes como actor secundário) e 4 Óscares, nas categorias de Montagem, Som, Actor Secundário (John Cassavetes) e Efeitos Sonoros. Acabaria por ganhar este último

- Os passos previstos para a missão (decorados exaustivamente por todos os intervenientes) eram os seguintes: «One: down to the road block we've just begun - Two: the guards are through - Three: the Major's men are on a spree - Four: Major and Wladislaw go through the door - Five: Pinkley stays out in the drive - Six: the Major gives the rope a fix - Seven: Wladislaw throws the hook to heaven - Eight: Jiminez has got a date - Nine: the other guys go up the line - Ten: Sawyer and Gilpin are in the pen - Eleven: Posey guards points Five and Seven - Twelve: Wladislaw and the Major go down to delve - Thirteen: Franko goes up without being seen - Fourteen: Zero hour, Jiminez cuts the cable Franko cuts the phone - Fifteen: Franko goes in where the others have been - Sixteen: we all come out like it's Halloween»

- Foi solicitado a Robert Aldrich que retirasse a cena em que Jim Brown atira as granadas para os tubos de ventilação, por ser considerada controversa (implicava a morte pelo fogo dos alemães encarcerados na cave do castelo). Aldrich recusou, dizendo que tal cena era muito importante, por mostrar que «a guerra é um inferno.»




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