quinta-feira, novembro 07, 2013

DESIGN FOR LIVING (1933)

UMA MULHER PARA DOIS
Um Filme de ERNST LUBITSCH



Com Fredric March, Gary Cooper, Miriam Hopkins, Edward Everett Horton, etc.

EUA / 91 min / PB / 4 X 3 (1.37:1)

Estreia nos EUA a 29/12/1933
Estreia em PORTUGAL a 19/2/1935


Depois de "Trouble In Paradise" e do seu sketch em "If I Had A Million", o prestígio de Ernst Lubitsch estava nos píncaros. Para não deixar arrefecer o entusiasmo, e agora que o realizador obtivera a cidadania americana, a Paramount decidiu comprar os direitos cinematográficos de uma peça de Noel Coward que estava ainda em cena na Broadway com estrondoso êxito. Como a tarefa era assaz espinhosa foi solicitado a Ben Hecht que escrevesse a adaptação a meias com Lubitsch. Havia que transplantar a narrativa do imobilismo espacial do palco, preservar a linha geral da intriga e do humor das situações do original e, sobretudo, contornar os severíssimos olhares censórios da Comissão Hays, entrada em funções nesse mesmo ano de 1933. O trabalho de reescrita foi tão profundo que teve duas consequências fundamentais: o dramaturgo sentiu-se ultrajado porque do seu texto não sobrou mais do que uma linha («For the good of our immortal souls!») e Ben Hecht sentiu-se humilhado já que os sucessivos guiões que ia entregando a Lubitsch voltavam para trás com reparos e exigências sistemáticas. Como se isto não bastasse, a Paramount andou em palpos de aranhas com os censores, visto que o explícito ménage-à-trois da peça de Coward continuava a ser um gato escondido com o rabo de fora. A crítica zurziu com impiedade o filme e o público adorou-o.
 


Convenhamos que o medo dos produtores tinha toda a razão de ser já que "Design For Living" é de uma notável pouca-vergonha. Basta reparar no percurso de Miriam Hopkins: não sendo casada vai viver com dois homens, quando passa a um registo monogâmico é só para ter oportunidade de fazer uma troca de parceiro (de Gary Cooper para Fredric March) e quando enfim se casa (com um terceiro homem, diga-se de passagem e para agravar o seu caso), não só não consuma o casamento como ainda trai o sagrado laço do matrimónio, de novo por dois homens. É verdade que há o cuidado de apenas proferir a palavra "sexo" quando precedida por um "não", mas não será menos verdade que esta precaução objectiva é sempre acompanhada da sensação e da sugestão subjectiva de que o "no sex" não passa de uma daquelas provocações sensuais que estimulam sobremaneira o apetite para a transgressão - que vai de acordo com o tom geral de transgressão radical de "Design For Living". E porque é que temos uma tal sensação, ou, por outras palavras para dizer o mesmo, onde está a sugestão? Está lá e de uma forma descarada a fingir que é elipse - transformar a figura de estilo da elipse, num elemento narrativo com um sentido concreto é, aliás, uma das marcas de génio de Lubitsch. Façam então o favor de reparar nesta coisa tão evidente embora nada transparente: "Design For Living" não tem quatro intérpretes principais mas cinco. É que se houver o cuidado de não confundir intérprete com actor descobre-se que além de Gary Cooper, Frederic March, Miriam Hopkins e Everett Horton, o filme conta ainda com a participação fundamental e omnipresente desse elemento que é... a cama.
 

Como curiosidade, e para a pequena história do Lubitsch touch, há elementos que nos permitem desconfiar de uma private joke na curta cena em que vemos March a escrever a sua peça, ou melhor, a interpretá-la, antes da milagrosa entrada em cena de Everett Horton que vem resolver o problema bicudo de uma deixa com a frase «Immorality maybe fun, but it isn't fun enough to take the place of 100% virtue and three square meals a day» e que é, ainda, o aforismo moral de todo o filme. Leia-se como Ben Hecht descreve o método de trabalho do realizador: «Mr. Lubitsch, when he creates those delicate touches for which he is notorius, has a way of flinging himself around the room like and old-fashioned fancy roller skater. He pirouettes, leaps, claps his ankles together in mid air, screams at the top of his voice, and bursts into tears if contradicted». Quer dizer: March faz literalmente de Lubitsch nessa cena...



1 comentário:

Rui Gonçalves disse...

Um filme notável e um dos melhores do mestre Lubitsch. Que, pela sua transgressão moral, se vê, ainda hoje, com imenso prazer.