Nascido a 5 de Dezembro de 1890, em Viena
Falecido a 2 de Agosto de 1976, em Los Angeles, EUA
Poucos cineastas marcaram tanto a sua época, pela amplitude e extrema coêrencia da sua obra, como Fritz Lang. Inventor de uma «escrita» cinematográfica, ele demonstra, logo nos seus primeiros filmes que, diferentemente do teatro, o cinema só funciona sobre efeitos, imagens, fragmentos de sequências…
Lang tornou-se a figura de referência da Nouvelle Vague: para Godard “Ele é o cinema”, para Rivette “Os filmes de Fritz Lang oferecem o exemplo mais preciso, a concepção mais alta e a mais ambiciosa de realização”.
Num ensaio de Henri Langlois, o lendário fundador da Cinemateca Francesa escreve: “O que há de notável na obra de Murnau é a sua mobilidade. O que há de notável na obra de Fritz Lang é a sua estabilidade.” No contexto, Langlois refere-se à diversidade da obra do primeiro e à unidade da obra do segundo, escavando sempre no mesmo sentido. Mas é possível ler a frase doutro modo e considerar cada um dos filmes de Murnau como uma variação rimada sobre dado tema (a poesia de que um dia falou Godard) e os filmes de Fritz Lang como a sólida implantação arquitectónica duma inabalável estrutura.
Raras obras terão a constância da sua, nos mais diferentes contextos (a Alemanha dos anos 20, Hollywood dos anos 30, 40 e 50, a Alemanha do “milagre” no fim da carreira), e com os mais diversos argumentos. Começou e acabou nos filmes de aventuras ("As Aranhas" de 1919, "O Tigre de Eschnapur" de 1959) fiel à transbordante imaginação dos livros de Karl May que devorou na infância. Mas quer se trate desse fantástico exótico, do fantástico mitológico ("Os Nibelungos"), do fantástico da ficção científica ("Metropolis", "Uma Mulher na Lua"), do fantástico policial ("A Verdade e o Medo", "O Segredo da Porta Fechada") o que permanece é a luta contra uma ordem secreta que debalde os homens desafiam, sempre vencidos num jogo antecipadamente perdido.
Por isso, a obra de Lang é também a duma partilha entre a luz e as sombras, retirando da sua formação plástica e, mais tarde, das teorias de Gordon Craig, o sentido profundo da oposição entre uma e outras, oposição no interior da qual se joga e se perde o homem na sua dimensão individual ("Matou", "Só Vivemos Uma Vez", "Feras Humanas") ou colectiva ("Metropolis", "Fúria", "Os Carrascos Também Morrem"). Daí a sua adesão-recusa do expressionismo. Tocado pela sua veemência, pelos seus monstros semi-divinos e semi-humanas (os vários Mabuse, os nazis dos filmes dos anos 40), Lang nunca aderiu à deformação do real implícita em tal estética.
Fritz Lang nasceu a 5 de Dezembro de 1890, em Viena. O pai era arquitecto e, desde muito cedo, Lang foi atraído pelas artes plásticas, estudando pintura e desenho em Viena na Academia de Artes Gráficas e depois em Munique.
Em 1911-1912 inicia a partir de Munique uma longa viagem pelo mundo. Em 1913 instala-se em Paris onde ganha a vida como pintor de bilhetes postais e caricaturas. Fez a guerra e foi gravemente ferido (perdeu um olho). No hospital, começou a interessar-se pelo cinema e escreveu vários argumentos para Joe May na senda do filme fantástico e demoníaco.
O mais célebre é "Hilde Warren und der Tod" em que ele próprio veio a ser actor, no papel da Morte. O êxito deste argumento levou Erich Pommer, o patrão da DECLA, a contratá-lo. Em 1919, Pommer chamou-o à realização e quis confiar-lhe o célebre "O Gabinete do Dr. Caligari". Lang recusou, mas assinou nesse ano 7 filmes, entre os quais "As Aranhas", nome duma misteriosa organização que se abate sobre um homern que do desporto passara a dedicar-se à procura dum fabuloso tesouro dos Incas. A teia de Fritz Lang começava.
Dois anos depois iniciava a sua colaboração com Thea-Von Harbou que viria a ser sua mulher e que escreveu os argumentos de quase todos os filmes desta primeira fase. O primeiro trabalho de ambos é o assombroso "A Morte Cansada" (também conhecido por "As Três Luzes") portentosa variação onírica sobre a morte e o amor, em que o exotismo do filme anterior se combinava já com a meditação sobre o sentido da vida e da morte.
A plena consagração chegou em 1922, com as duas partes do primeiro "Mabuse", inaugurando o filme negro que em Hollywood iria ter o futuro que se sabe. "Os Nibelungos" com as suas estruturas admiravelmente equilibradas, "Metropolis", porventura a expressão cimeira do cinema alemão dos anos 20, "Os Espiões" - de novo a organização misteriosa e implacável - e "Uma Mulher na Lua", de alucinante beleza, perfazem a carreira de Lang no cinema mudo, impondo-o como um dos maiores nomes da história do Cinema.
Percebendo depressa o que o sonoro podia trazer à sua estética, Lang assina depois "M", uma das obras mais lendárias e um dos pontos culminantes da sua carreira. Inicialmente o filme devia ter-se chamado "Os Assassinos Estão Entre Nós", mas o título foi retirado para não parecer provocação ao ascendente movimento nazi. E ainda antes do advento deste, Lang recriava Mabuse no "Testamento", uma das mais terríficas aproximações do Mal de que o cinema conserva memória
Apesar dos seus conflitos com os nazis, Goebbels, quando aqueles chegam ao poder, convida-o a dirigir os serviços de cinema do III Reich, percebendo bem a imensa força dessa arte e o muito que com ela podia fazer se um homem como Lang a quisesse utilizar ao serviço da causa. Frontalmente, o autor de "Os Carrascos Também Morrem" recusa e logo a seguir abandona a Alemanha, fazendo uma breve estadia em Paris (onde realiza o abissal "Liliom").
A 1 de Junho de 1934 assina um contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer e parte para a Califórnia, onde se naturaliza americano em Fevereiro de 1935. Depois de várias tentativas infrutíferas - cinco projectos nas gavetas - Lang roda em 1936 o seu primeiro filme para a MGM, "Fúria", trabalhando depois para vários estúdios de Hollywood. Em 1945, funda a sociedade “Diana Productions” que no entanto só produz dois filmes. Vários projectos concebidos ao longo destes anos não chegaram a ser realizados, como seja um filme sobre Billy-the-Kid, um filme sobre o Golem e uma adaptação do General do Diabo, de Zuckmayer.
Esta fase americana é a fase mais incompreendida da sua carreira. Durante muitos anos, a crítica unânime em reconhecer a genialidade da sua fase alemã, sustentava também, quase unânimemente, que o sistema e os produtores americanos tinham “cilindrado” Lang e que este, na América, nunca pudera dar uma pálida ideia do seu valor, desbaratando o talento em obras menores. Só nos anos 50 se reparou essa clamorosa injustiça verificando-se, contra ideias feitas, que os seus filmes nos Estados Unidos são, na generalidade, obras que nada devem às anteriores. Na América, Lang terá até levado às últimas consequências o rigor e o despojamento que são apanágio dessa “arquitectura do destino” que é a sua obra.
"Fúria" prolonga o mundo de "Matou", transportando para os Estados Unidos um idêntico desejo de destruição e uma idêntica capacidade do mal; "Só Vivemos Uma Vez", um dos seus maiores filmes, confere ao film-noir a dimensão das grandes tragédias e abre a posteridade donde vêm "Os Filhos da Noite", "Bonnie e Clyde", "Pierrot le Fou"; os filmes antinazis dos anos 40 ("Feras Humanas", "Os Carrascos Também Morrem", "Prisioneiro do Terror") inserem o nazismo num universo de mal absoluto, em que o prazer de aniquilar sobreleva a instância política; "Suprema Decisão" e "Almas Perversas" vão aos limites da destruição sexual; "O Segredo da Porta Fechada" e "Desengano" culminam uma ética; "Rancho das Paixões" e "O Tesouro do Barba Ruiva" retomam o exotismo aventuroso nos limites da paixão do poder; "Corrupção", "A Cidade das Trevas", "AVerdade e o Medo" são as suas máximas meditações sobre o destino.
Em 1957, Fritz Lang regressou à Alemanha onde, no ano seguinte, repegava um projecto que já vinha dos anos 20 e de Joe May, na selva obscura e subterrânea do magnífico "Túmulo Índio". Mas para os alemães ele permanecia o hornem do "Mabuse" e foi com os mil olhos do terrível doutor que terminou a portentosa carreira em 61.
Dois anos depois despedia-se do cinema aos 73 anos no filme de Godard "O Desprezo", como actor, no meio das estátuas gregas e das divindades implacáveis que trouxera ao mundo das imagens.
Coleccionava objectos de arte africana e oriental e viajava pelo mundo inteiro.
Em 1964 preside ao Júri da Semana Internacional do Filme em Mannheim.
Em 1965 é distinguido com o oficialato das Artes e Letras.
Voltou à América no fim dos anos 60 e depois de um breve regresso à República Federal em 1972, morre em Los Angeles, a 2 de Agosto de 1976, com 85 anos.
FILMOGRAFIA:
1960 – Die Tausend Angen des Dr Mabuse / O Diabólico Dr. Mabuse
1959 – Das Indische Grabmal / O Túmulo índio
1959 – Der Tiger Von Eschnapur / O Tigre de Eschnapur
1956 – Beyond a Reasonable Doubt / A Verdade e o Medo
1956 – While the City Sleeps / Cidade nas Trevas
1955 – Moonfleet / O Tesouro do Barba Ruiva
1954 – Human Desire / Desejo Humano
1953 – The Big Heat / Corrupção
1953 – The Blue Gardenia / A Gardénia Azul
1952 – Clash By Night / Desengano
1952 – Rancho Notorious / O Rancho das Paixões
1950 – American Guerrilla in the Philippines / Guerrilheiros nas Filipinas
1950 – House By The River / A Casa à Beira do Rio
1948 – Secret Beyond the Door / O Segredo da Porta Fechada
1946 – Cloak and Dagger / O Grande Segredo
1945 – Scarlet Street / Almas Perversas
1944 – The Woman in the Window / Suprema Decisão
1944 – The Ministry of Fear / Prisioneiros do Terror
1943 – Hangmen Also Die! / Os Carrascos Também Morrem
1942 – Moontide
1941 – Confirm or Deny
1941 – Man Hunt / Feras Humanas
1941 – Western Union / Os Conquistadores
1940 – The Return of Frank James / O Regresso de Frank James
1938 – You and Me / Sózinho na Vida
1937 – You Only Live Once / Só Vivemos Uma Vez
1936 – Fury / Fúria
1934 – Liliom
1933 – Das Testament Des Dr. Mabuse / O Testamento do Dr. Mabuse
1931 – M / Matou
1929 – Die Frau Im Mond / A Mulher na Lua
1928 – Spione / Espiões
1927 – Metropolis
1924 – Die Nibelungen: Kriemhilds Rache / Os Nibelungos: A Vingança de Kriemhilds
1924 – Die Nibelungen: Siegfried / Os Nibelungos: A Morte de Siegfried
1922 – Dr. Mabuse, der Spieler / Dr. Mabuse, o Jogador
1921 – Der Müde Tod / A Morte Cansada
1921 – Vier um die Frau
1920 – Das Wandernde Bild / A Imagem Miraculosa ou A Senhora das Neves
1920 – Die Spinnen 2 – Teil: Das Brillantenschiff
1919 – Harakiri / Hara-Kiri
1919 – Die Spinnen 1 – Teil: Der Goldene See
1919 – Der Herr der Liebe
1919 - Halbblut
1 comentário:
Um grande realizador, muitas vezes esquecido ou, na melhor das hipóteses, apenas conotado com alguns filmes mais célebres ("Metropolis", "M-Matou"), quando a sua filmografia é riquissima, como se pode constatar neste excelente trabalho de postagem.
Rato, este teu blogue fazia mesmo falta, pois o grande objectivo parece ser a divulgação das obras fundamentais do cinema e não se limitar apenas à actualidade, onde prolifera tanta imitação de trazer por casa. Por isso a grande maioria das novas gerações nem sequer faz ideia do que é o "verdadeiro" cinema, habituada que está a consumir produtos de fancaria.
Que esta tua iniciativa, à semelhança do Rato Records (que nestes últimos anos se tornou numa referência obrigatória da grande música do passado) tenha a sorte e divulgação que o teu belo trabalho efectivamente merece
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