terça-feira, agosto 17, 2010

CITY LIGHTS (1931)

LUZES DA CIDADE
Um filme de CHARLES CHAPLIN



Com Charles Chaplin, Virginia Cherrill, Harry Myers, Florence Lee

EUA / 87 min / PB / 4X3 (1.20:1)

Estreia nos EUA a 30/1/1931 
(Los Angeles)
Estreia em PORTUGAL a 3/5/1932




The Tramp: "Can you see now?"
The Blind Girl: "Yes, I can see now"


«Se “City Lights” for um fracasso, creio que isso me magoará mais
do que tudo o que me tem acontecido na vida»
(Charles Chaplin, 13 de Outubro de 1930)

Uma obra que é feita para durar só adquire todo o seu valor com a distância, muito raramente na mesma altura. Quase sempre porque ela está adiantada em relação à sua época e também porque a julgamos comparativamente às demais dela contemporâneas e não pelo seu próprio valor. Tal conceito aplica-se quase sem excepção aos filmes de Chaplin que ganham com o envelhecimento. O seu rigor, o carácter definitivo da sua expressão, espantam-nos. E as reservas formuladas pelos críticos da época parecem-nos vãs, os seus receios infundados. Vão-se completar 90 anos que “City Lights” se estreou em Lisboa. Nove décadas, em que esta obra-prima absoluta da arte de fazer Cinema se tem mantido como a expressão máxima do seu criador: Charles Spencer Chaplin.

Chaplin não conseguiu apenas manter uma forma de expressão ameaçada. Fê-la triunfar. A obra que desprezava o contributo da palavra – tornado o elemento primordial do filme – foi recebida como se o sonoro não existisse. “Luzes da Cidade” foi no entanto o canto do cisne, a apoteose de uma arte que desapareceu em pleno esplendor. Ao contrário dos filmes anteriores, que se evadiam do real pelo sonho, “Luzes da Cidade” parte da ilusão para reencontrar a realidade. O filme vive todo do prestígio desta ilusão. Exprime aquilo que a realidade tira dos seres no que diz respeito às possibilidades de amor e de abandono. Tende a criar uma verdade a partir do que não era mais que uma série de falsidades. Graças ao amor da jovem e à amabilidade do milionário excêntrico, Charlot, desta vez, encontra a felicidade, mas uma felicidade que se deve apenas à cegueira de uma e à embriaguez do outro. Aqui, mais que em qualquer outra parte, ele só conhece as alegrias de um equívoco.

Cada cena, cada episódio, desde o aparecimento da florista, vão concorrer para a consumação do drama final de “City Lights, que se irá espelhar no rosto amargurado de Charlot perante a florista que finalmente e o vê: “Sim, eu vejo agora”. Durante todo o filme sempre existiu a possibilidade de uma esperança para o vagabundo. Mas o seu último sorriso para a florista é o fim dessa possibilidade, é a renúncia à felicidade. Apesar da tristeza latente que pesa sobre o filme, o cómico ocupa aqui um lugar capital. Cómico superior, que sabe fundir-se com as subtilezas do drama, desde a sátira contra as manifestações oficiais na primeira sequência, até ao combate de boxe, coreografia burlesca de um vigor admirável. Com “Luzes da Cidade”, Chaplin dá-nos uma visão do mundo mais conforme com a realidade. As suas personagens já não são estilizadas como o tinham sido outrora. Ele próprio adquiriu uma espécie de elegância, um pouco enfatuada, bem distante da boémia épica do passado. Continua a ser o vagabundo, mas um vagabundo evoluído, que usa luvas, veste smoking quando a ocasião se apresenta e sabe conduzir um Rolls-Royce. A própria silhueta está bastante longe da despreocupação dos primeiros filmes.

Mais desejoso que nunca de apresentar uma obra perfeita, Chaplin trabalhou demoradamente em “City Lights” e modificou os episódios várias vezes, a darmos crédito às declarações que ele fez sobre este assunto durante a realização do filme. Filmou numerosas cenas que não aparecem na versão definitiva. Pensou, em especial, acabar o filme com um plano de Virginia que ri ao ver passar o vagabundo que ela ignora ser o seu benfeitor. Quis continuar a acção depois de a jovem cega ter recuperado a vista retratando a sua desilusão com o mundo e a consolação que Charlot se teria esforçado por lhe trazer. Mas ainda bem que não o fez, porque assim conseguiu dar-nos um dos mais pungentes finais de toda a história do Cinema.

Sendo “City Lights” um desafio de Chaplin ao advento do som, só se serviu dos efeitos sonoros para acentuar determinados efeitos cómicos (como por exemplo a cena do apito). Em tudo o resto utiliza apenas o silêncio, mas com uma singular inteligência. O acompanhamento musical interrompe-se, às vezes, nas alturas mais comoventes, aumentando com o próprio silêncio a intensidade da cena. Acontece isto no fim do filme, na altura em que Charlot, ao voltar a cabeça, reconhece de repente a jovem. A admirável expressão dos seus olhos é mais significativa que qualquer comentário. E quando a música reaparece é com uma nova doçura, melodia terna e simples, no meio das flores, dos sorrisos e dos olhares que são, para a alma inquieta de Charlot, as luzes da cidade...

CURIOSIDADES: 


- Orson Welles disse que este era o seu filme favorito de sempre
 
- Chaplin filmou 342 vezes a cena em que o vagabundo compra pela primeira vez uma flor à rapariga cega para conseguir demonstrar inequivocamente que ela o imagina uma pessoa rica
 
- O famoso tema musical da "Violetera" foi escrito por José Padilla. O resto da partitura musical é da autoria do próprio Chaplin
 
- Foi o primeiro filme que Chaplin realizou após o advento do sonoro. Teve imensas pressões para não apresentar mais um filme mudo mas a sua popularidade e o poder que detinha em Hollywood a tudo se sobrepôs
 
- As vozes distorcidas dos apresentadores da inauguração logo no início do filme foram feitas pelo próprio Chaplin
 
- Durante uma visita de Winston Churchill ao estúdio, Chaplin interrompeu as filmagens e rodou um pequeno filme com o estadista
 
- Chaplin teve a companhia de Albert Einstein quando o filme estreou em Los Angeles e a de George Bernard Shaw quando da estreia em Londres
 
- Em 2007 "City Lights" foi classificado pelo American Film Institute como o 11º melhor filme de sempre





2 comentários:

Roberto Simões disse...

Um filme belíssimo, sem dúvida. Grande texto para um grande filme.

Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «

Rato disse...

Obrigado, Roberto, mas vejo agora no teu próprio blogue que não te apercebeste ainda de todo o génio que se encontra na génese desta obra-prima intemporal.