domingo, agosto 29, 2010
A SINGLE MAN (2009)
UM HOMEM SINGULAR
****
Um filme de TOM FORD
Com Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode
EUA / 99 min / COR / 16X9 (2.35:1)
Estreia em Itália, no Festival de Veneza, a 11/9/2009
Estreia em Portugal a 18/2/2010
****
Um filme de TOM FORD
Com Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode
EUA / 99 min / COR / 16X9 (2.35:1)
Estreia em Itália, no Festival de Veneza, a 11/9/2009
Estreia em Portugal a 18/2/2010
George: "For the first time in my life I can't see my future. Everyday goes by in a haze, but today I have decided will be different"
Interessantissima estreia no cinema de um nome ligado ao mundo da moda. Tom Ford, o estilista que em dez anos revolucionou a marca Gucci, criou em 2006 a sua própria linha de vestuário masculino, depois de uma curta ligação à Yves Saint-Laurent. Homem bem sucedido, portanto, nada fazia prever este aparecimento no mundo do cinema, onde para além da realização acumula também as funções de argumentista e produtor do filme.
Provavelmente foi a sua admiração pelo novelista Christopher Isherwood (1904-1986) que o levou a adaptar este “A Single Man”, publicado pela primeira vez em 1964, e considerado desde então uma das obras de referência do movimento gay norte-americano. A história centra-se em George Falconer, um professor inglês homossexual, residente em Los Angeles no início da década de sessenta, altura em que os Estados Unidos se encontravam a braços com a “crise dos mísseis” de Cuba. George acaba de perder o seu companheiro de 16 anos num desastre de viação e resolve suicidar-se para se libertar da depressão diária em que a sua vida se tornou. Mas antes quer viver um último dia durante o qual será igual a si próprio; é nesse espaço temporal de um único dia que toda a acção do filme decorre, fazendo-nos entrar no mundo particular de George, onde os sentimentos e o anátema da solidão sempre tiveram papeis preponderantes.
“A Single Man” (que teve em português uma tradução completamente equivocada de “Um Homem Singular”) remete-nos para uma variação brilhante do melodrama clássico. A notável adaptação do romance e a realização segura de Tom Ford (que dedica o filme ao escritor Richard Buckley, seu companheiro desde 1987) contribuem decisivamente para o prazer que sentimos no visionamento deste filme. Julianne Moore tem aqui um papel secundário como Charley, a melhor amiga de George com quem, no dizer dela própria, a vida poderia ter “resultado”. Refira-se, a propósito, a química estabelecida entre os dois actores que atinge o ponto culminante após o jantar a dois, numa divertidissima cena de dança ao som da música “Green Onions”, de Booker T. & The MG’s.
Independentemente da orientação sexual de cada um, "A Single Man" fala-nos da solidão, dos sonhos perdidos ao longo de toda uma vida, da incomunicabilidade entre as pessoas como arma de defesa e preservação de uma vivência a sós, mesmo que partilhada.
E é naquele projectado último dia que George, enfim liberto, parece descobrir que afinal é capaz de valer a pena estar vivo. Só que o destino às vezes prega algumas partidas de mau-gosto...
Colin Firth tem aqui um dos melhores papeis da sua carreira, estando practicamente sempre presente ao longo de todas as cenas do filme. A lista dos prémios recebidos pelo actor já vai extensa: Festival de Veneza, Círculo de Críticos de Londres, Austin, Vancouver, San Diego e São Francisco, Festival de Santa Barbara. Ganhou ainda o BAFTA inglês e foi nomeado para o Oscar de Melhor Actor (que viria a perder, muito injustamente na minha opinião, para Jeff Bridges no filme “Crazy Heart”).
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BIO-FILMO: FRITZ LANG
Nascido a 5 de Dezembro de 1890, em Viena
Falecido a 2 de Agosto de 1976, em Los Angeles, EUA
Poucos cineastas marcaram tanto a sua época, pela amplitude e extrema coêrencia da sua obra, como Fritz Lang. Inventor de uma «escrita» cinematográfica, ele demonstra, logo nos seus primeiros filmes que, diferentemente do teatro, o cinema só funciona sobre efeitos, imagens, fragmentos de sequências…
Lang tornou-se a figura de referência da Nouvelle Vague: para Godard “Ele é o cinema”, para Rivette “Os filmes de Fritz Lang oferecem o exemplo mais preciso, a concepção mais alta e a mais ambiciosa de realização”.
Num ensaio de Henri Langlois, o lendário fundador da Cinemateca Francesa escreve: “O que há de notável na obra de Murnau é a sua mobilidade. O que há de notável na obra de Fritz Lang é a sua estabilidade.” No contexto, Langlois refere-se à diversidade da obra do primeiro e à unidade da obra do segundo, escavando sempre no mesmo sentido. Mas é possível ler a frase doutro modo e considerar cada um dos filmes de Murnau como uma variação rimada sobre dado tema (a poesia de que um dia falou Godard) e os filmes de Fritz Lang como a sólida implantação arquitectónica duma inabalável estrutura.
Raras obras terão a constância da sua, nos mais diferentes contextos (a Alemanha dos anos 20, Hollywood dos anos 30, 40 e 50, a Alemanha do “milagre” no fim da carreira), e com os mais diversos argumentos. Começou e acabou nos filmes de aventuras ("As Aranhas" de 1919, "O Tigre de Eschnapur" de 1959) fiel à transbordante imaginação dos livros de Karl May que devorou na infância. Mas quer se trate desse fantástico exótico, do fantástico mitológico ("Os Nibelungos"), do fantástico da ficção científica ("Metropolis", "Uma Mulher na Lua"), do fantástico policial ("A Verdade e o Medo", "O Segredo da Porta Fechada") o que permanece é a luta contra uma ordem secreta que debalde os homens desafiam, sempre vencidos num jogo antecipadamente perdido.
Por isso, a obra de Lang é também a duma partilha entre a luz e as sombras, retirando da sua formação plástica e, mais tarde, das teorias de Gordon Craig, o sentido profundo da oposição entre uma e outras, oposição no interior da qual se joga e se perde o homem na sua dimensão individual ("Matou", "Só Vivemos Uma Vez", "Feras Humanas") ou colectiva ("Metropolis", "Fúria", "Os Carrascos Também Morrem"). Daí a sua adesão-recusa do expressionismo. Tocado pela sua veemência, pelos seus monstros semi-divinos e semi-humanas (os vários Mabuse, os nazis dos filmes dos anos 40), Lang nunca aderiu à deformação do real implícita em tal estética.
Fritz Lang nasceu a 5 de Dezembro de 1890, em Viena. O pai era arquitecto e, desde muito cedo, Lang foi atraído pelas artes plásticas, estudando pintura e desenho em Viena na Academia de Artes Gráficas e depois em Munique.
Em 1911-1912 inicia a partir de Munique uma longa viagem pelo mundo. Em 1913 instala-se em Paris onde ganha a vida como pintor de bilhetes postais e caricaturas. Fez a guerra e foi gravemente ferido (perdeu um olho). No hospital, começou a interessar-se pelo cinema e escreveu vários argumentos para Joe May na senda do filme fantástico e demoníaco.
O mais célebre é "Hilde Warren und der Tod" em que ele próprio veio a ser actor, no papel da Morte. O êxito deste argumento levou Erich Pommer, o patrão da DECLA, a contratá-lo. Em 1919, Pommer chamou-o à realização e quis confiar-lhe o célebre "O Gabinete do Dr. Caligari". Lang recusou, mas assinou nesse ano 7 filmes, entre os quais "As Aranhas", nome duma misteriosa organização que se abate sobre um homern que do desporto passara a dedicar-se à procura dum fabuloso tesouro dos Incas. A teia de Fritz Lang começava.
Dois anos depois iniciava a sua colaboração com Thea-Von Harbou que viria a ser sua mulher e que escreveu os argumentos de quase todos os filmes desta primeira fase. O primeiro trabalho de ambos é o assombroso "A Morte Cansada" (também conhecido por "As Três Luzes") portentosa variação onírica sobre a morte e o amor, em que o exotismo do filme anterior se combinava já com a meditação sobre o sentido da vida e da morte.
A plena consagração chegou em 1922, com as duas partes do primeiro "Mabuse", inaugurando o filme negro que em Hollywood iria ter o futuro que se sabe. "Os Nibelungos" com as suas estruturas admiravelmente equilibradas, "Metropolis", porventura a expressão cimeira do cinema alemão dos anos 20, "Os Espiões" - de novo a organização misteriosa e implacável - e "Uma Mulher na Lua", de alucinante beleza, perfazem a carreira de Lang no cinema mudo, impondo-o como um dos maiores nomes da história do Cinema.
Percebendo depressa o que o sonoro podia trazer à sua estética, Lang assina depois "M", uma das obras mais lendárias e um dos pontos culminantes da sua carreira. Inicialmente o filme devia ter-se chamado "Os Assassinos Estão Entre Nós", mas o título foi retirado para não parecer provocação ao ascendente movimento nazi. E ainda antes do advento deste, Lang recriava Mabuse no "Testamento", uma das mais terríficas aproximações do Mal de que o cinema conserva memória
Apesar dos seus conflitos com os nazis, Goebbels, quando aqueles chegam ao poder, convida-o a dirigir os serviços de cinema do III Reich, percebendo bem a imensa força dessa arte e o muito que com ela podia fazer se um homem como Lang a quisesse utilizar ao serviço da causa. Frontalmente, o autor de "Os Carrascos Também Morrem" recusa e logo a seguir abandona a Alemanha, fazendo uma breve estadia em Paris (onde realiza o abissal "Liliom").
A 1 de Junho de 1934 assina um contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer e parte para a Califórnia, onde se naturaliza americano em Fevereiro de 1935. Depois de várias tentativas infrutíferas - cinco projectos nas gavetas - Lang roda em 1936 o seu primeiro filme para a MGM, "Fúria", trabalhando depois para vários estúdios de Hollywood. Em 1945, funda a sociedade “Diana Productions” que no entanto só produz dois filmes. Vários projectos concebidos ao longo destes anos não chegaram a ser realizados, como seja um filme sobre Billy-the-Kid, um filme sobre o Golem e uma adaptação do General do Diabo, de Zuckmayer.
Esta fase americana é a fase mais incompreendida da sua carreira. Durante muitos anos, a crítica unânime em reconhecer a genialidade da sua fase alemã, sustentava também, quase unânimemente, que o sistema e os produtores americanos tinham “cilindrado” Lang e que este, na América, nunca pudera dar uma pálida ideia do seu valor, desbaratando o talento em obras menores. Só nos anos 50 se reparou essa clamorosa injustiça verificando-se, contra ideias feitas, que os seus filmes nos Estados Unidos são, na generalidade, obras que nada devem às anteriores. Na América, Lang terá até levado às últimas consequências o rigor e o despojamento que são apanágio dessa “arquitectura do destino” que é a sua obra.
"Fúria" prolonga o mundo de "Matou", transportando para os Estados Unidos um idêntico desejo de destruição e uma idêntica capacidade do mal; "Só Vivemos Uma Vez", um dos seus maiores filmes, confere ao film-noir a dimensão das grandes tragédias e abre a posteridade donde vêm "Os Filhos da Noite", "Bonnie e Clyde", "Pierrot le Fou"; os filmes antinazis dos anos 40 ("Feras Humanas", "Os Carrascos Também Morrem", "Prisioneiro do Terror") inserem o nazismo num universo de mal absoluto, em que o prazer de aniquilar sobreleva a instância política; "Suprema Decisão" e "Almas Perversas" vão aos limites da destruição sexual; "O Segredo da Porta Fechada" e "Desengano" culminam uma ética; "Rancho das Paixões" e "O Tesouro do Barba Ruiva" retomam o exotismo aventuroso nos limites da paixão do poder; "Corrupção", "A Cidade das Trevas", "AVerdade e o Medo" são as suas máximas meditações sobre o destino.
Em 1957, Fritz Lang regressou à Alemanha onde, no ano seguinte, repegava um projecto que já vinha dos anos 20 e de Joe May, na selva obscura e subterrânea do magnífico "Túmulo Índio". Mas para os alemães ele permanecia o hornem do "Mabuse" e foi com os mil olhos do terrível doutor que terminou a portentosa carreira em 61.
Dois anos depois despedia-se do cinema aos 73 anos no filme de Godard "O Desprezo", como actor, no meio das estátuas gregas e das divindades implacáveis que trouxera ao mundo das imagens.
Coleccionava objectos de arte africana e oriental e viajava pelo mundo inteiro.
Em 1964 preside ao Júri da Semana Internacional do Filme em Mannheim.
Em 1965 é distinguido com o oficialato das Artes e Letras.
Voltou à América no fim dos anos 60 e depois de um breve regresso à República Federal em 1972, morre em Los Angeles, a 2 de Agosto de 1976, com 85 anos.
FILMOGRAFIA:
1960 – Die Tausend Angen des Dr Mabuse / O Diabólico Dr. Mabuse
1959 – Das Indische Grabmal / O Túmulo índio
1959 – Der Tiger Von Eschnapur / O Tigre de Eschnapur
1956 – Beyond a Reasonable Doubt / A Verdade e o Medo
1956 – While the City Sleeps / Cidade nas Trevas
1955 – Moonfleet / O Tesouro do Barba Ruiva
1954 – Human Desire / Desejo Humano
1953 – The Big Heat / Corrupção
1953 – The Blue Gardenia / A Gardénia Azul
1952 – Clash By Night / Desengano
1952 – Rancho Notorious / O Rancho das Paixões
1950 – American Guerrilla in the Philippines / Guerrilheiros nas Filipinas
1950 – House By The River / A Casa à Beira do Rio
1948 – Secret Beyond the Door / O Segredo da Porta Fechada
1946 – Cloak and Dagger / O Grande Segredo
1945 – Scarlet Street / Almas Perversas
1944 – The Woman in the Window / Suprema Decisão
1944 – The Ministry of Fear / Prisioneiros do Terror
1943 – Hangmen Also Die! / Os Carrascos Também Morrem
1942 – Moontide
1941 – Confirm or Deny
1941 – Man Hunt / Feras Humanas
1941 – Western Union / Os Conquistadores
1940 – The Return of Frank James / O Regresso de Frank James
1938 – You and Me / Sózinho na Vida
1937 – You Only Live Once / Só Vivemos Uma Vez
1936 – Fury / Fúria
1934 – Liliom
1933 – Das Testament Des Dr. Mabuse / O Testamento do Dr. Mabuse
1931 – M / Matou
1929 – Die Frau Im Mond / A Mulher na Lua
1928 – Spione / Espiões
1927 – Metropolis
1924 – Die Nibelungen: Kriemhilds Rache / Os Nibelungos: A Vingança de Kriemhilds
1924 – Die Nibelungen: Siegfried / Os Nibelungos: A Morte de Siegfried
1922 – Dr. Mabuse, der Spieler / Dr. Mabuse, o Jogador
1921 – Der Müde Tod / A Morte Cansada
1921 – Vier um die Frau
1920 – Das Wandernde Bild / A Imagem Miraculosa ou A Senhora das Neves
1920 – Die Spinnen 2 – Teil: Das Brillantenschiff
1919 – Harakiri / Hara-Kiri
1919 – Die Spinnen 1 – Teil: Der Goldene See
1919 – Der Herr der Liebe
1919 - Halbblut
sábado, agosto 28, 2010
YOU ONLY LIVE ONCE (1937)
SÓ VIVEMOS UMA VEZ
Um filme de FRITZ LANG
Com Henry Fonda, Sylvia Sidney, Barton MacLane, Jean Dixon, William Gargan
EUA / 86 min / PB / 4X3 (1.37:1)
Estreia nos EUA a 29/1/1937
Estreia em Portugal a 9/11/1937
(Cinema Tivoli, Lisboa)
Um filme de FRITZ LANG
Com Henry Fonda, Sylvia Sidney, Barton MacLane, Jean Dixon, William Gargan
EUA / 86 min / PB / 4X3 (1.37:1)
Estreia nos EUA a 29/1/1937
Estreia em Portugal a 9/11/1937
(Cinema Tivoli, Lisboa)
Joan Graham: "Anywhere's our home. On the road. Out there on a cold star.
Anywhere's our home"
Anywhere's our home"
Após “Fury”, “You Only Live Once” é o segundo filme americano de Lang que, nos anos 30, faria ainda nos Estados Unidos. Mais uma vez com Sylvia Sydney no papel principal feminino, actriz de que Lang iria descobrir a secreta e incrível personalidade.
“You Only Live Once” é uma obra que se entronca na tradição do film-noir americano, para, através de um argumento típico e excepcionalmente bem construído, atingir o cerne da temática fundamental de Lang: o problema da culpa e a interrogação sobre o sentido da justiça. Mais uma vez a multidão se encarniça contra um inocente, mais uma vez diálogos concisos e fundamentais nos dão o retrato da mesma implacabilidade, mais uma vez o universo exterior é delirantemente persecutório e denunciante, sempre pronto a colaborar com a polícia na “caça ao homem”, sempre pronto a vingar-se por conta própria. Mais uma vez, Lang dá-nos um retrato da sociedade americana que substancialmente não difere do que traçara da sociedade alemã.
Mas onde a temática de Lang atinge a sua máxima profundidade é na caracterização dos personagens Eddie, Joan e o padre. Joan e o padre representam o respeito pela legalidade (a primeira até certa altura, o segundo quase até à morte), na qual tentam fazer entrar Eddie que, desde o início, tem as saídas cortadas. Ambos ignoram a realidade social para pretenderem viver na ficção legal. Por causa de Joan e pelo respeito por essa ordem, Eddie é preso; por causa do padre a arma não é entregue a Eddie. A noite da execução – momento máximo de cinema de Lang – é a catársis de tudo isso. É após ela que Sylvia Sydney se dispõe a tudo, sabendo já que nenhuma outra regra, que não a relação entre ela e Eddie, os pode salvar. A morte do padre (leia-se a do último valor moral, com função muito ambígua no filme) é o que a liberta. Como liberta Fonda, (“fizeram de mim um assassino”) que finalmente se identifica com a sua imagem e assume plenamente a sua revolta. E, de certo modo, liberta o próprio padre, cuja última ordem pode ser a compreensão final do absurdo da função medianeira que até aí vinha exercendo.
Neste filme prodigioso tudo joga no sentido da sufocação, desde logo do início, com o jogo de sombras-luzes-grades a fechar todos os espaços à volta de Eddie. “Ainda és um dos nossos”, gritam-lhe os presos quando ele é liberto. Antes que o dissessem já o sabíamos, pois todos os enquadramentos e sinais nos davam essa impossibilidade dum estatuto diferente. O “momento de felicidade” (a lua de mel) é acompanhado pelo coaxar das rãs, numa sequência diante da qual os adjectivos se esgotam. À dialéctica rãs-flores se resume já a relação passado, presente e futuro, com o belissimo plano da imagem dos dois, reflectida na água pantanosa e nela aprisionada.
Da presença efémera e ameaçada de Sylvia Sidney ao olhar vazio de Fonda, o que nos vai sendo transmitido é a vertigem do caminho barrado e a definitiva suspensão de qualquer outra saída que não seja a morte. Mais uma vez nos encontramos perante o irredutível pessimismo de Lang: só se vive uma vez, mas só na morte existe possibilidade de libertação. Insistindo nessa irredutibilidade da oposição homem-mundo, inocência-culpa (Fonda é “culpado” enquanto é inocente e “inocente” quando é culpado; a inocência total só existiu no único momento em que matou), Lang desmonta até ao absurdo os mecanismos que comandam um e outro e nos quais se funda a “genealogia da moral”.
O que admira mais em Lang é a sua portentosa arte de construção cinematográfica. A estrutura dos seus filmes atinge quase sempre uma enorme complexidade, mas nem por isso deixa de ser facilmente inteligível por todos. Um conjunto fabuloso de montagens paralelas e elipses garantem aos seus filmes a simbiose perfeita entre a simplicidade e a complexidade. Mas acima desta imponência encontra-se uma sensibilidade de trato com os materiais que utiliza que transformam as suas obras em monumentos de beleza visual transbordante. “You Only Live Once” pode ser entendido como uma tragédia moderna do homem em luta contra o seu destino. Uma luta que tem na morte a única saída e por isso o filme de Lang se desenrola no ambiente escuro e perigoso da noite, onde os personagens se deixam enlear na teia de aranha que os irá consumir.
segunda-feira, agosto 23, 2010
domingo, agosto 22, 2010
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