Com Karlheinz Böhm, Moira Shearer, Anna Massey, Maxine Audley
GB / 101 min / COR / 16X9 (1.66:1)
Estreia em Inglaterra a 7/4/1960 (Londres)
Estreia em Portugal a 2/3/1961
(Lisboa, Cinema São Jorge)
(Lisboa, Cinema São Jorge)
Karlheinz Böhm, actor alemão mais conhecido por desempenhar o papel do imperador Franz Joseph na série de filmes da "Sissi" com Romy Schneider, ambicionava soltar-se das amarras a que aquela figura o tinha ligado. Agarrou por isso a oportunidade de filmar com Michael Powell este thriller psicológico de produção inglesa. Não contava era que na estreia o filme recebesse críticas desvastadoras, que o iriam anatemizar ao longo de cerca de 20 anos. A raiva generalizada contra o filme (e contra Powell, que viu a sua carreira arruinada) chegou ao ponto de um crítico inglês, Derek Hill, escrever qualquer coisa como “Peeping Tom é um filme cuja única utilização satisfatória é a de puxar o autoclismo e mandá-lo pelo esgoto abaixo”. Pouco tempo depois da estreia os produtores cancelaram a distribuição do filme e logo que puderam venderam o negativo no mercado negro, circuito paralelo e obscuro onde “Peeping Tom” foi sendo esquecido ao longo do tempo e simultâneamente adquirindo a reputação de filme maldito.
CURIOSIDADES:
- As escolhas iniciais para o papel principal incluiram Dirk Bogarde e Laurence Harvey
- A revista Premiere incluiu este filme na lista dos "25 Most Dangerous Movies"
Martin Scorsese, desde sempre um grande entusiasta do cinema de Powell, conseguiu em 1979 comprar uma cópia em boas condições de “Peeping Tom”, tendo-o apresentado depois no Festival de Nova Iorque. Foi o início da reabilitação do filme que hoje em dia, para além do status de cult movie é considerado, a par do “Oito e Meio” de Fellini, um exemplo brilhante da arte de realização.
Desde o grande plano de olho com que o filme introduz o espectador a uma constelação de percepções, “Peeping Tom” é um jogo perverso de aproximações. A distância maior que o filme nos concede é a distância que permite a observação visual, sendo que toda a lógica de “Peeping Tom” vai no sentido de transformar o observador na coisa observada. Psicanálise e voyeurismo são dois pretextos de que Powell se serve para construir uma das mais admiráveis metáforas do Cinema. É sempre através de uma “janela” que os personagens nos são mostrados. Janelas, objectivas, écrans, todos esses “aparatos” servem para mediatizar a visão de alguma coisa. Todos eles mostram, e ao mesmo tempo se interpõem, como se ver fosse uma actividade perigosa que é preciso proteger com uma máscara.
De onde vem a imensa força de “Peeping Tom”, de onde vem a imensa perturbação que o filme instala e que lançou o pânico entre a crítica dos anos 60? Vem, em primeiro lugar, da inocência do protagonista e, por isso, do carácter cruel do seu projecto de ligação ente “arte” e “morte”. Mark é o mais comovente dos personagens de Powell, o mais tímido, o mais desprotegido. A arte de Mark (a sua arte mortal) não é uma segunda natureza do personagem: é a sua única forma de manifestação. Em segundo lugar, a força de “Peeping Tom” vem do modo como nos implica enquanto espectadores. A empatia em relação a Mark, a que Powell nos convida, fazendo dele a vítima da experimentação clínica e brutal de um pai perverso, que filma o filho como se fosse uma cobaia (é o próprio Powell que encarna a figura paterna), faz de nós espectadores (com tudo o que implica de prazer) de um jogo em que o Cinema é um instrumento de tortura e morte. À semelhança de Helen, também os espectadores se afeiçoam a Mark e desejam que ele culmine a sua obra.
Curiosamente, Powell afirmou na altura que não existia nada de doentio em “Peeping Tom”, que se tratava pelo contrário de um filme muito terno, muito simpático, quase romântico. Sabemos agora para onde é que essa “ternura” levou a simpatia da crítica da altura que, entrancheirada nas tradiçõs do realismo inglês, não soube (ou não conseguiu) ver o objectivo da genial realização de Powell que era tornar visível no écran o invisível, o intuitivo, o que se encontra no subconsciente de cada um de nós. Em vez disso viram apenas um “filme imoral” cujos mecanisnos perversos os confundiam.
“Peeping Tom” teve a ousadia de enunciar uma verdade, nua e crua, que ainda hoje se mantém: continuamos a gostar de ver no écran cenas de terror e de violência porque gostamos de sentir todas essas sensações, desde que confortavelmente instalados, desde que não tomemos parte nos acontecimentos. Ao forçar o nosso olhar à cumplicidade, Powell subverteu essa segurança, lançando uma armadilha da qual não nos conseguimos libertar.
Aconselha-se vivamente a edição DVD da Criterion (1999), a qual conseguiu restaurar o filme no formato widescreen de 1.66:1, apropriado para écrans televisivos de 16X9. Acompanha esta edição um comentário audio da ensaísta Laura Mulvey, o trailer original, uma galeria de fotos de produção e um documentário intitulado “A Very British Psycho”, dirgido por Chris Rodley para o canal 4 da TV britânica. Legendas em inglês para deficientes auditivos.
- As escolhas iniciais para o papel principal incluiram Dirk Bogarde e Laurence Harvey
- A revista Premiere incluiu este filme na lista dos "25 Most Dangerous Movies"
2 comentários:
Grande filme, Rato, grande filme!
Deliciosamente subversivo, é sem qualquer dúvida uma lição magistral da arte de bem filmar.
Só o consegui ver nos anos 80 (aliás como quase toda a gente), por mérito de Mr. Scorsese, como tens a oportunidade de lembrar.
E também tenho a belissima edição da Criterion para relembrar o filme de vez em quando.
Afinal, não somos todos um pouco voyeurs?
A 40 anos de distância consegue ser ainda melhor do que "Psycho" de Hitchcock. Fez-se justiça!
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