sexta-feira, janeiro 17, 2014

KATINKA E BERGMAN

«INGMAR BERGMAN FOI O MAIOR REALIZADOR 
COM QUEM TRABALHEI»
Katinka Faragó

Suécia, 1954. Katinka Faragó tinha 18 anos, havia acabado o liceu e ia almoçar com os seus professores, quando recebeu um telefonema dos estúdios onde trabalhava como anotadora. «Fui ver o director e ele disse-me: Agora vai trabalhar com o Sr. Bergman. Respondi: Eu? Porquê eu? Porque mais ninguém quer, retorquiu ele.» Foi desta maneira que Katinka começou uma relação profissional e de amizade com Ingmar Bergman que duraria 30 anos, e a levaria de anotadora a directora de produção e produtora do mestre sueco. «Tudo começou em 1954 com “Sonhos de Mulheres”. Sobrevivi à rodagem, não sei como, ele gostou de mim, porque eu não falava muito – estava cheia de medo! – e levou-me com ele no ano seguinte para outro estúdio, onde fizemos “Sorrisos de Uma Noite de Verão”. E fiquei com o Ingmar 30 anos», concluiu ela ao DN, numa conversa telefónica feita a propósito do “Ciclo Ingmar Bergman”, a decorrer no Espaço Nimas, em Lisboa.


Quando Katinka começou a colaborar com Bergman, o realizador era apenas conhecido na Suécia. «Foi só após “Sorrisos de Uma Noite de Verão” ter sido premiado em Cannes que a fama dele começou. Ele era e não era uma pessoa difícil com quem se trabalhar. Era muito exigente, mas se sabia que tínhamos feito o melhor que podíamos, era capaz de nos perdoar os erros», conta. «Recordo-me de que certo dia, na rodagem de “Morangos Silvestres”, ele começou a gritar comigo e eu não tinha feito nada. À tarde, chamou-me ao hotel e disse-me: Desculpa, peço desculpa, convido-te para jantar. E vou eu e respondo-lhe: Não! Eu era durona, tinha vinte e poucos anos e não fui mesmo jantar com ele! (risos). Mais tarde, em 1975, quando já era empregada dele, as nossas relações tornaram-se mais pessoais, ficámos amigos. Já não tinha medo dele, era mais velha e já nos conhecíamos muito bem.»


Bergman gostava de trabalhar sempre com as mesmas pessoas, actores e técnicos, «por uma razão práctica. Quando conhecemos alguém bem, é mais fácil trabalhar com ele. E nós já nos conhecíamos todos uns aos outros, sabíamos o que cada um tinha de fazer, ele sabia como é que nós trabalhávamos e nós o que ele queria, e por isso era tudo mais fácil. Mas apesar de nos chamarem “A Família Bergman”, não éramos uma família, éramos uma equipa profissional», explica Katinka. Mas a ideia de um Ingmar Bergman aclamado na Suécia, tal como no resto do mundo, é errada.


«As pessoas na Suécia disseram muitas coisas más sobre este pobre homem, que não são verdade. Era o realizador sueco mais talentoso de todos e foi muito generoso para com outros colegas seus. Mas o talento nem sempre é popular. Havia muitas invejas e muito ciúme. Quando ele fez “Lágrimas e Suspiros”, em 1972, pediu dinheiro ao Instituto Sueco de Cinema, pela primeira vez, porque todos os seus filmes davam lucro. E a imprensa ficou escandalizada por Ingmar Bergman ter pedido dinheiro ao Estado, e o Estado lho ter dado. A imprensa esteve contra ele desde o início, diziam que fazia “filmes de estudante”. Após “Sorrisos de Uma Noite de Verão”, nunca mais ninguém disse isso. Mas havia uma suspeição contra ele», conta.



“Sorrisos de Uma Noite de Verão”, “Luz de Inverno” ou “Fanny e Alexandre” estão entre os filmes de Ingmar Bergman que Katinka Faragó prefere. «Trabalhar com o Ingmar era muito igual. Ele estava sempre muito bem preparado, fazia os trabalhos de casa na noite anterior. E odiava a improvisação. Gostava de controlar tudo. Podia estar atrasado em relação ao plano de filmagens, mas vinha ao meu escritório e dizia: Não te preocupes, amanhã de manhã fica tudo em ordem outra vez. E no dia seguinte filmava umas cenas magníficas e ficava tudo acertado outra vez. Ele era muito profissional e tinha um domínio acabado da técnica.


Quando Ingmar Bergman decidiu renunciar ao cinema, após “Fanny e Alexandre” (1982), fiquei muito triste, porque estávamos todos muito orgulhosos com este filme, que se pensava que não poderia ser feito na Suécia por não termos os meios, os estúdios, o dinheiro», conta a antiga colaboradora do cineasta. «Todos pensávamos que íamos rodar a seguir “As Aventuras de Hoffmann”, outro filme grande, a Gaumont até já tinha o dinheiro. Mas ele não aguentou a pressão de estar no auge da fama, de ser tão talentoso e tão bom cineasta, de pensar que muitos estavam sempre à espera que ele caísse lá do alto. Ter de ser muito bom todos os dias foi muito mau para os nervos dele. E após o telefilme “Depois do Ensaio”, em 1984, ele fechou a produtora onde trabalhávamos havia dez anos. Foi muito triste. Trabalhei com muitos outros realizadores, como Andrei Tarkovsky e com quase todso os grandes realizadores suecos de então, como Mai Zetterling ou Alf Sjöberg», recorda Katinka Faragó. «Mas o Ingmar está num lugar único, só dele. Era o maior de todos.»
(Eurico de Barros in Diário de Notícias, 16/11/2014)

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