terça-feira, janeiro 28, 2014

CHEGOU A ERA DIGITAL DO CINEMA


Pensemos em alguns títulos emblemáticos da produção americana de épocas bem distintas: “Wings/Asas” (1927), de William A. Wellman, sobre os combates aéreos na Primeira Guerra Mundial, consagrado com o primeiro Óscar de Melhor Filme; “Double Indemnity/Pagos a Dobrar” (1944), de Billy Wilder, um dos momentos fundadores da tradição do filme noir; “Samson and Delilah/Sansão e Dalila” (1949), com Victor Mature e Hedy Lamarr, lendário épico bíblico assinado por Cecil B. DeMille; “Psycho/Psico” (1960), uma referência central na filmografia de Alfred Hitchcock; enfim, “Saturday Night Fever/Febre de Sábado à Noite” (1977), a realização de John Badham que transformou John Travolta numa estrela.


Para além das suas muitas diferenças, que aproxima estes filmes? Pois bem, todos começam com o símbolo de um dos mais célebres estúdios da história de Hollywood: Paramount Pictures. Mas há um outro dado que, na sua aparente banalidade histórica, ganhou uma nova dimensão simbólica: todos eles (e também, obviamente, os muitos milhares produzidos nas respetivas épocas) chegaram aos espectadores em cópias em película de 35 mm. Acontece que, há dias, a Paramount anunciou que vai deixar de distribuir filmes em 35 mm - a comédia “Anchorman 2” (a ser estreada em Abril nas salas portuguesas, com o título “Que Se Lixem as Notícias”) será o seu derradeiro lançamento em película; a partir daí, todas as suas produções serão difundidas em formato digital.


Em boa verdade, a notícia não envolve nenhuma surpresa: com mais ou menos atribulações, a reconversão das salas de cinema é uma tendência global irreversível. Em meados de 2012, a Screen Digest (firma de investigação dos mercados audiovisuais com sede em Londres) tinha já publicado um relatório apontando o final de 2013 como um momento charneira na passagem para o digital, prevendo que 2015 será o ano em que os EUA, a par dos principais mercados do planeta, deixarão de ter salas comerciais a projetar filmes em película.


Escusado será dizer que tudo isto suscita muitas dúvidas, em particular nos pequenos mercados que, não vale a pena alimentar ilusões, terão de seguir as tendências impostas pelos mais fortes. Além do mais, há uma pergunta muito específica que emerge: como vão ser vistos os filmes clássicos (e são a maioria) que ainda não foram convertidos para o formato digital? Importará não reduzir o problema a qualquer combate maniqueísta, quanto mais não seja porque algumas reposições recentes (“Lawrence da Arábia”, “Hiroshima Meu Amor”, “Casablanca”, etc.) confirmam que a indústria já reconheceu a importância da passagem desses clássicos para o digital. O que está em causa é, ainda e sempre, a preservação das memórias cinéfilas como um fundamental princípio cultural e comercial. Desde as empresas de distribuição/exibição até às instituições estatais, todos podem (e devem) enfrentar o problema sem esquecer os direitos do próprio espectador.

(João Lopes in “Diário de Notícias”, 26/1/2014)

1 comentário:

Rato disse...

Não sou tão optimista como o crítico que assina esta crónica, julgo que a esmagadora maioria dos filmes antigos (clássicos e não só) nunca serão transcritos para o formato digital. Apenas aqueles, poucos, que os estúdios prevejam dar algum lucro é que terão esse tratamento. O Cinema tornou-se essencialmente um negócio e como tal será tratado no futuro. As relíquias, os filmes que constituem a história do cinema, poderão apenas ser vistos nas casas de cada um. E talvez nem isso, após o desaparecimento das gerações mais antigas de cinéfilos. Finalmente a TV reinará, omnipresente!