Pensemos em alguns títulos emblemáticos da produção americana de épocas bem distintas: “Wings/Asas” (1927), de William A. Wellman, sobre os combates aéreos na Primeira Guerra Mundial, consagrado com o primeiro Óscar de Melhor Filme; “Double Indemnity/Pagos a Dobrar” (1944), de Billy Wilder, um dos momentos fundadores da tradição do filme noir; “Samson and Delilah/Sansão e Dalila” (1949), com Victor Mature e Hedy Lamarr, lendário épico bíblico assinado por Cecil B. DeMille; “Psycho/Psico” (1960), uma referência central na filmografia de Alfred Hitchcock; enfim, “Saturday Night Fever/Febre de Sábado à Noite” (1977), a realização de John Badham que transformou John Travolta numa estrela.
Para
além das suas muitas diferenças, que aproxima estes filmes? Pois bem, todos
começam com o símbolo de um dos mais célebres estúdios da história de
Hollywood: Paramount Pictures. Mas há um outro dado que, na sua aparente
banalidade histórica, ganhou uma nova dimensão simbólica: todos eles (e também,
obviamente, os muitos milhares produzidos nas respetivas épocas) chegaram aos
espectadores em cópias em película de 35 mm. Acontece que, há dias, a Paramount
anunciou que vai deixar de distribuir filmes em 35 mm - a comédia “Anchorman 2”
(a ser estreada em Abril nas salas portuguesas, com o título “Que Se Lixem as
Notícias”) será o seu derradeiro lançamento em película; a partir daí, todas as
suas produções serão difundidas em formato digital.
Em
boa verdade, a notícia não envolve nenhuma surpresa: com mais ou menos
atribulações, a reconversão das salas de cinema é uma tendência global
irreversível. Em meados de 2012, a Screen Digest (firma de investigação dos
mercados audiovisuais com sede em Londres) tinha já publicado um relatório
apontando o final de 2013 como um momento charneira na passagem para o digital,
prevendo que 2015 será o ano em que os EUA, a par dos principais mercados do
planeta, deixarão de ter salas comerciais a projetar filmes em película.
Escusado
será dizer que tudo isto suscita muitas dúvidas, em particular nos pequenos
mercados que, não vale a pena alimentar ilusões, terão de seguir as tendências
impostas pelos mais fortes. Além do mais, há uma pergunta muito específica que
emerge: como vão ser vistos os filmes clássicos (e são a maioria) que ainda não
foram convertidos para o formato digital? Importará não reduzir o problema a qualquer
combate maniqueísta, quanto mais não seja porque algumas reposições recentes (“Lawrence
da Arábia”, “Hiroshima Meu Amor”, “Casablanca”, etc.) confirmam que a indústria
já reconheceu a importância da passagem desses clássicos para o digital. O que
está em causa é, ainda e sempre, a preservação das memórias cinéfilas como um
fundamental princípio cultural e comercial. Desde as empresas de
distribuição/exibição até às instituições estatais, todos podem (e devem)
enfrentar o problema sem esquecer os direitos do próprio espectador.
1 comentário:
Não sou tão optimista como o crítico que assina esta crónica, julgo que a esmagadora maioria dos filmes antigos (clássicos e não só) nunca serão transcritos para o formato digital. Apenas aqueles, poucos, que os estúdios prevejam dar algum lucro é que terão esse tratamento. O Cinema tornou-se essencialmente um negócio e como tal será tratado no futuro. As relíquias, os filmes que constituem a história do cinema, poderão apenas ser vistos nas casas de cada um. E talvez nem isso, após o desaparecimento das gerações mais antigas de cinéfilos. Finalmente a TV reinará, omnipresente!
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