domingo, agosto 03, 2025

GRAND PRIX (1966)

GRANDE PRÉMIO
Um Filme de JOHN FRANKENHEIMER




Com James Garner, Yves Montand, Eva Marie Saint, Toshiro Mifune, Brian Bedford, Jessica Walter, Antonio Sabato, Françoise Hardy, Adolfo Celi, Geniviève Page, Jack Watson, etc.

EUA / 176 min / COR / 
16X9 (2.20:1)

Estreia nos EUA (NY) a 21/12/1966
Estreia em PORTUGAL (LISBOA) a 25/9/1967
Estreia em MOÇAMBIQUE (L.M.) a 4/12/1968 (teatro Manuel Rodrigues)




Louise Frederickson: «What a terrible way to win»
Jean-Pierre Sarti: «No, there is no terrible way to win. 
There is only winning»

“Grand Prix” fez as minhas delícias de adolescente, quando o vi pela primeira vez em Johannesburg, em 19 de Agosto de 1967, um sábado. Tinha sido o filme escolhido para inauguração de uma nova sala na capital do Rand, chamada Royal Cinerama, especializada na passagem de flmes naquele formato (écran semi-circular com tripla projeção simultânea). Ao longo dos anos revi o filme dezenas de vezes (a última foi neste último fim-de-semana, na recente e magnífica edição em Blu-Ray), mas a memória daquela 1ª sessão nunca mais me abandonou. Recordo ainda o foyer do cinema todo engalanado com artefactos relacionados com o filme, onde nem sequer faltavam dois ou três prototipos dos bólides de Fórmula 1 (os famosos charutos da época). Transcrevem-se de seguida as notas originais que constavam do programa de apresentação, que era distribuído gratuitamente à entrada para a sala:

“Grand Prix” is the story of four drivers, the women behind them, the cars beneath them. These four daredevils dice with death across the race tracks of the globe. Each has his eyes and heart on the world championship. Only one can win. They are:

The American…Peter Aron (James Garner). Aron, a restless, abrasive personality, lives for driving. Starting the season with Jordan - BRM he is fired after a multiple crash at Monaco, rejected by the autocratic Manetta-Ferrari owner (Adolfo Celi), finally ends up in partnership with Japan’s ambitious Izo Yamura (Toshiro Mifune). Both badly want the world championship. Yamura for his cars. Aron for himself.

The Corsican…Jean-Pierre Sarti (Yves Montand). At an age when most top drivers have retired to the grandstands, he aims one last fling at the world title…and a win that could give him the elusive hat trick. An added tension to his bid is his blossoming love affair with fashion editor Louise Fredrickson (Eva Marie Saint). And at speeds approaching 200 miles per hour, tension spells trouble.

The Britisher…Scott Stoddard (Brian Bedford). A talented young Jordan-BRM driver, whose marriage and racing suffer from the shadow of his dead brother Roger, a former world champ whose personality still haunts the circuits in general and the Stoddard family home in particular. And then there is his wife, Pat (Jessica Walter). Pat is a problem - a bored ex-model, failed actress, indifferent wife and troublesome mistress to Stoddard’s archrival and ex-colleague Pete Aron.

The Sicilian…Nino Barlini (Antonio Sabato). A wild young driver played by a wild young actor. Barlini lives and dreams cars, motorbikes and girls. One of the girls is Lisa (Françoise Hardy), an enigmatic beauty who emerges from a Riviera discotheque to follow the racing season…and Barlini.
Of the quartet, one will raise his hand in victory, another will die. Not one of them or their women will ever be the same.

Brilhantemente filmado por John Frankenheimer e pelo fotógrafo Lionel Lindon para o formato Cinerama, “Grand Prix” é um tesouro fílmico de grande estilo que consegue transmitir ao espectador toda a excitação do mundo da Fórmula 1. Um mundo que ao longo dos últimos 45 anos não parou de evoluir tecnicamente (sobretudo na segurança dos carros e das pistas), mas que, por isso mesmo, perdeu muito do fascínio inocente de uma época, fascínio esse que este filme conseguiu preservar até aos dias de hoje. A magnífica sequência dos créditos iniciais (da autoria do aclamado Saul Bass) introduz desde logo o poder visual das imagens que não mais iriam abandonar a memória de todos quantos tiveram o privilégio de assistir a “Grand Prix” numa enorme sala de cinema. A divisão do écran, os ângulos múltiplos ou as imagens sobrepostas são aqui usadas exemplarmente, constituindo o todo um excelente mosaico da arte de (bem) filmar.

Entre o circuito citadino do Mónaco, a abrir o filme, e a antiga e espectacular  pista de Monza (hoje em dia muito diferente no seu traçado), “Grand Prix” acompanha diversas corridas da temporada de 1966 (todas elas tratadas cinematicamente de modo diferente), centrando a sua história em quatro pilotos e nos seus mundos particulares. Misto de ficção e realidade, com uma realização semi-documental extremamente eficaz, o filme vai alternando as vidas pessoais de cada um dos quatro homens com as suas ambições profissionais enquanto corredores de Fórmula 1. O resultado chega a ser épico, no sentido em que “Grand Prix” é um marco que jamais poderá ser ultrapassado, por ter sido realizado numa época em que apesar de tudo o mundo do desporto automóvel ainda não era a grande indústria dos nossos dias.

Um dos motivos pelos quais “Grand Prix” atingiu os pináculos da fama foi sem dúvida a excepcional banda sonora. Por vezes lírica, por vezes evocativa, mas sempre estimulante, a música do prestigiado compositor Maurice Jarre (falecido a 29 de Março de 2009, aos 84 anos) é parte indissociável do filme. Quaisquer que sejam as sequências que se recordem essa música está lá sempre, a pontuar cada imagem ou cada frase. É por isso que considero fundamental partilhar aqui essa excelente banda-sonora que Jarre compôs para o filme de John Frankenheimer.  


Trata-se de uma edição especial, limitada a 3000 cópias, e que contém toda a música do filme, a maior parte da qual não usada no album editado na altura da estreia, em Dezembro de 1966. Quem quiser escutar o alinhamento original basta programar o leitor de CD’s com a sequência 1 – 22 – 23 – 24 – 7 – 13 – 26 – 27 – 4 – 29. De referir que nas faixas 13 e 29 foi eliminado o barulho dos escapes dos carros, constantes na versão original (uma má decisão, penso). Trancrevem-se de seguida as notas constantes nessa primeira edição:


The Music

The relationship of the main characters in this film is a very close and personal one. Jarre expresses this musically, by intermingling the main characters’ identifying themes.

Side 1

1. Overture The Overture contains substantial portions of the three Main Themes from the film: 1) Theme From Grand Prix – relates to all the drivers. 2) Sarti’s Love Theme – is generally used in connection with the Frenchman’s (Yves Montand) adventurous and romantic schemes; 3) Scott’s Theme – serves as background music for scenes featuring the British Jordan BRM driver, Scott Stoddard (Brian Bedford). (4:35)

2. Scott & Pat – Sarti & Louise Unrequited love and fulfilled love. Mr. Jarre skillfully contrasts the Scott and Sarti themes. (2:20)

3. Theme From Grand Prix This version of the theme is heard at the finish of the Brands Hatch race. (1:55)

4. Sarti’s Love Theme (Bossa Nova) Employed by Jarre to underline portions of the racing sequences. (2:25)

5. The Zandvoort Race (Scott’s Comeback) The crippled Scott painfully lowers himself into his dead brother’s racing car and triumphantly roars away. The engine’s blast signals the start of the Zandvoort Race – and a glorious comeback for the determined Britisher. (5:21)

Side 2

1. The Clermont Race Unusual multi-camera shots – almost kaleidoscopic in effect. Sarti is driving but his mind is on Louise. Photographically and musically the Clermont Race has the quality of a racing car “ballet.” (2:15)

2. Scott’s Theme (Bossa Nova) Heard over the loudspeakers while the Clermont Race is in progress. (2:15)

3. Sarti’s Love Theme The scene is Sarti’s apartment at the Sports Club; Sarti and Louise first realize that they are deeply in love. (4:15)

4. In the Garden A tender scene between Sarti and Louise. Music is heard coming from Barlini’s victory party which they have just left. (3:00)

5. The Lonely Race Track It is the end of the film. The grandstands are empty. Pete (James Garner), deep in thought, is seen walking down the empty track reliving in his mind the races and events we have just seen. Sarti’s Theme comes first, then the roar of the invisible racing cars, followed by another version of the stirring Theme From Grand Prix, a dedication to all racing drivers. (2:26)

CURIOSIDADES:

- Três dos actores principais (Montand, Garner e Sabato) tiveram aulas para conduzirem esporadicamente os seus carros (que eram Formulas 3 disfarçados de Formula 1). Brian Bedford foi a excepção (devido à sua pouca aptidão para conduzir), tendo sido dobrado nas cenas que o mostram ao volante.

- Steve McQueen foi a primeira escolha para o papel do americano Pete Aron. Mas o encontro com o produtor Edward Lewis correu mal e o actor desistiu do projecto, afirmando ir ele próprio fazer um filme sobre o mundo das corridas. Esse projecto seria o filme “Le Mans”, realizado cinco anos depois por Lee Katzin.

- Dos 32 pilotos que participaram no filme, cinco morreram em acidentes nos dois anos seguintes e outros cinco depois.

- Quando o filme foi rodado, em 1966, a parte inclinada do circuito de Monza já não era usada para a Formula 1 desde 1961, mantendo-se apenas para corridas de outro tipo de carros. A partir de 1969 essa parte do circuito foi definivamente abolida por questões de segurança.


- “Grand Prix” foi o primeiro filme que John Frankenheimer rodou a cores.

- A frase de Jean-Paul Sarti (Yves Montand) sobre o facto de «acelerar a fundo sempre que acontecia algum acidente durante uma prova» era a divisa do piloto Phil Hill, que também participou no filme.

- A produção do filme teve de pagar aos comerciantes do Mónaco pelo facto de encerrarem as respectivas lojas nos troços das ruas que foram fechadas para as filmagens. Esses fechos de ruas foram bastante problemáticos devido a parte delas estarem na altura dependentes da autorização do magnata Aristoteles Onassis.

- Só depois de assistirem às primeiras filmagens no circuito do Mónaco é que os responsáveis da Ferrari deram o seu total apoio a Frankenheimer, disponibilizando-lhe inclusivé as oficinas para filmagens – que até então nunca tinham sido abertas a estranhos.


LOBBY CARDS:



sexta-feira, agosto 01, 2025

THE CROWD (1928)

A MULTIDÃO
Um filme de KING VIDOR



Com James Murray, Eleanor Boardman, Bert Roach, Estelle Clark, etc.


EUA / 98 min / PB / 4X3 (1.33:1)


Estreia nos EUA (NY) a 18/2/1928 
Estreia em PORTUGAL (LISBOA) a 14/5/1965



John Sims: “Look at that crowd! The poor slobs... all in the same rut!

Para lá do tom melodramático das situações, o que importa reter deste filme é a inovadora técnica de filmagem que tanto influenciou a maneira de fazer cinema na época. Ao longo da sua carreira, King Vidor fez muitas experiências nos seus filmes. “The Crowd” foi um dos primeiros a utilizar intensivamente os diversos locais de Nova Iorque, onde inclusivé chegou ao ponto de se servir de câmaras escondidas para captar a realidade da vida nas ruas. Lembremos algumas dessas famosas sequências:

Com o protagonista do filme, John Sims (James Murray) ainda adolescente, a notícia da morte do pai é-lhe comunicada de uma maneira exemplar e única nos seus propósitos. Não tenho memória de ver técnica que se lhe assemelhe em qualquer outro filme (exceptuando-se talvez alguns exemplos no expressionismo alemão) – o jovem é filmado em plongé profundo, a subir uma longa escadaria, ao cimo da qual o agurda a revelação da tragédia. O lento caminhar lembra o acesso dos condenados ao cadafalso, com a inevitabilidade da morte como meta a ser atingida.

Num plano-sequência de grande complexidade (não nos esqueçamos que estamos ainda nos anos vinte) a câmara, montada numa grua, parte de várias pessoas a entrar e a sair de um edifício de escritórios, sobe pela fachada do arranha-céus até focar uma janela, entra por ela dentro e mostra uma sala descomunal, com centenas de secretárias, até finalmente isolar uma delas, aquela onde diariamente se senta John Sims, na monotonia de um trabalho sempre igual. É a desumanização da vida profissional mostrada em toda a sua crueza. Billy Wilder recriou esta sequência-chave no seu filme de 1960, “The Apartment”, uma versão doce-amarga deste filme de Vidor; e até o génio de Orson Welles não se conseguiu livrar das influências de “The Crowd”, ao levar ao extremo esta mesma sequência em “The Trial”, de 1962.

Quando a filha mais nova do casal é atropelada e levada moribunda para dentro do apartamento, John tenta abafar todo o ruído à volta da criança para tentar adiar o mais possível o desenlace da tragédia que se anuncia. Vem inclusivé para a rua tentar fazer parar o barulho do trânsito e das pessoas que passam incessantemente. Um polícia chega a dizer-lhe: «a vida não pode parar por causa da sua filha estar doente». Mais uma vez a câmara mostra-nos o “rosto” anónimo da multidão que tudo sacrifica à sua voragem.


King Vidor teve neste filme a ousadia de contar a história de um casal como tantos outros, dois elementos da multidão que inunda as ruas de Nova Iorque. O naturalismo profundo de “The Crowd” centra-se no homem comum, sem grandes aptidões ou talentos, que pensa constantemente que há-de subir na vida, mas que nunca passa da cepa torta. O sonho americano é uma ilusão, um conto de fadas, mas onde ainda se consegue ludibriar a realidade, mesmo que seja à custa de nos enganarmos a nós próprios. Como na paradigmática cena final, em que num teatro John, Mary e o filho sobrevivente se riem de um palhaço vestido como um desempregado a pedir esmola. Enquanto eles se riem ao ver a sua própria desgraça representada num palco, a câmara afasta-se dissolvendo-os uma vez mais no anonimato da multidão.

Citando Alain Carbonnier, «Vidor pertence à raça dos cineastas que filmam directamente o desejo, as mais das vezes aliás dos cineastas cristãos, talvez porque sobre eles a censura foi mais importante, mais interiorizada. Eles conhecem bem a força de uma pulsão repelida e sabe-se como é difícil conter as paixões. Irrigada pela violência das relações amorosas, a sua obra exprime a ambivalência do desejo»

CURIOSIDADES:

- Para interpretar Mary, King Vidor escolheu a atraente Eleanor Boardman, sua mulher na altura, e para o papel de John decidiu-se por James Murray, cuja carreira terminaria com um suicídio, passados quase dez anos sobre a realização deste filme.

- King Vidor filmou quase uma dezena de finais de modo a poder negociar com a MGM, que queria invariavelmente “fins felizes” nos seus filmes. Pelos vistos conseguiu os seus intentos ao fazer passar a mensagem que idealizara para o final de “The Crowd”.

- O filme teve duas nomeações para os Oscars da Academia, nas categorias de realização e melhor filme do ano.