Um Filme de BERNARDO
BERTOLUCCI
Com Marlon Brando, Maria
Schneider, Jean-Pierre Léaud, Massimo Girotti, Catherine Allégret, Maria Michi,
etc.
ITÁLIA - FRANÇA / 136 min /
COR /
16X9 (1.75:1)
16X9 (1.75:1)
Estreia nos EUA: 14/10/1972
(New York Film Festival)
(New York Film Festival)
Estreia em ITÁLIA - FRANÇA:
Roma - Paris, 15/12/1972
Estreia em PORTUGAL: Roma - Paris, 15/12/1972
Lisboa, cinema S. Jorge, 30/4/1974
Após o
genérico, onde dois retratos de Francis Bacon se justapõem ao som do saxofone
de Gato Barbieri, a câmara inicia um plongé
em direcção a uma ponte do metro de Paris e foca-se num homem de meia idade que
leva as mãos à cabeça num grito de desespero: «Fuckin'
God...!!!». O comboio passa em cima da ponte, enquanto nos
apercebemos de uma silhueta feminina ao longe, em passo acelerado, que
ultrapassa o homem, deitando-lhe um breve olhar. A jovem (Maria Schneider) e o homem (Marlon Brando),
são perfeitos desconhecidos mas em breve irão encontrar-se por coincidência num
apartamento vazio que ambos pretendem alugar. Por razões diametralmente
opostas: ele para esquecer o passado recente (o suicídio e adultério da
mulher); ela pretendendo transformar o noivado com um aspirante a realizador (Jean-Pierre
Léaud) numa relação mais duradoura, onde o casamento será
provavelmente o patamar seguinte.
É este o
início de "O
Último Tango em Paris", um dos filmes que me fez saír de
Portugal na primeira semana de Setembro de 1973, rumo a Londres, onde então se
podia ver a maior parte dos filmes que se encontravam proibidos em território nacional.
Vi-o num domingo à noite, 2 de Setembro, no Prince Charles Cinema, bem no meio
da capital inglesa, em Leicester Square. Foi uma espécie de ante-estreia, por
causa da Revolução do 25 de Abril, cujos ventos de mudança trariam o filme a
Portugal apenas 8 meses depois. A estreia ocorreu em Lisboa, a 30 de Abril de
1974, no cinema São Jorge, e no meio de enormes filas que se alongavam no
passeio da Av. da Liberdade. Em Moçambique, onde nessa altura eu me encontrava
a viver, a primeira projecção de "O Último Tango em Paris" iluminou o
écran do Teatro Manuel Rodrigues de Lourenço Marques um pouco mais tarde, nos
princípios de Setembro, mas de igual modo entre grande frenesim, agitando filas
que ultrapassavam vários quarteirões. Habituais espectadores ou não, toda a
gente queria ver aquele filme. Até houve lugar para uma divertida caricatura
que reproduzo de seguida.
Na
verdade, naqueles princípios da década de setenta, poucos filmes causaram tanto
impacto no mundo do cinema (talvez apenas "A Laranja Mecânica" se lhe
pudesse comparar) como este "Último Tango em Paris". Banido um
pouco por todo o lado, as razões para as proibições sucessivas teriam
provavelmente menos a ver com as cenas de sexo (que nunca são explícitas ou
muito menos "pornográficas", conforme muitos zeladores da moral
pública quiseram fazer crer) e mais com o carácter niilista do protagonista
principal (Brando)
nas suas atitudes anti-sociais e anti-religiosas. Curiosamente, na
tradicionalmente púdica sociedade americana, o filme foi muito bem acolhido, a
ponto da respeitada crítica Pauline Kael ter escrito: «Bertolucci and Brando have
altered the face of an art form. Who was prepared for that?»
Passados
40 anos, o que prevalece em "Último Tango Em Paris" é de facto a
arte suprema de fazer cinema. Esquecidos os estigmas anedóticos que na altura
lhe quiseram imputar (como o rabo do Brando ou a muita falada "cena da
manteiga"), aquilo que o filme nos lega é toda uma atmosfera única, íntima
e envolvente, criada pela mestria de todos os artistas que participaram no projecto: Bertolucci,
com certeza, na sua dupla função de argumentista e realizador, mas também
Vittorio Storaro, com o seu estilo visual único, Gato Barbieri na sua decisiva
contribuição musical ou os editores Franco Arcalli e Roberto Perpignani,
autores da magnífica montagem do filme. E, claro, os actores, com grande
destaque para Marlon
Brando, que depois de desempenhar, no mesmo ano, o papel de Don
Vitor Corleone no "Padrinho", nos brindava de novo com esta fabulosa
interpretação - era o melhor actor do
mundo no seu melhor ano de sempre!
Como se
começou por referir, dois quadros de Francis Bacon abrem o filme. São imagens de
carne ensanguentada, de olhos desorbitados, de músculos contorcidos, que
anunciam desde logo o tom geral, um misto de solidão e desespero existenciais.
A utilização dessas pinturas não é inocente ou arbitrária - Bertolucci
inspirou-se nelas para reproduzir no seu filme as cores e as técnicas do
artista e assim definir a relação dessacralizada entre Brando e Schneider. Os protagonistas
entregam-se a um jogo erótico onde tudo é permitido, porque só interessam os
momentos partilhados no isolamento daquele apartamento. Tudo o que fica para lá
da porta de entrada não interessa, o passado de cada um deles não interessa, o
futuro também não. «No names», é a regra de
ouro imposta por Paul.
Relutante
ao princípio, Jeanne acaba por aceitar as exigências de Paul, por sentir naquela relação anónima, sem compromissos, a excitação da descoberta de novos
prazeres. Entrega-se alegremente, sem restrições ou pudor, porque se sente protegida pelo anonimato. Coisa que não
acontece na sua relação normalizada
com o noivo, onde a chatice e a ausência de prazer são notas dominantes. Mas um ponto de
viragem irá ocorrer na nova relação: Paul liberta-se de toda a sua raiva interior junto ao
leito de morte da mulher (magnífico monólogo de Brando) e sente-se como
renascido, pronto a iniciar uma nova relação com a rapariga do apartamento. É a
esperança que volta - a mudança radical de visual e indumentária indica-o - e
corre para junto de Jeanne. O décor é
o mesmo do início do filme (a ponte da estação de metro) mas os personagens são
já muito diferentes.
Perante a
hipótese de um futuro (que até aí nunca surgira naquela relação), Jeanne
sente-se traída. O que anteriormente se tinha revelado aventura inconsequente,
passará a ser intromissão. Os sentimentos impõem-se, o mistério quebra-se, o
jogo chega ao fim. Agora Jeanne já só quer libertar-se daquele homem incómodo
para reassumir a sua verdadeira condição pequeno-burguesa. E por isso lhe foge,
indo refugiar-se na casa paterna. A insistência de Paul, que a segue até aí, só
irá agravar ainda mais a insegurança de Jeanne face à escolha que lhe é
exigida. O medo invade-a, a desorientação começa a tomar proporções alarmantes.
E o ponto crucial, de não retorno, chega quando Paul confessa que a ama e que quer
saber o nome dela. «Jeanne», responde, ao
mesmo tempo que dispara a pistola retirada momentos antes de uma gaveta.
.
.
«Our children... our children will remember», balbucia Paul enquanto se dirige para a varanda (close-up
magnífico do rosto de Brando), onde acaba por sucumbir. A câmara
regressa lentamente a Jeanne, que ensaia já uma auto-justificação para o crime:
«Je sais pas qui c'est...»
«Il m'a suivie dans la rue...»
«Il a essayé de me violer...»
«C'est
un fou...»
«Je
sais pas
comment il s'appelle...»
«Je connais pas son nom...»
«Je sais pas qui c'est...»
«Il a voulu me violer...»
«Je sais pas...»
«Je le connais pas...»
«Je sais pas qui c'est...»
«C'est
un fou...»
«Je connais pas son nom...»
CURIOSIDADES:
LOBBY CARDS:
- A ideia
central para o filme teve origem nas fantasias sexuais de Bertolucci, que um
dia sonhou encontrar na rua uma mulher muito sensual e ter tido sexo com ela,
sem saber de quem se tratava.
- De
acordo com Maria Schneider, a famosa “cena da manteiga” não estava no
argumento, tendo sido decidida durante as filmagens por Brando e por
Bertolucci, sem sequer a consultarem. Apesar de, como é óbvio, o acto de
sodomia ter sido fingido, as lágrimas dela no filme são verdadeiras, por se sentir
humilhada daquela maneira. Só pouco antes da sua morte, em 3 de Fevereiro de 2011, é que voltou a falar com Bertolucci.
- Depois da estreia do filme em Itália, o tribunal
de Bolonha intimou Bertolucci, Brando, Schneider e o produtor Alberto Grimaldi,
sob a acusação de terem feito um filme “pornográfico”. Apesar de todos terem
sido ilibados, Bertolucci perdeu os seus direitos civis (incluindo o “direito
de votar”) durante 5 anos.
- Na sua
auto-biografia, “Songs My Mother Taught Me”, Brando confessa a razão porque
recusou fazer uma cena de nu frontal: «o meu pénis ficava do tamanho de um amendoim
no set de filmagens»
- Jean-Pierre
Léaud tinha um tal respeito por Brando que tudo fez para não se encontrar nunca
com ele. Por causa disso, todas as sequências em que entra foram filmadas aos
sábados, dia da semana em que Brando recusava trabalhar.
-
Jean-Louis Trintignant e Dominique Sanda chegaram a ser equacionados para
interpretarem os personagens principais. Por outro lado, Jean-Paul Belmondo e Alain Delon
recusaram o papel de Paul
- O filme teve duas nomeações para os Óscares, nas
categorias de Realizador (Bernardo Bertolucci) e Actor Principal (Marlon Brando).
LOBBY CARDS:
1 comentário:
Muito bom! o filme é uma realizacao pessoal do diretor cuja ideia nao é tao distante do imaginario coletivo.
Uma verdadeira obra de arte, nua e crua, com variadas facetas; psicologicas, sexuais, passionais, matrimoniais, a leitura do filme é rica.
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