segunda-feira, agosto 29, 2011

AN AFFAIR TO REMEMBER (1957)

O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA
Um Filme de LEO McCAREY



Com Cary Grant, Deborah Kerr, Richard Denning, Neva Patterson, Cathleen Nesbitt, Charles Watts, etc.

EUA / 119 min / COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 2/7/1957
Estreia em PORTUGAL a 7/10/1957




Terry McKay: «Winter must be cold for those with no warm memories. We've already missed the spring! »

Se alguém me pedisse para caracterizar rapidamente “An Affair To Remember” diria que se trata da 5ª essência do romantismo, o melodrama dos melodramas e um dos grandes clássicos do cinema norte-americano. Remake de “Love Affair”, realizado dezoito anos antes pelo mesmo Leo McCarey (com Charles Boyer e Irene Dunne nos papeis principais), esta nova versão é um filme bem representativo da década de 50, quer pelos costumes, códigos morais e mentalidades que atravessam a história quer pela grande qualidade com que McCarey filmou esta obra imortal. O uso do écran largo (em Cinemascope) em enquadramentos precisos e milimétricos, as cores vivas e esplendorosas, a riqueza dos cenários e adereços, tudo se conjugou harmoniosamente para fazer de “An Affair To Remember” um dos melhores exemplos do cinema daqueles anos. Aconselha-se vivamente a recente edição em Blu-Ray que expande todos esses atributos de uma forma ainda mais magnífica - uma autêntica festa para os sentidos.


Antes de “Sleepless in Seattle”, a homenagem que Nora Ephron realizou em 1993 sobre este filme (com Tom Hanks e Meg Ryan), nunca tinha tido grande curiosidade em vê-lo. Desde então são  já várias as vezes a que ele regressei. “An Affair To Remember” conta-nos o romance ocorrido numa viagem da Europa para a América, entre o playboy Nicky Ferrante (Cary Grant) e uma cantora de night-club, Terry McKay (Deborah Kerr). Ambos comprometidos com terceiros, combinam encontrar-se de novo, e passados 6 meses, no cimo do Empire State Building, para desse modo testarem a longevidade da relação surgida durante a travessia do Atlântico. Mas na data aprazada Terry vê-se impedida de comparecer ao encontro devido a um acidente automóvel que a atira para uma cadeira de rodas.


“An Affair To Remember” está exemplarmente dividido em duas partes distintas, ambas de igual duração: 60 minutos. A primeira, que abarca toda a viagem, contém na sua essência todos os elementos típicos das screwball comedies americanas, pontuados aqui e ali por algumas pinceladas dramáticas, nomeadamente na visita à avó de Ferrante, a octogenária Janou (Cathleen Nesbitt). O acidente de Terry é o ponto de viragem para a segunda metade do filme, onde o drama ocupa a maior parte, mas em que o humor continua bem presente. Como naquela pungente cena final em que Terry diz: «se tu consegues pintar eu também consigo voltar a andar – tudo pode acontecer, não é? (If you can paint I can walk - anything can happen, don't you think?)». Voltando ainda à cena do acidente, é de realçar o modo como McCarey filma o Empire State – num lento contra-plongé iniciado ao nível da rua, conferindo ao edifício a conotação trágica de um monumento funerário. É um simples movimento de câmara mas que foi suficiente para torná-lo num dos ícones mais duradouros da cidade de Nova Iorque.

Contrariamente ao pretendido por Cary Grant, McCarey decidiu rodar a maior parte de “An Affair To Remember” em estúdio. Uma decisão acertadissima, visto assim ter conseguido introduzir um elemento-chave do filme – a irrealidade. Com efeito, a disponibilidade total dos meios técnicos permitiu ao cineasta iluminar todas as cenas de acordo com o seu particular (bom) gosto, realçando deliberadamente os seus personagens. Tal intencionalidade fez de Ferrante e McKay um casal por quem o público se apaixona quase de imediato, sentindo que no termo da viagem a realidade de todos os dias vai estar à espreita, pronta a contaminar o idílico romance.

Cary Grant estava na altura profundamente enamorado por Sophia Loren (uma paixão não correspondida que, segundo consta, durou até ao final da vida do mítico actor) e Deborak Kerr encontrava-se numa encruzilhada do seu primeiro casamento (o divórcio chegaria três anos após a rodagem do filme). De algum modo os dois actores tentaram libertar-se dos seus problemas pessoais, vivendo intensamente no écran aquela história de amor. A química entre os dois é bem notória e o grande êxito de “An Affair To Remember” a eles se deve em grande parte, sobretudo pela espontaneidade de muitos dos diálogos que foram inteiramente improvisados. Leo McCarey nunca foi cineasta de ligar muito à rigidez dos scripts e sentiu-se como peixe na água ao poder contar com a excelência das interpretações de Grant e Kerr. Foi o segundo dos três filmes que os dois actores rodaram juntos. Os outros foram “Dream Wife” (1953) e “The Grass is Greener” (1960).
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Leo McCarey foi sobretudo um cineasta de comédias. Depois de ter lançado a dupla Laurel & Hardy em 1927 e trabalhado com os Irmãos Marx em “Duck Soup” (1933), viria a realizar uma das mais brilhantes comédias do cinema americano, “The Awful Truth” (1937), com Irene Dunne e Cary Grant (a primeira das quatro colaborações entre os dois). Mas McCarey tinha ainda uma grande virtude – compreendia instintivamente o ridículo e o absurdo do comportamento das pessoas. Contudo, em vez de fazer a sua condenação, celebrava esta qualidade particular, que conduzia a comédias excepcionais, mas também, nas suas melhores obras, a um sentimento do futuro negro que nenhum riso ou irresponsabilidade podia aliviar duradouramente.


Por isso era típico de McCarey começar os seus filmes de um modo cómico, frívolo até, e lentamente dar tonalidades escuras à sua história, transformando-a num drama ou mesmo numa tragédia. Como neste “An Affair To Remember”, o filme que se distinguirá sempre (quer artisticamente quer pelo enorme sucesso junto do público), entre as vinte e poucas longa-metragens que realizou entre 1929 e 1962. Leo McCarey viria a falecer de uma doença pulmonar, um enfisema, a 5 de Julho de 1969, aos 72 anos. Mas nunca deixou de fumar regularmente as suas famosas cigarrilhas – um último gesto de desafio, que parecia exemplificar os mais persistentes elementos da sua obra.




CURIOSIDADES:

- “An Affair To Remember” foi eleito pelo American Film Institute como o 5º melhor romance de todos os tempos e nomeado para 4 Óscares nas categorias de Cinematografia, Guarda-Roupa, Música e Canção-original.

- Ingrid Bergman foi a primeira escolha para o papel de Terry McKay. A actriz, a viver na Europa nessa altura, recusou viajar para os EUA.

- O belissimo tema "An Affair To Remember (Our Love Affair)" é interpretado por duas vezes: nos créditos iniciais (Vic Damone) e numa cena do filme (Marni Nixon a dobrar Deborah Kerr, tal como já tinha feito no filme "The King And I")


3 comentários:

Billy Rider disse...

Altamente desaconselhável para as gerações do telemóvel mas essencial para todos os nostálgicos e românticos.

Renato Oliveira disse...

Já assisti vários trabalhos com o Cary Grant, mas “An Affair To Remember” eu conheço apenas de ler comentários; pareceu-me interessantíssimo, quero conferi-lo! ;)

abraços
www.cinefreud.com

José Morais disse...

Uma obra que ao longo dos anos tem dividido a crítica (que por norma desanca no filme) e o público (que também por norma tece os maiores elogios). Folgo por ler este comentário que valoriza ambos os aspectos (artístico e popularidade), até porque "An Affair To Remember" não fica nada atrás dos melhores melodramas de Douglas Sirk - cineasta a quem os críticos também começaram por atirar pedras mas que depois conseguiu uma certa unanimidade com o passar dos anos.
Provavelmente as novas gerações não terão grande interesse nesta história, até porque, como muito bem referes, este filme respira anos 50 por todos os poros. Mas ainda bem que ele nos concede o prazer e a alegria de por duas horas nos podermos sentir de novo nesses tempos gloriosos.