terça-feira, agosto 18, 2015

REPULSION (1965)

REPULSA
Um Filme de ROMAN POLANSKI


Com Catherine Deneuve, Ian Hendry, John Fraser, Yvonne Furneaux, Patrick Wymark, Renee Houston, etc.

GB / 105 m / P&B / 
16X9 (1.66:1)

Estreia em FRANÇA: Festival de Cannes, Maio de 1965
Estreia nos EUA: 2/10/1965

  
"A Haunting concept of the pain and pathos of the mentally deranged"
(New York Times Review)
"A wicked tale of madness and female paranoia"
(San Francisco Chronicle)


Embora o cinema de Polanski remeta a Buñuel e a Hitchcock (de quem ele sempre foi grande admirador) como protótipos estéticos, não é fácil encontrar na sua trajectória uma poética contínua e precisa. Mais que de uma linha permanente, talvez devesse falar-se no seu caso de películas isoladas, mesmo que, logicamente, se verifiquem sempre algumas constantes em todas elas. Depois de filmar na Polónia, sua terra natal, uma dezena de curtas-metragens e o primeiro filme de fundo, "A Faca na Água" (1962), Polanski vai para Inglaterra rodar este "Repulsion", que o tirará do anonimato aos 32 anos, lançando-o numa carreira notável que perdura até aos nossos dias. Muitos anos depois "Repulsion" será considerada a primeira parte de uma trilogia conhecida pela exploração de apartamentos como cenário privilegiado de histórias de terror psicológico. Os outros dois filmes serão "Rosemary's Baby" (1968) e "Le Locataire" (1976).


"Repulsion", que nos faz penetrar nas frustações de uma jovem reprimida, a manicura Carol Ledoux, uma belga a trabalhar num salão de beleza londrino (um dos papeis mais emblemáticos de Catherine Deneuve, então uma jovem actriz de 22 anos), alia à análise psicológica um factor onírico com elementos fantásticos (ficou para sempre nos meus piores pesadelos aquele assombroso travelling pelo corredor onde mãos ameaçadoras saem das paredes), que revelam os abismos da consciência da doce e virginal Carol. Mais que a potencialidade criminosa da psicopata em que ela se vai tornando, o que nos surpreende é, por um lado, a desproporção entre a sua aparência inofensiva e a brutalidade irracional dos seus crimes e, por outro lado, o que qualquer alteração psíquica encerra de inexplicável e inapreensível, de desafio e de repto lançado à razão e à sociedade que se diz normal. Roman Polanski faz-nos participar aqui de uma viagem rumo à loucura, onde pontificam os terrores sexuais pelos quais a mente e o inocente corpo de Carol se vão deixando envolver, como oposição e repúdio ao sexo masculino. Nesse sentido, a câmara de filmar transforma-se num intruso fálico, que sobre ela se debruça contínua e obsessivamente, captando-lhe os tiques ou os olhares mais nervosos.




Perante um filme como "Repulsion" não deixa de ser razoável levantar uma questão: até que ponto esta obra de Roman Polanski é um puro divertimento ou é a visão lúcida de uma sociedade demente na qual não há lugar para a esperança? Se analisarmos a estrutura realista de "Repulsion", verificamos que ela é admiravelmente exemplificada com a descrição do instituto de beleza e do bar, sem esquecer a veracidade dos exteriores filmados em South Kensington. Mas que dizer do astucioso jogo de alucinações em que se encontra envolvida a personagem esquizofrénica magistralmente interpretada por Catherine Deneuve? Polanski afirmou que dirigiu este filme por prazer, com a intenção de dar um soco no estômago do espectador (e também para angariar o dinheiro necessário à rodagem de "Cul-de-Sac", o projecto que na altura queria realmente filmar). Pela minha parte, penso que se trata de um exercício de estilo perfeito, realizado com o máximo de autenticidade. Qualquer coisa que nos faz lembrar os filmes experimentais produzidos na Escola de Lodz.


De resto, o próprio realizador considerou o filme como uma obra honesta ao declarar que situara a heroína em situações pouco vulgares mas pretendendo representar o universo onde ela evolui com o máximo de realismo e verosimilhança. Não há dúvida que Polanski conhece bem o seu ofício, que domina cada cena com mão de mestre. Filmou o tema como o sentiu e mostra até onde se pode ir na expressão realista numa zona limite do sobrenatural. De qualquer maneira, não se pode deixar de apontar uma certa ambiguidade na encenação de "Repulsion". Esta ambiguidade está latente numa determinada óptica surrealista de que os cineastas polacos interessados no cinema experimental nunca conseguem eliminar totalmente - o que se pode ver na obra de Jan Lenica ou Walerian Borowczyk. Sabe-se que a condição de cineasta em qualquer país ocidental - e não acontecerá o mesmo nos países socialistas? - depende, em larga medida, de variadas circunstâncias que, frequentemente, impedem a concretização de projectos acalentados pelos autores, sendo difícil conciliar o gosto do realizador com as imposições dos produtores.



«Para exprimir o universo de Carol», explicou Polanski, «recorri a todas as espécies de lugares comuns que explorei até ao fim. Pegar num tema muito cinematográfico (eu amo apaixonadamente o cinema e, especialmente, o seu aspecto mitológico mas pegar também num assunto ingrato e dele tirar qualquer coisa, conseguir, enfim, uma "proeza ", tal foi o meu objectivo.» E assim se justifica um filme muito difícil de realizar. Repare-se no facto de que muitos planos do apartamento de "Repulsion" são filmados em contra-plongée, mostrando os tectos (à maneira de Welles em "Citizen Kane"), mas de tal modo que aos poucos as dimensões reais vão sendo alteradas, expandindo os corredores ou movimentando as paredes, como que criando uma nova personagem, saída do espírito conturbado de Carol. Por outro lado, Polanski preocupa-se sempre com os objectos, a que presta uma atenção muito particular, quase obsessiva: o progressivo apodrecimento do coelho, as batatas que desenvolvem raízes ou as rachas nas paredes, por exemplo. Esta é no fundo uma das caracteristicas do cinema de Polanski, um autor que sabe criar, como poucos, uma atmosfera realista a partir de elementos surrealistas. "Repulsion" é uma assombrosa e perturbante incursão na esquizofrenia, que ficará para sempre como uma das obras mais inquietantes do famoso cineasta.


O fotógrafo inglês Gilbert Taylor, falecido em Agosto de 2013 com 99 anos, foi um mestre da arte de fotografar no cinema. Nascido em 1914, começou muito cedo a trabalhar, com apenas 15 anos. Em "Dr. Strangelove" (1963), de Stanley Kubrick e "A Hard Day's Night" (1964, o primeiro filme dos Beatles), de Richard Lester, Taylor explorou o potencial do preto e branco com tal força e imaginação que o tornou num dos mais solicitados directores de fotografia. Fascinado pelo seu lado experimentalista, Polanski contratou-o logo de seguida para "Repulsion", onde o forçou, apesar da sua relutância, a usar lentes panorâmicas para filmar os close-ups de Catherine Deneuve. Apesar disso a colaboração entre Taylor e Polanski iria prolongar-se por mais dois filmes: "Cul-de-Sac" (1966) e "Macbeth" (1971), no qual Taylor demonstrou que também conseguia captar atmosferas mórbidas usando a cor. Em 1972 foi Alfred Hitchcock que veio solicitar os seus serviços para filmar "Frenzy". Mas, como atrás já se disse, foi a partir das imagens claustrofóbicas de "Repulsion" que Taylor se tornou um especialista em thrillers e filmes de terror. A sua filmografia, que abarca cerca de 70 títulos, inclui filmes como "The Omen" (1976), de Richard Donner, "Star Wars" (1977), de George Lucas ou "Dracula" (1979), de John Badham.

CURIOSIDADES:

- "Repulsion" foi o primeiro filme onde aparece um orgasmo feminino (apesar de apenas ouvido) que conseguiu passar na censura britânica.
- A revista Premiere votou este filme com um dos "25 filmes mais perigosos".
- Roman Polanski viria a ser distinguido com o Prémio Especial do Júri (Urso de Prata) no Festival de Berlim e obteria o 2º lugar (de parceria com David Lean por "Doctor Zhivago") nos Prémios do Círculo de Críticos de Nova Iorque (o vencedor seria John Schlesinger pelo filme "Darling"). Na categoria de interpretação feminina Catherine Deneuve obteria o 3º lugar, atrás da vencedora Julie Christie ("Darling") e Julie Andrews ("The Sound of Music"). Gilbert Taylor seria nomeado para o BAFTA inglês da melhor cinematografia a preto e branco (o vencedor seria Oswald Morris pelo filme "The Hill").






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