quarta-feira, fevereiro 24, 2016

ZABRISKIE POINT (1970)

DESERTO DE ALMAS
Um filme de MICHELANGELO ANTONIONI

Com Mark Frechette, Daria Halprin, Rod Taylor

EUA / 110 min / COR / 
16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 9/2/1970
Estreia em Moçambique a 12/7/1974
(LM, cinema Nacional)
Estreia em Portugal a 28/4/1978
(Lisboa, cinema Satélite)


Daria: «The radio said somebody stole a plane in L.A. this morning. 
Did you really steal that thing? How come?»
Mark: «I needed to get off the ground»

«Se somos instintivamente levados a fazer causa comum com as rebeliões dos jovens americanos, talvez seja porque nos sentimos atraídos pela sua vitalidade animal natural. Quando em Chicago os adolescentes com mantas sobre os ombros e flores no cabelo são vistos a ser agredidos por homens adultos usando capacetes, ficamos muito perto de formar, sem reservas, uma total aliança com eles» (Michelangelo Antonioni)

Em 1969, Michelangelo Antonioni vai aos Estados Unidos rodar o seu primeiro filme americano. É a época das revoltas estudantis. As manifestações e os ajuntamentos contestatários iniciados em Paris, em Maio de 68, espalharam-se como um rasto de pólvora por toda a Europa e chegaram igualmente à América. No seguimento da escolha de Hubert Humphrey para a candidatura à Presidência, a cidade de Chicago é palco de violentos confrontos entre jovens manifestantes e a Polícia. Antonioni é testemunha ocular destes acontecimentos. A década de 60 está a chegar ao seu termo, após atentados variados (dos Kennedys e Luther King), lutas raciais, revoltas universitárias, a marginalização dos hippies e a guerra do Vietname.

"Zabriskie Point" reflecte essa experiência de Antonioni, e é a sua resposta a uma sociedade marcada pela violência. Um testemunho que coloca no banco dos réus os defensores do regime capitalista. Das paisagens neuróticas do homem moderno cuja descrição povoavam os seus filmes anteriores, Antonioni evolui para um estado radical e revolucionário. Em "Zabriskie Point", ele identifica-se com a juventude americana que quer combater "a América do capital" e coloca-se inequivocamente ao seu lado. É essa juventude e esse combate que as figuras de Mark Frechette e Daria Halprin representam e é através deles que Antonioni nos faz chegar a sua revolta. Uma revolta que no entanto está condenada ao fracasso, pois a violência do sistema impõe sempre a lei do mais forte. Mark acaba baleado pela incompreensão das forças policiais por ter ido devolver a avioneta roubada, devidamente embelezada; e a Daria mais não resta do que a utopia de imaginar a explosão purificadora de uma catarse (o célebre e apocalíptico final ao som da música dos Pink Floyd, onde mobiliário, livros, geladeiras, roupas, vão sendo estilhaçados em mil pedaços).

Apesar dos seus elementos antiamericanos, “Zabriskie Point” é no entanto um filme muito americano. O percurso seguido por Mark e Daria, a sua passagem pelo deserto de Death Valley (outra sequência memorável, desta vez ao som da música dos Grateful Dead) evoca "Easy Rider", de Dennis Hopper (filme muito do agrado de Antonioni), ou algumas dessas viagens de regresso às origens que os westerns tão bem nos souberam proporcionar, ou ainda os textos de Jack Kerouac ou de Sam Shepard (curiosamente, este último é um dos argumentistas do filme). “Zabriskie Point” permanece ainda hoje como uma visão contestatária e muito pop art da América, feita por um realizador que esteve sempre à frente do seu tempo.

CURIOSIDADES:

- O final original do filme era um plano de um avião a desenhar no céu a frase "Fuck You, America". O presidente da MGM, Louis F. Polk não o permitiu

- Durante a pré-produção do filme Antonioni chegou a encontrar-se com Jim Morrison (dos Doors), afim de obter uma contribuição musical. Os músicos apresentaram-lhe o tema "L'America" que no entanto foi rejeitado pelo realizador. Apareceria mais tarde incluido no album LA Woman (1971) da banda

- Harrison Ford chegou a participar no filme mas a cena em que entrava foi cortada. No entanto ainda se pode ver encostado a uma parede na sequência filmada na prisão

- Cerca de cem pessoas (escolhidas entre hippies e actores de uma companhia de teatro)  participaram na chamada "cena da orgia" no deserto de Death Valley. Por causa do filme o local permanece ainda hoje como um ponto de paragem obrigatória para o turismo.

- "Zabriskie Point" foi totalmente interdito em Portugal. No parecer da censura, datado de 10 de Abril de 1970, podia ler-se: "Reprovamos o filme: a revolta da juventude nas primeiras partes e a destruição da civilização na última, são os motivos determinantes. Já não se fala nas cenas pornográficas da 8ª parte, facilmente elimináveis."




- Daria Halprin tinha sido descoberta por Antonioni numa sequência de bailado de um documentário underground chamado Revolution. Depois de ter tido uma relação amorosa com Frechette, e de mais tarde se ter casado (1972) e divorciado (1976) de Dennis Hopper, de quem teve uma filha, afastou-se do mundo do cinema. Em 1978 fundou o "Tamalpa Institute", ainda hoje existente.

- Mark Frechette doou o seu vencimento do filme (60.000 dollars) a uma comunidade de Boston dedicada à astrologia. Chegou a participar em mais dois filmes banais italianos, e depois foi preso quando tentava assaltar um banco. Foi condenado a 15 anos e morreu aos 27 anos na prisão, na sequência de um acidente em que a garganta foi esmagada por um haltere.



Para os interessados disponibiliza-se aqui a banda-sonora original:

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá "Rato"

Vi este filme por engano :) Era suposto ir ver o Vanishing Point do Richard C. Sarafian que foi um dos filmes de culto da minha geração (juntamente com o Easy Rider) e como os títulos eram muito próximos fui ao engano e... gostei, gostei até bastante. Dele recordo principalmente a cena da explosão da casa do Rod Taylor :), uma autêntica jóia arquitetónica fragmentada em mil pedaços voando em camara lenta, lindíssima!!!. Há uns anos comprei a edição DVD, revi-o tranquilamente com a a maturidade dos meus 58 anos e gostei ainda mais. Fica uma confissão ao abrigo do anonimato: A Daria Halprin fez parte do meu imaginário erótico este tempo todo ;)

Anónimo Veneziano :)

JSP disse...

vi-o há pouco tempo. o aviãozito, depois de personalizado, imediatamente antes do voo de regresso, focado de frente, a abanar, parece um animal pateta com a língua de fora.. para mim, um dos pontos altos do filme!