terça-feira, novembro 30, 2021

THE APARTMENT (1960)

O APARTAMENTO

Um filme de BILLY WILDER


Com Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Fred MacMurray, Ray Walston, Jack Kruschen, David Lewis, etc.

US /125m / PB /16X9 (2.39:1)

Estreia nos EUA: 15/6/1960

Estreia em PORTUGAL: 9/11/1961 (Lisboa, cinema São Jorge)



Fran Kubelik: «Some people take, some people get took. And they know they're getting took and there's nothing they can do about it.»

Foi depois de ver o filme "Brief Encounter" (1945), de David Lean, que Billy Wilder interiorizou a personagem de alguém que alugava o quarto aos dois amantes do filme e que em seguida tinha de voltar para a cama ainda quente. A ideia de realizar um filme a partir dessa premissa teve de se manter durante 15 longos anos até ao abrandamento da censura norte-americana lhe permitir realizar a obra projectada no seu pensamento. Sérgio Vaz escreveu no seu blogue de cinema que «"O Apartamento" é um dos melhores filmes que já foram feitos. Nada menos do que isso. Pertence àquela categoria excepcional dos pouquíssimos filmes perfeitos, em que nada sobra, nada falta. Tudo o que se vê na tela é obra de gênio. É, muito provavelmente, a comédia dramática mais dramática, mais triste, mais amarga que já foi feita.»


Concordo, uma vez mais, com a opinião deste meu amigo paulista: "O Apartamento" é na verdade um filme perfeito. Tudo o que lá se encontra, desde os diálogos mais simples até aos movimentos de câmara mais elaborados, não é por acaso. Tudo tem um objectivo, mesmo que nas primeiras visões não se note. Mas veja-se o filme repetidamente (como eu não me canso de fazer) e decerto que não se arrependerão pelo facto de a cada visão poderem descobrir novos sentidos e novas nuances, o que só prova a genialidade de Billy Wilder
Repare-se, logo no início do filme, aqueles dois travelings (um de baixo para cima, a mostrar o edifício da empresa e outro em profundidade, a mostrar o enorme espaço do escritório comum). Em dois simples movimentos de câmara Wilder mostra-nos o principal tema do filme: o desejo da subida hierárquica dos muitos milhares de funcionários daquela empresa. Wilder vai focar-se apenas num em particular, mas a situação descrita poder-se-ia aplicar a muitos outros.



Do ponto de vista da moral, em "O Apartamento" não existem inocentes. Todos, sem excepção, querem aumentar a sua auto-estima e o conveniente status-social. É um mundo de "vampiros", onde cada um vai buscar o seu prazer e segue o seu desejo com egoísmo. Até C.C. Baxter (Jack Lemmon, no pico da sua carreira aos 35 anos) e Fran Kubelik (Shirley Maclaine, também no seu melhor e com apenas 26 anos) são pessoas calculistas e ambiciosas. O primeiro, cujo salário na empresa Consolidated Life de Nova York é de apenas 70 dólares, reside num apartamento de solteiro de duas assoalhadas, cuja renda mensal é de 85 dólares. É obrigado por isso a "rentabilizar" o local, emprestando (leia-se "alugando") a chave do mesmo várias vezes por semana a alguns dos seus superiores, para que estes lá possam ir com as colegas habituais para darem a "facadinha" da praxe. Com isso, ganha em duas frentes: o de conseguir um dinheiro extra mensal e a possibilidade de progredir rapidamente na carreira. Já Miss Kubelik, ascensorista tida como de "acesso" difícil, é a amante actual do patrão da empresa e vê, nessa ligação e na possibilidade de um futuro casamento (dependente do divórcio com a esposa legítima poder acontecer), a sua grande chance de trepar pela hierarquia social. Uma vantagem que se junta à sua aparente afeição por Jeff Sheldrake.



O cinema de Billy Wilder foi quase sempre conotado com a morbidez e a subversão. E esses dois substantivos, mesmo sem o parecer numa primeira e rápida visão, atingem um dos seus pontos mais altos aqui, em "O Apartamento". Numa crítica ao filme publicada no nº 113 dos Cahiers du Cinéma por Jean Douchet, em Novembro de 1960, pode ler-se: «Para Wilder, os homens arrastam-se na imundície. A sua condição, que resulta da sua indolência, é quase desesperada. A salvação só pode vir de uma tomada de consciência desse estado. A nostalgia da pureza nasce de um desgosto profundo. As personagens de Wilder, definitivamente, são românticas, idealistas, mergulhadas na torpeza, ela própria consequência da decadência de uma civilização, do apodrecimento de uma sociedade.»



Até a cena final, que grande parte do público toma por um "happy-ending", é ambígua e pessimista. Baxter e Miss Kubelik estão juntos, é verdade. Mas com o que é que se entretêm? Beijos e carícias? Uma relação mais íntima no quarto ao lado? Não, limitam-se a jogar às cartas! E o último diálogo que se ouve no filme é este: 

C.C. Baxter: «You hear what I said, Miss Kubelik?
 I absolutely adore you.»
Fran Kubelik: «Shut up and deal...»

Ou seja, nada nos garante que a vida que os espera seja um caminho de rosas. Para já, não passam de um homem e de uma mulher, que nem sequer atingiram o estatuto de amantes, e que estão ambos desempregados. Perderam as suas ilusões ao recusarem compromissos e colocaram-se à margem da sociedade, pois quem não se submete ao jogo do poder perde toda a esperança de alcançar a tão desejada aceitação social.



No livro biográfico de Hellmuth Karasek sobre Billy Wilder, o realizador recorda a palestra que deu em 1961 em Berlim Oriental, perante uma plateia de artistas e intelectuais comunistas, que aplaudiram o filme de pé: «Fui elogiado como crítico social», conta Wilder, «como alguém que tivesse desmascarado o mundo capitalista da mercadoria e dos empregados, onde cada um tinha que se vender. Levantei-me e falei. Disse que aquilo que era mostrado (no filme) poderia de facto acontecer em toda parte, tanto em Tóquio quanto em Londres, em Paris como em Munique. Só não poderia acontecer numa cidade do mundo, Moscovo. Aplausos lisonjeiros dos convidados na sala. Não poderia acontecer em Moscovo, continuei, porque lá Lemmon não poderia de forma alguma emprestar seu apartamento. Porque três outras famílias ainda morariam com ele ali. Silêncio e perplexidade na plateia.»


"O Apartamento" foi nomeado para 10 Óscares de Hollywood: Filme, Realização, Argumento-Original, Direcção Artística (P/B), Montagem, Actor Principal, Actriz Principal, Actor Secundário, Cinematografia (PB) e Som. Saíria vencedor apenas nas cinco primeiras. Wilder, Lemmon e MacLaine ganhariam ainda os BAFTA ingleses. Seria, por muito tempo, o último filme rodado a preto e branco a vencer a categoria de melhor filme do ano. Teriam de passar 33 anos para que outro filme a preto e branco conseguisse a almejada estatueta: "A Lista de Schindler" (1993), dirigida por Steven Spielberg, o qual, antes de decidir ele próprio ocupar-se da realização, ter pensado propor a Billy Wilder tal incumbência.



2 comentários:

JF disse...

Foi com imenso gosto que li este seu artigo, e aproveito para felicitá-lo não só pela qualidade do texto, mas também pelas escolha das fotografias que o ilustram.

Já assisti a vário filmes de Billy Wilder - que recomendo vivamente -, mas agora e aproveitando a boleia deste seu artigo, irei ver «O Apartamento».

P.S.: Outro grande filme deste realizador: «Irma la Douce».

Valdemir Fernandes disse...

Um verdadeiro clássico do mestre Wilder.
O trio, Lemmon, McLaine e McMurray estão fantásticos.
Um filme sempre a ver.