quarta-feira, agosto 05, 2015

MIDNIGHT COWBOY (1969)

O COWBOY DA MEIA-NOITE
Um filme de JOHN SCHLESINGER


Com Dustin Hoffman, Jon Voight, Sylvia Miles, John McGiver, Brenda Vaccaro, Bernard Hughes, Ruth White, Bob Balaban, etc.

EUA / 113 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia nos EUA a 25/5/1969 

(New York)
Estreia em MOÇAMBIQUE a 7/8/1970
(LM, Teatro Manuel Rodrigues)


Joe Buck: «I'm brand, spankin' new in this here town and
I was hopin' to get a look at the Statue of Liberty»
Cass: «It's up in Central Park, taking a leak.
If you hurry, you can catch the supper show»

Tinha 17 anos quando vi pela primeira vez este “Midnight Cowboy” na sua estreia em Moçambique. Lembro-me ainda do enorme fascínio que o filme exerceu sobre mim naquela altura e uma das consequências do seu visionamento foi a de ter mudado radicalmente a minha percepção do mundo da marginalidade. Por causa de John Schelesinger, o cineasta britânico (1926-2003) responsável pela exemplar realização do filme, aquela pequena história entre dois desajustados do sub-mundo citadino conseguiu adquirir os contornos quixotescos de uma relação capaz de seduzir o mais cínico dos espectadores. Quando o filme termina, naquela pungente cena do autocarro, Joe Buck e Rico Ratso ultrapassaram já as meras personagens do filme. Desfeitos os sonhos, passaram, através dos nossos olhos, a ser o D. Quixote e o Sancho Pança das ruas de Nova Iorque.

Tudo começa de um modo deliberadamente equívoco: logo no início do filme o écran está branco, e ouvem-se os tiros de um qualquer filme de cowboys. Depois a câmara recua  e apercebe-mo-nos que estamos num drive-in. O travelling recua cada vez mais, até que todo aquele grande espaço vazio esteja em campo. Umas crianças brincam, é meio-dia e, em plano recuado, estende-se um horizonte que nos sugere estarmos no Texas. Depois aparece Joe Buck (Jon Voight), o cowboy que está farto de lavar pratos num snack-bar e quer ir para Nova Iorque viver à custa do corpinho que Deus lhe deu. «Where is Joe Buck?» é a pergunta repetida do dia, visto haver pilhas de louça à espera de serem lavadas. Mas o cowboy está mesmo decidido a ir à procura do El Dorado nova-iorquino. Recebe o dinheiro que lhe é devido, despede-se do companheiro de cozinha e põe-se ao caminho: «I'm goin' where the sun keeps shinin' through the pourin' rain» ouve-se na belissima canção cantada por Nilsson, uma das grandes referências deste filme único.

A viagem será longa, e as estações de serviço, as barracas poeirentas e os anúncios da Coca-Cola vão-se sucedendo a um ritmo natural, tal como os vizinhos fortuitos que vão acompanhando Joe no autocarro. Finalmente a Big Apple, anunciada no inseparável rádio portátil, e a excitação da chegada do nosso cowboy à grande cidade das grandes oportunidades. Mas depressa a dura realidade irá impor as suas regras cruéis, envolvendo o ingénuo Joe Buck  nas teias da selva de betão. Completamente à deriva e de desilusão em desilusão, entre prostitutas, gays ou fanáticos religiosos, será contudo num dos muitos marginais da cidade que Joe Buck irá encontrar algum apoio – o tuberculoso Enrico ‘Ratso’ Rizzo (Dustin Hoffman num dos seus lendários papeis no cinema), desenvolvendo com ele uma picaresca relação de cavaleiro-escudeiro, que nos traz à memória a obra de Cervantes.

Será essa relação, descrita para além do panfletário ou do moralismo fácil, que irá cativar o espectador. Schelesinger consegue estabelecer uma forte ligação com os grandes heróis do cinema a partir duma história envolvendo cidadãos de todos os dias mas também com os desejos comuns de uma vida melhor. Fá-lo inovando a linguagem cinematográfica (que naquela época não era nada pródiga em flashbacks frequentes ou inserts a preto e branco) e de um modo tão exímio que “Midnight Cowboy” passou a ser considerado, com toda a justiça, um dos grandes percursores do American Art Film, tendo influenciado, na década de 70, realizadores até então pouco conhecidos mas que se tornariam rapidamente referências básicas do cinema americano. Falo de um Scorsese, de um Bogdanovich ou de um Coppola, por exemplo.

Foi o primeiro filme americano de John Schlesinger. Sem jamais fazer qualquer concessão e aproveitando-se do facto de poder contar com um grande estúdio (a United Artists) para a distribuição e promoção do filme, o prestigiado realizador inglês conseguiu assim beneficiar de uma total liberdade artística na criação daquela que se viria a tornar a sua obra mais célebre. Graças a uma impecável direcção de casting, Schlesinger conseguiu não só convencer a nata do underground nova-iorquino a participar no seu projecto (Andy Warhol colaborou activamente na famosa sequência da festa psicadélica), como também foi suficientemente persuasivo para poder contar com um duo de actores magníficos. Esta feliz conjugação de talentos deu origem a uma obra poderosa, que descrevia o lado subterrâneo da América e que por isso estava a milhas dos clichés do cinema tradicional de Hollywood.

As actuações de Voight e Hoffman são fabulosas e inesquecíveis, em dois registos completamente diferentes mas que se completam às mil maravilhas. Foram essenciais para o grande êxito do filme e contribuíram para que “Midnight Cowboy” se tornasse num dos filmes mais citados, imitados e mesmo parodiados, não só da história do cinema, como de toda a cultura pop em geral. Mas para além da excelência dessas interpretações ou da mestria da realização, outro factor houve que tornou este filme imortal – o fundo musical, composto por John Barry e a que Fred Neil, por intermédio da voz de Harry Nilsson, adicionou uma das canções mais emblemáticas de todos os tempos:

“Everybody’s Talkin’”:

Everybody's talkin' at me
I don't hear a word their sayin'
Only the echos of my mind
People stop and stare
I can't see their faces
Only the shadows of their eyes

I'm goin' where the sun keeps shinin'
Through the pourin' rain
Goin where the weather suits my clothes
Bankin off of the northeast winds
Sailin' on summer breeze
And skippin over the ocean like a stone

Everybody's talkin' at me
Can't hear a word their sayin'
Only the echos of my mind
I won't let you leave my love behind
No I won't let you leave
I won't let you leave my love behind

Devido à cena de sexo oral, envolvendo Bob Balaban e John Voight no interior de um cinema, “Midnight Cowboy” seria classificado com o temível “X” (maiores de 17 anos) por parte da conservadora comissão etária norte-americana o que, como se sabe, limita drasticamente a possibilidade de um filme ser devidamente publicitado (os anúncios televisivos, por exemplo, ficam desde logo proibidos). Mas por uma vez e para grande surpresa geral, a Academia de Hollywood atribuíu a “Midnight Cowboy” nada menos de 3 Óscares (de um total de 7 nomeações) e logo nas categorias principais: melhor argumento adaptado, melhor realização e, imagine-se, melhor filme do ano! Foi algo inédito na indústria americana, uma corajosa quebra de tabus sem precedentes. Posteriormente aos prémios recebidos, e muito cinicamente, a comissão resolveu alterar a classificação etária para “R” (autorizado a menores de 17 anos, desde que devidamente acompanhados por um responsável familiar), não sem antes tentar que a cena problemática fosse cortada. Mas não tiveram qualquer sucesso.

CURIOSIDADES:

- Um dos executivos da United Artists chegou a enviar uma nota a Schlesinger onde dizia que caso se eliminassem algumas cenas e acrescentassem várias canções, o filme seria um veículo ideal para Elvis Presley. Na verdade Elvis, que durante toda a década de 60 ansiara por conseguir ser um actor credível, tinha-se interessado pelo papel de Joe Buck. Felizmente que Schelesinger sabia bem o que desejava para o seu filme e Elvis não teve outro remédio senão desandar para outras paragens. Nesse mesmo ano de 1969 viria a contracenar com Mary Tyler Moore naquela que seria a sua última participação no cinema: “Change of Habit”.

- Para além da canção escolhida de Fred Neil, “Everybody’s Talkin’”, outras canções chegaram a ser equacionadas: “Cowboy”, de Randy Newman, “Lay Lady Lay”, de Bob Dylan e mesmo uma da autoria de Harry Nilsson, “I Guess the Lord Must Be in New York City”, escrita propositadamente para o filme.



- Também Warren Beatty queria desempenhar o papel de Joe Buck, mas Schelesinger achou que o actor era demasiado famoso para poder ser levado a sério no desempenho de um ingénuo gigolo citadino.

- Dustin Hoffman usou pedras nos sapatos para que o coxear da sua personagem fosse convincente em todas as cenas.

- A participação da actriz Sylvia Miles, no papel da prostituta Cass, foi uma das mais curtas a dar origem a uma nomeação para o Óscar de Actriz Secundária – apenas 6 minutos em cena.



- “Midnight Cowboy” obteve 3 óscares da Academia: melhor argumento-adaptado, melhor realização e melhor filme do ano. Teria ainda mais 4 nomeações: Montagem, Actriz Secundárai (Sylvia Miles) e Actores Principais (Jon Voight e Dustin Hoffman). Relativamente ao lado interpretativo foi mais uma das grandes injustiças da Academia. Para além dos actores de “Midnight Cowboy” tinham também sido nomeados mais dois grandes actores: Peter O’Toole (por “Goodbye, Mr. Chips”) e Richard Burton (por “Anne of the Thousand Days”). Contudo, o prémio iria parar às mãos de John Wayne, o mais fraco de todos os candidatos ao Óscar daquele ano (pelo filme “True Grit”).

- Em Inglaterra o filme seria distinguido com um total de 6 BAFTAS: Argumento, Montagem, Realização, Actor (Dustin Hoffman), Revelação mais promissora (Jon Voight) e melhor filme do ano.



A BANDA-SONORA:

1 comentário:

IgnacioEsteban disse...

Thank you so much, best wishes.
Esteban