Nascido a 22 de Janeiro de 1875, em Grestwood, EUA Falecido a 23 de Julho de 1948, em Los Angeles, EUA |
«Actors should never be important.
Only directors should have power and place»
Foi Griffith que deu ao cinema o seu valor e a sua grandeza, que desenvolveu a linguagem e a narrativa cinematográfica. Pode dizer-se que antes dele o cinema não existia. Pelo menos com as características básicas com que hoje o conhecemos. A sua influência artística nos primados do filme mudo foi decisiva para o cinema mundial e para o norte-americano em particular. E os seus seguidores mais directos não se esqueceram nunca de lhe prestar o mais que devido reconhecimento: «Era indubitavelmente um génio do cinema mudo. Ele foi o professor de todos nós» (Chaplin); «Foi o primeiro a incluir beleza e poesia numa espécie de diversão barata e vulgar. E foi ele quem inventou o close-up, para dar ao homem pobre a íntima visão de um ponto interessante do filme» (Stroheim); «Ele é Deu Pai. Criou tudo. Não há um só cineasta no mundo que não lhe deva alguma coisa» (Eisenstein); «Nenhuma cidade, nenhuma indústria, nenhuma profissão nem nenhuma forma de arte devem tanto a uma só pessoa» (Welles); «Graças a Griffith os realizadores dispõem de um conjunto de ferramentas básicas para criar e intensificar a ilusão da realidade» (Scorsese).
Griffith, mais do que um inovador técnico importante, conseguiu elevar o cinema à grandeza das suas ideias. Utilizou-o para exprimir a poesia que não conseguira criar por palavras. Foi um poeta do écran, embora, devido às circunstâncias, não o tivesse compreendido logo e tivesse de ser um poeta e um dramaturgo segundo os tipos convencionais das grandes figuras literárias do século XIX. Depois de realizar centenas de filmes de curta-metragem, a sua devoção ao cinema subiu a tal ponto que, com a força fenomenal de um artista poderoso, quebrou os laços que herdara em 1908 e apareceu, como um Sansão, para revelar a estatura épica que o cinema podia atingir.
Os cinéfilos são muitas vezes acusados de exagerarem a importância dos cineastas excepcionais. Para muitas pessoas - a esmagadora maioria - nenhum realizador é importante no sentido em que, por exemplo, Picasso ou Matisse o são. O erro está, provavelmente, no mau emprego da palavra, que pode tantas vezes parecer absurda e pretensiosa e incapaz de descrever a obra de pessoas ligadas com a arte e o divertimento. Acredito que os artistas são grandes quando se não evidenciam no seu período criador - o que restringe a sua liberdade e os torna conscientes da sua posição em face do público. Alguns realizadores e estrelas do cinema são perseguidos pela sua reputação pública. Então, ou se tornam pseudomessiânicos ou têm de ser fotografados por baterias de câmaras, a fazer simples tarefas domésticas, para mostrar que ainda são humanos.
Contudo, Griffith foi importante em todos os sentidos da palavra e, pelo menos aos olhos do público, foi ele o primeiro realizador. Foram-lhe concedidos raros privilégios e facilidades e, na sua visita à Inglaterra durante a primeira Grande Guerra, foi festejado não apenas como uma celebridade mas tratado como um embaixador. Nascido em 1875, é inegável que conservou algumas das piores tradições literárias do século XIX em muito do seu trabalho. As suas histórias eram melodramáticas, os seus sentimentos muitas vezes triviais, e a sua concepção das personagens baseada em tipos simplificados de vilão, herói e heroína. Nada exigia das suas actrizes principais senão que parecessem recatadas, ardentes, lacrimosas ou patéticas ou, se tinham de exprimir alegria, que saltassem como animaizinhos em liberdade.
A sua grandeza assenta noutras bases. O alcance dos seus temas está nos seus melhores filmes, grandiosos ("Birth of a Nation", "Intolerance", "Hearts of the World") ou inegavelmente humanos ("Broken Blossoms", "Way Down East", "Orphans of the Storm"). Era sua intenção arrebatar as emoções do público no mesmo sentido dinâmico em que estas eram suscitadas. Era, por natureza, dotado daquela percepção excepcional do negociante que nunca se esquece dos seus clientes. Queria que o seu trabalho fosse irresistível e conseguiu-o. Falhou na segunda década do século XX porque a sua perspectiva pertencia ao período que a primeira Grande Guerra veio destruir. Não havia lugar para o seu sentimentalismo na desilusão consciente do pós-guerra, com a sua psicologia típica, a sua "liberdade de pensamento" e o seu abandono sexual entre as classes cultas e as pessoas que dominavam o mundo das diversões.
Mas antes disto acontecer, Griffith tinha-se apropriado do escasso desenvolvimento técnico do cinema (estudado a fundo desde que se tornara realizador em 1908) e tinha-o levado a igualar a grandeza pictórica da sua melhor obra. Ninguém conseguiu ultrapassar o esplendor das suas sequências babilónicas em "Intolerance", embora Serguei Eisenstein, que retomou a realização onde ele a tinha deixado, o tivesse igualado em "O Couraçado Potemkin" e, mais tarde, em "Alexandre Nevsky" ou em "Ivan, o Terrível". Ao longo da sua impressionante carreira - 24 anos e cerca de 550 filmes, incluindo curtas e longas metragens - Griffith abordou todos os géneros cinematográficos que hoje se conhecem e que tiveram uma importância decisiva nas décadas seguintes: o drama e o melodrama, a aventura, a comédia e o burlesco, o filme histórico, o policial, o western, o filme de guerra, o fantástico ou a ficção científica.
"INTOLERANCE" [1916] |
Mas para além de todas estas incursões pelos mais variados caminhos do cinema, para além das muitas invenções (ou melhoramentos fundamentais) que lhe são atribuídos - o flasback, a "tintagem" da fotografia, a criatividade dos inter-títulos, a montagem paralela, a preocupação obsessiva com o acompanhamento musical (era ele próprio também compositor), o close-up, o plongée ou o contra-plongée, a importância fundamental de Griffith na Sétima Arte é que, a partir dele, o realizador de cinema adquire o estatuto de principal responsável por uma obra, sendo a sua primeira força criativa e aquele que modela o projecto à sua imagem e semelhança. Para isso Griffith procurou nunca perder o controlo dos filmes que realizou, nem em favor do produtor, nem favorecendo uma qualquer vedeta em ascenção.
David Wark Griffith nasceu a 22 de Janeiro de 1875 em Grestwood, Oldham Country. A sua família, de origem irlandesa, instalara-se nos estados meridionais dos EUA, na Virgínia, antes de rumar aos estado de Kentucky. Eram sulistas e esclavagistas activos, dado que tem muito interesse para o estudo da obra e do carácter do cineasta: «A primeira coisa de que me lembro é da espada do meu pai. Ele empunhava-a para me distrair. A primeira vez que vi essa espada foi quando o meu pai pregou uma partida a um velho negro que tinha sido escravo dele.» Com efeito, o Sul, a sua lenda e idiossincrasia, tinha por força de influir poderosamente na sua vida. Na juventude sente vocação de escritor, mas a necessidade obriga-o a dedicar-se aos trabalhos mais díspares: ascensorista, vendedor de livros, repórter. Conhece, inquieto, os progressos da industrialização. Com a aparente vantagem do fabril sobre o agrícola, Griffith busca nas descobertas prácticas e nas invenções um meio de ganhar algum dinheiro que lhe permita dedicar-se plenamente à sua autêntica vocação literária: a poesia e o drama.
Depois de uma experiência como actor - entre 1897 e 1906 - contrai casamento em Boston com a actriz Linda Arvidson Johnson (permanecerão juntos durante 30 anos, até se divorciarem em 1936. Nesse mesmo ano casa-se pela segunda vez com Evelyn Baldwin, união que de igual modo acabará em divórcio, onze anos depois. Nunca teve filhos) e consegue no ano seguinte um trabalho de argumentista. Um dos seus primeiros escritos, para o filme "Old Isaac, the Pawnbroker", de W. MacCutcheon, incorporará já, e de modo definitivo, a sua valiosa personalidade no cinema. No decurso de quase cinco lustros deixará testemunho da sua arte criadora em cerca de 500 filmes, como realizador, e em mais de 50 como supervisor. Razão tinha Eisenstein quando alguns anos mais tarde o chamou de "Pai do Cinema".
O apogeu artístico de Griffith ocorre após "Judith of Bethulia" [1913], o primeiro filme norte-americano de 4 bobines, que custa a exorbitante (para a época) quantia de 32 mil dólares, uma verdadeira revolução industrial. Seguem-se as suas obras mais importantes: "Birth of a Nation" [1914], "Intolerence" [1916] e "Broken Blossoms" [1919]. É o cinema espectáculo que faz a sua aparição nos dois primeiros, e a mais essencial depuração de um conflito dramático no terceiro. Ao contrário de "Birth of a Nation" (que apesar de apelidado de "racista" constituiu um enorme êxito de bilheteira), "Intolerance" (feito para responder à acusação ao filme precedente) não foi um filme popular, apesar da sua sumptuosidade: custou mais de dois milhões de dólares e foi o princípio da ruína de Griffith, apesar de "Way Down East" [1920], quatro anos depois, ter reunido de novo os favores do público e da crítica. Depois de fundar a United Artists (juntamente com Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford), troca Hollywood por Nova Iorque e é essa mudança que a breve prazo o forçará a abandonar a produção independente e a entregar-se nas mãos dos grandes tubarões da indústria fílmica.
Com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e Charles Chaplin |
Pouco a pouco Griffith vai caindo no esquecimento da indústria e do grande público. Em 1933 chega a ter um programa de rádio onde, amargurado, e já dependente do alcool, recorda as suas memórias do cinema. Em 1935 recebe um Óscar honorário da Academia de Hollywood (nenhum dos seus filmes chegou sequer a ser nomeado): «For his distinguished creative acjievements as director and producer and his invaluable initiative and lasting contributions to the progress of the motion picture arts.» Em 1938 Griffith foi nomeado Sócio Honorário do Directors Guild of America (DGA), associação de realizadores de cinema que em 1953 cria um prémio especial com o nome de Griffith, destinado a homenagear todos aqueles que se notabilizaram no campo da realização.
Com as irmãs Gish (Dorothy e Lillian) |
Passados 46 anos, período em que o prémio foi atribuído a Cecil B. DeMille (o primeiro a ser homenageado), John Ford, King Vidor, William Wyler, Orson Welles, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Elia Kazan, Ingmar Bergman, David Lean, John Huston, Akira Kurosawa, Robert Altman, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Steven Spielberg e Martin Scorsese, a Associação decidiu, de um modo prepotente (sem consultar sequer os seus membros), retirar o nome de Griffith do prémio, devido – justicaram-se eles – a ter fomentado «intolerable racial stereotypes» em "Birth of a Nation". David Wark Griffith viria a falecer em Los Angeles, a 23 de Julho de 1948, vítima de uma hemorragia cerebral, e quase ignorado pelo grande público. No seu funeral estiveram presentes apenas alguns dos seus amigos mais chegados: Charles Chaplin, Mack Sennett, Cecil B. DeMille, Louis Mayer e meia-dúzia dos seus actores de sempre, entre os quais Lillian Gish, de quem um dia disse: «When Lillian left me, I've lost everything.» A sua campa encontra-se em Centerfield, Kentucky, no cemitério Mount Tabor Methodist Church.
FILMOGRAFIA:
1931 – The Struggle
1930 – Abraham Lincoln
1929 – Lady of the Pavements / A Melodia de Amor
1928 – The Battle of the Sexes / A Batalha dos Sexos
1928 – Drums of Love / Perdoar
1926 – The Sorrows of Satan / Tristezas de Satanás
1925 – That Royle Girl
1925 – Sally of the Sawdust / Sally, a Filha do Circo
1924 – Isn’t Life Wonderful / Como a Vida é Bela!
1924 – America / Amor Pátrio
1923 – The White Rose
1923 – Mammy’s Boy
1922 – One Exciting Night
1921 – Orphans of the Storm / As Duas Orfãs
1921 – Dream Street / Rua dos Sonhos
1920 – Way Down East / As Duas Tormentas
1920 – The Love Flower
1920 – The Idol Dancer
1919 – The Greatest Question / O Grande Problema
1919 – Scarlet Days
1919 – The Mother and the Law
1919 – The Fall of Babylon
1919 – True Heart Susie
1919 – Broken Blossoms / O Lírio Quebrado
1919 – The Girl Who Stayed at Home
1919 – A Romance of Happy Valley
1918 – The Greatest Thing in Life
1918 – The Great Love
1918 – Hearts of the World / Aos Corações do Mundo
1916 – Intolerance / Intolerância
1915 – The Birth of a Nation / O Nascimento de Uma Nação
1914 – The Avenging Conscience or ‘Thou Shall Not Kill’ / Consciência Vingadora
2 comentários:
Parabéns.......uma aula de um ícone do cinema.
Não fiquei sossegado com minha videoteca enquanto não inclui no acervo:
Intolerância e O Nascimento de uma nação.
Obras - primas, a meu ver.
É bem provável que, sob determinado ponto de vista, o "Birth of a Nation" contenha algumas sequências susceptíveis de serem catalogadas de "racistas". Mas daí à DGA ter retirado o nome de Griffith ao prestigiado prémio vai uma grande diferença. Ainda por cima quase meio século depois! De qualquer modo a magnificência da obra a tudo resiste, embora pessoalmente prefira "Intolerance" ou mesmo "Broken Blossoms".
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