sábado, agosto 04, 2012

JACK ARNOLD: O HOMEM DA LAGOA NEGRA

Nascido a 14/10/1916, em New Haven, EUA
Falecido a 17/3/1992, em Los Angeles, EUA
«I am convinced that a film should also have a social meaning. And if it has a social meaning, then it also has a political meaning. These two things go hand in hand. But I think they both have to be approached with great care and sensitivity» 
(Jack Arnold)

Na quase totalidade dos bons dicionários de realizadores publicados até aos fins dos anos 70, Jack Arnold não figura ou dedicam-lhe meia-dúzia de linhas depreciativas. Os Cahiers no dicionário do primeiro número especial sobre cinema americano (1955), omitem-no. No segundo (1964), incluem-no post-scriptum classificando-o de "artesão", como o precedente Irwin Allen e muitos outros cineastas de "terceira". Em 1970, Coursodon e Tavernier, muito exaustivos, dizem que «il s'était fait une petite réputation en se spécialisant dans les films de science-fiction, sans beaucoups d'efforts.» É verdade que já destacam "The Incredible Shrinking Man" [1957], mas passam por ele como cão por vinha vindimada.
No set de "The Incredible Shrinking Man", 1957
Recentemente, tudo deu uma volta. Não porque Arnold tenha feito filmes que obrigassem a uma revisão crítica ou tenha tido uma maturação tardia, revelando-se aos 60 anos. Mas, porque precisamente, os tais filmes de ficção científica que lhe tinham valido uma «petite réputation» (feitos nos anos 50) e que nesses tempos ninguém tinha tomado a sério, quando repostos, atraíram extases tardios e tornaram-se quase todos, em cult movies. E quando os Cahiers fizeram novos números especiais sobre o cinema americano (em 1982), Jack Arnold teve honras de entrevista, com uma introdução em que se fala de «injusto menosprezo» e em que era comparado a Fuller e a Boetticher. E citam Manny Farber: «a telescopagem dos media deu outro sentido aos seus filmes, em termos de 1970 ou mesmo de 1980.»
Neste Ciclo vamos ver três filmes de Arnold, desses dos anos 50, era da «inocência perdida duma infância longínqua ou, mais prosaicamente, duma mina de ouro, desprezada», para citar ainda os Cahiers de 82. Será uma boa ocasião para ver o que a «telescopagem dos media» conseguiu ou, antes, para verificarmos como fomos distraídos. Não me quero pôr em bicos de pés, mas guardo, como boas recordações da adolescência, "O Monstro da Lagoa Negra" (o filme de que Marilyn tanto gostou no "Seven Year Itch") ou "A Vingança do Monstro", vistos em idade pré-cinéfila na esplanada de Setúbal, ao ar livre (o maior cinema do país, com a devida vénia), em noites em que a lua reforçava o décor. Depois os meus mestres disseram-me que aquilo era de artesão (e para rir) e lá me convenci. Agora, começo a repensar se não terei sido mal vencido. Seja como for, Arnold está na moda, o que jamais conseguiu quando foi activo. E regressou aos seus estúdios - a Universal - onde decorreram os anos áureos - para fazer um remake da Criatura, a tal da Lagoa Negra, que volta agora (produzida por John Landis) com o aparato das superproduções. Mudam os tempos ou os homens?.
Seja como for, o que Arnold conta a John Landis (nessa entrevista de 82) é bem curioso e toda a gente à época o ignorava. Diz que entrou no cinema antes da guerra (que fez na aviação) como assistente de Robert Flaherty, quase por acaso. Tinha 23 anos e falarem-lhe de Flaherty foi como falarem-lhe de Deus-Pai. Lá explicou a gaguejar que não sabia nada do ofício, mas Flaherty não se impressionou e mandou-o trabalhar. O filme foi "The Land" e Arnold diz que tudo o que sabe o aprendeu aí. Pela mesma altura foi actor de teatro. Duas paixões começaram que a guerra interrompeu. Quando voltou, resolveu fundar uma companhia chamada "Promotional Films" e fazer documentários à Flaherty, na imitação do Mestre dos Mestres. Diz que fez cerca de dez. O último, "With These Hands" [1950], foi designado para o Óscar na categoria de documentário. Foi então que a Universal o contratou.
Era a época das três dimensões e do regresso do fantástico, como já disse sobejamente. A Universal propôs a Arnold adaptar um script original de Bradbury e perguntou-lhe se ele sabia alguma coisa de três dimensões. Arnold não se fez de parvo. Assim nasceu "It Came From Outer Space" [1953] que, como série B, teve um sucesso público fulminante e salvou o estúdio em alguns apuros. Daí para diante, com a ajuda do produtor William Alland, Arnold foi o homem da ficção científica na Universal. Vieram as criaturas e as lagoas negras e muito dinheiro. Arnold bem se podia estar nas tintas para o que os críticos diziam dele. O público de todos os Olímpias do mundo não se cansava de ver a "Criatura". Depois vieram "Tarantula" [1955], o remake do "Outside the Law" [1956] e sobretudo "The Incredible Shrinking Man" [1957]. Tudo filmes que não chegaram a custar um milhão de dólares e em que os efeitos especiais eram feitos das mais incríveis maneiras.
A melhor das muitas histórias contadas por Arnold é a do efeito das gotas de água no "Shrinking Man". Ninguém sabia como o conseguir. «Lembrei-me entâo» - diz Arnold - «que quando era miúdo descobri um preservativo na gaveta do meu pai. Enchi-o de água e achei que tinha a forma duma lágrima. Resolvi perguntar aos técnicos: Alguém tem um preservativo? Olharam-me, bastante constrangidos. Até que um lá disse que tinha. Virei-me para ele e disse-lhe: Enche-o de água, sobe lá acima e deixa-o cair. Evidentemente, conservou a sua forma e rebentou no chão. Pedi logo 1500. Foi assim que as gotas de água caíram. Atirávamos uns a seguir aos outros. Quando as filmagens acabaram, alguém da produção telefonou-me a dizer: Há uma coisa que não percebemos. Por que é que precisou de 1500 preservativos? Respondi-lhe: Ouça, as filmagens foram difíceis e no fim resolvi organizar uma festazinha.»
Esses bons anos acabaram. O último filme de Arnold a ter sucesso foi "The Mouse That Roared" [1959], uma comédia com Peter Sellers. Voltou-se então para a televisão e passou a producer-director de séries cómicas, com raras incursões no cinema. Nos anos 60 e 70, foi tratado como já disse. Até que veio a tal «telescopagem». Spielberg citou a Criatura no "Tubarão"; Carpenter, Schrader e Landis prestaram-lhe público tributo nos remakes de "The Thing", "The Cat People" e em "An American Werewolf in London". E Landis chamou-o para o remake já citado. 
Toda a gente, hoje, parece concordar que - e cito Allen Frank em 82 - «his genre work is among the best from the United States». E sucedem-se classificações como «o que conseguiu mais poderosas atmosferas», «visualmente, o melhor». John Landis não hesitou em afirmar que «"The Creature of the Black Lagoon" faz parte da mitologia moderna». Aquele "peixe-monstro" ou aquele "monstro-peixe" que perseguia Julia Adams é, hoje, quase o equivalente de King Kong. Se eu tivesse escrito um ensaio naquela noite da Arrábida, em 1956, podia fazer agora um figuraço. Apesar de tudo, mostro Arnold em 84. Em Portugal, a novidade ainda é relativa, a não ser para os bem informados. Sirva-me de consolação, pensar que a posteridade é póstuma e que chegou, para Jack Arnold, o tempo duma e doutra.

João Bénard da Costa no catálogo da Cinemateca / Fundação Calouste Gulbenkian, dedicado ao Ciclo de Cinema de Ficção Científica (Novembro de 1984)


"IT CAME FROM OUTER SPACE", 1953

FILMOGRAFIA:

1976 - The Swiss Conspiracy / A Conspiração Suíça
1975 - Boss Nigger
1974 - Sex Play
1974 - Black Eye / O Detective Stone
1969 - Hello Down There / A Casa Foi ao Fundo
1964 - The Lively Set / Os Impetuosos
1964 - A Global Affair / Quem é o Pai da Criança?
1961 - Bachelor in Paradise / Um Solteirão no Paraíso
1959 - The Mouse That Roared / O Rato Que Ruge
1959 - No Name on the Bullet / Bala Sem Destino
1958 - Monster on the Campus / A Revolta do Monstro
1958 - The Space Children
1958 - High School Confidential!
1958 - The Lady Takes a Flyer / Amor nas Nuvens
1957 - Man in the Shadow
1957 - The Tattered Dress / O Vestido Esfarrapado
1957 - The Incredible Shrinking  Man / Sentenciado
1956 - Outside the Law / Moeda Falsa
1956 - Red Sundown / O Signo das Armas
1955 - Tarantula / Tarântula, A Aranha Gigante
1955 - The Man From Bitter Ridge / O Homem da Colina
1955 - Revenge of the Creature / A Vingança do Monstro
1954 - Creature From the Black Lagoon / O Monstro da Lagoa Negra
1953 - The Glass Web / A Teia de Cristal
1953 - It Came From Outer Space / Vieram do Espaço
1953 - Girls in the Night

Sem comentários: