Nascido a 30 de Maio de 1896, em Goshen, Indiana, EUA Falecido a 26 de Dezembro de 1977, em Palm Springs, EUA |
Uma comédia é exactamente a mesma coisa que uma história de aventuras: é, simplesmente, uma reacção humorística pelo facto de estarmos perante uma situação emabaraçosa, e eu gosto de fazer as duas coisas. Pelo contrário, não me preocupo de modo algum com esse género de problemas, em que há alguém que primeiramente se casa com uma pessoa, e por aí fora... Oh! Isso acaba por me aborrecer! De tempos a tempos leio um bom livro sobre estes assuntos ou vejo uma boa peça. Mas, para mim, um filme é, antes de tudo o mais, cinema, movimento. É por este motivo que gosto de cinema, é por isso que o prefiro ao teatro. E a história de aventuras, tal como a comédia, são realmente uma e a mesma coisa; a única diferença é que, de um lado, tentamos realçar o aspecto cómico das reacções do herói, e, por outro lado, o seu aspecto dramático.
Por vezes podem-se misturar os dois. Os filmes sérios que faço têm, geralmente, uma parte de comédia. Viram "The Big Sky"? Lembram-se da cena em que é cortado o dedo de Kirk Douglas? Era verdadeiramente engraçada. Eu já a pretendera fazer em "Red River" e John Wayne olhou-me profundamente: - «Está a dizer que eu devo fazer uma cena cómica com a amputação do meu dedo? É loucura.» Respondi-lhe: - «Muito bem, não a faremos; ficará para o meu próximo filme.» Quando ele o viu, telefonou-me nessa mesma noite: - «A próxima vez que pretender fazer o quer que seja, não direi palavra. Poderá fazer o que entender.»
É possível fazer tais cenas mesmo em momentos muito trágicos. Dizia eu a um espanhol que pretendia fazer um Don Quijote com Cary Grant e Cantinflas. «Mas», respondeu-me ele, - «Isso vai ser uma comédia?» E eu respondi-lhe: - - «Evidentemente.» - «Mas o Don Quijote é uma tragédia.» - «Bem, conte-me a história de Don Quijote.» E quando ele terminou, disse-lhe: - «Acaba de me contar a história de três dos melhores filmes de Chaplin.» Olhou-me. - «Tem toda a razão, faça dele uma comédia.» E é efectivamente muito próximo: a única diferença é uma diferença de ponto de vista.
Howard Winchester Hawks, alcunhado "The Silver Fox", nasceu em Goshen, estado de Indiana, em 30 de Maio de 1896. Estudou em Pasadena e na Universidade de Cornell. Aviador durante a primeira Guerra Mundial, trabalhou como piloto de carros de corridas. No cinema desde 1922 (chegou a dirigir o departamento de argumentos da Paramount e foi montador nos estúdios da Metro), teve oportunidade de se iniciar na realização em 1925, ao ser contratado por William Fox. A sua obra, extensa, ininterrupta e variada, constitui a manifestação talvez mais acabada do classicismo cinematográfico americano. Caracterizado por uma extrema simplicidade e mestria de planificação e montagem, este cineasta leva à mais estilizada perfeição os géneros habituais da grande época de Hollywood e os seus módulos de narração fílmica. Livre quase por completo de ressonâncias da estética cinematográfica europeia, a sua obra é, possivelmente, a expressão mais autóctone que o cinema dos Estados Unidos teve posteriormente a Griffith.
Embora já na época do mudo tivesse atraído a atenção da crítica - principalmente por "A Girl in Every Port" [1928], que revelou Louise Brooks - impôs-se como um dos principais realizadores mundiais nos primeiros anos do sonoro. "Scarface, O Homem da Cicatriz" [1932], produzido por Howard Hughes e interpretado por Paul Muni, sobre argumento de Ben Hecht, inspira-se em acontecimentos estritamente contemporâneos, e particularmente, na figura de Al Capone. Arquétipo e peça central do filme de gangsters, "Scarface" inicia a etapa de maturidade de Hawks. Quase toda a filmografia do realizador será, para além da aparente diversidade de géneros, cinema de acção: as profissões arriscadas (começando pelas exercidas realmente por ele mesmo) serão as preferidas para os seus protagonistas; a aventura - narrada de modo anti-épico, próximo da crónica quotidiana, com mais de desporto que de tragédia - centrará a sua temática, ao ponto de, nas comédias, a acumulação de acontecimentos acelerar o ritmo da acção até a converter num torvelinho de corridas e perseguições que frequentemente ultrapassarão as fronteiras do absurdo.
Em "Tiger Shark" [1932], comédia dramática, em "Hatari!" [1962], renovação em tom irónico do cinema de aventuras africanas, ou em "Red Line 7000" [1965], retrato implacável da nova sociedade norte-americana - para citar os exemplos mais salientes - Hawks leva a cabo, fundamentalmente, uma expressão quase documental da vida de homens entregues a empreendimentos pouco comuns e perigosos. No campo do cinema bélico, mostraria, já desde "Dawn Patrol" [1930], uma predilecção pelos filmes de aviação, que em "Only Angels Have Wings" [1939] proporcionaria uma das suas obras mais importantes. Particularmente afortunado foi o seu tratamento do western, género em que o rude retábulo de uma condução de gado em "Red River" [1948] daria lugar, na década seguinte, a uma pessoalíssima réplica a "High Noon" [1952] de Fred Zinnemann: "Rio Bravo" [1958], esplendidamente realizado, que se depuraria ainda mais em "El Dorado" [1967], para acusar, em contrapartida, um certo cansaço, com a reiteração da fórmula, em "Rio Lobo" [1970], pálido reflexo dos temas e sucessos anteriores.
No muito discutido "Sergeant York" [1941] narrou com humor, não isento de intenção propagandística, a história real de um pacifista que acaba por se converter em herói militar. No insólito "Land of the Pharaohs" [1955], abordando um género estranho ao seu temperamento - a reconstituição histórica ao modo de De Mille -, não conseguiu escapar, apesar de inegáveis achados, aos riscos do empreendimento. Entre as comédias hawksianas, cabe salientar muito especialmente "Bringing Up Baby" [1938], um dos filmes mais conseguidos do cinema americano de entre guerras, que surpreende pela sua desenfreada inventiva, só comparável, dentro de outras realizações da mesma época, à dos filmes dos irmãos Marx. Neste filme, como nas seguintes comédias do autor - entre as quais sobressaem "Monkey Business" [1952], farsa sobre a ilusão do elixir da eterna juventude; "Gentlemen Prefer Blondes" [1953], segundo o célebre romance de Anita Loos e de novo com a loura mais conhecida do planeta, a curvilínea Marilyn Monroe; e "Man's Favorite Sport?" [1964], onde se torna particularmente explícita a visão corrosiva do matriarcado norte-americano, subjacente em toda a sua obra.
Menção à parte merecem, por fim, dois filmes cujos protagonistas são Humphrey Bogart e Lauren Bacall: "To Have and Have Not" [1944], segundo o romance homónimo de Hemingway, história de amor que se salienta por uma excepcional direcção de actores; e "The Big Sleep" [1946], adaptação de um clássico policial de Raymond Chandler, que consegue uma atmosfera de violência quase onírica. Nos argumentos de ambos, assim como no de "Land of the Pharaohs", interveio William Faulkner, seu amigo pessoal. Durante toda a sua longa carreira, Hawks foi sempre um dos "patinhos feios" da Academia de Hollywood, que só por uma vez o nomeou para o Óscar de melhor realizador (pelo filme "Sergeant York", em 1942). Nos inícios dos anos 60, o entusiasmo de uma série de jovens críticos europeus, encabeçados pelo grupo dos Cahiers du Cinéma, e o testemunho irrefutável de uma vasta retrospectiva itinerante, organizada inicialmente [1962] no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, outorgaram-lhe a consideração de autor clássico. Howard Hawks viria a falecer a 26 de Dezembro de 1977, em Palm Springs (EUA), vítima de ataque cardíaco. Dois anos antes, a Academia concedeu-lhe um Óscar honorário, provavelmente para se tentar redimir das injustiças do passado.
FILMOGRAFIA:
1970 - Rio Lobo
1966 - El Dorado
1965 - Red Line 7000 / Traço Vermelho 7000
1964 - Man's Favorite Sport? / O Desporto Favorito dos Homens
1962 - Hatari!
1959 - Rio Bravo
1955 - Land of the Pharaohs / A Terra dos Faraós
1953 - Gentlemen Prefer Blondes / Os Homens Preferem as Loiras
1952 - Monkey Business / A Culpa Foi do Macaco
1952 - O'Henry's Full House / Páginas da Vida (segmento "The Ransom of Red Chief")
1952 - The Big Sky / Céu Aberto
1949 - I Was a Male War Bride / Fizeram-me Passar por Mulher
1948 - A Song Is Born / O Professor de Música
1948 - Red River / O Rio Vermelho
1946 - The Big Sleep / À Beira do Abismo
1944 - To Have and Have Not / Ter ou Não Ter
1943 - Air Force / Águias Americanas
1941 - Ball of Fire / Bola de Fogo
1941 - Sergeant York / Sargento York
1940 - The Outlaw / A Terra dos Homens Perdidos (terminado e assinado por Howard Hughes)
1940 - His Girl Friday / O Grande Escândalo
1939 - Only Angels Have Wings / Paraíso Infernal
1938 - Bringing up Baby / As Duas Feras
1936 - Come and Get It / Pai Contra Filho (terminado por William Wyler)
1936 - The Road to Glory / A Grande Ofensiva
1936 - Ceiling Zero / Entre Nuvens
1935 - Barbary Coast / Cidade Sem Lei
1934 - Twentieth Century / Século XX
1934 - Viva Villa! (terminado e assinado por Jack Conway)
1933 - Today We Live / A Vida é o Dia de Hoje
1932 - Tiger Shark / O Tigre dos Mares
1932 - The Crowd Roars / Heróis da Pista
1932 - Scarface: Shame of the Nation / Scarface, O Homem da Cicatriz
1931 - The Criminal Code / Código Penal
1930 - The Dawn Patrol / A Patrulha da Alvorada
1929 - Trent's Last Case
1928 - The Air Circus (terminado por Lewis Seiler)
1928 - Fazil / O Príncipe Fazil
1928 - A Girl in Every Port / Uma Rapariga em Cada Porto
1927 - Paid to Love / O Príncipe Que Nunca Amou
1927 - The Cradle Snatchers
1926 - Fig Leaves / A Tentação de Eva
1926 - The Road to Glory
1 comentário:
Um texto conciso e muito conseguido sobre um dos mais admiráveis cineastas clássicos americanos.
Enviar um comentário