Um Filme de JEAN RENOIR
Com Charles Laughton, Maureen O'Hara, George Sanders, Walter Slezak, Kent Smith, Una O'Connor, Philip Merivale, Nancy Gates, etc.
EUA / 103 min / P&B / 4X3 (1.37:1)
Estreia nos EUA a 7/5/1943
Estreia em FRANÇA a 10/7/1946
Estreia em PORTUGAL a 24/6/1954
O mais desprezado dos
filmes americanos de Jean Renoir. A
acção desenrola-se (como a do "Journal d'une Femme de Chambre")
numa pequena cidade de França, reconstituída no estúdio,
em Hollywood. Este canto de França em
estuque é, na realidade, um país imaginário, como o de "Monsieur Verdoux" ou de certos Fritz Lang, como em "Os
Carrascos Também Morrem". «Com
"Vivre Libre", quis
mostrar aos americanos um aspecto um pouco menos convencional da França
ocupada... Talvez tenha sido inábil, talvez não haja compreendido o estado de espírito que reinava em França
após a libertação. O certo é
que fui brindado com inúmeras cartas injuriosas provenientes de França e
vilipendiado pela imprensa parisiense. Senti-me sinceramente magoado por não ter sido
compreendido.» (Jean Renoir: A
minha experiência americana, Cinémonde, 1946).
"This Land is
Mine", apesar da
realização clássica, de uma prudência nada habitual em Renoir - tratava-se de convencer, custasse o que custasse, o
público americano - é um belo filme, em que se reconhece imediatamente o nosso
autor, pelo menos no personagem e na representação de Charles Laughton, o qual se assemelha tanto com o realizador como
Pierre Renoir em "La Marseillaise". Ê, além do mais, e quer
queiramos quer não, um filme tipicamente francês, e
não é por acaso que pensamos constantemente em Daudet de "La
Derniêre Classe". Bardêche, que fez recuar os limites da desenvoltura crítica
ao dar conta, numa das edições da sua História do Cinema, de um filme americano de Renoir
que nunca foi filmado ("Terre des Hommes", extraído de Saint-Exupéry!), resgata-se com uma
análise muito honesta de "Vivre
Libre":
«Embora cometa o
mesmo tipo de erro, o filme de Jean
Renoir, "Vivre Libre", é menos chocante
para as cobaias convidadas a contemplar as suas proezas. Laughton desempenha um admirável mestre-escola que tem muito medo
dos bombardeamentos, que gosta do bem-estar, da malga de leite, da sua velha
mãe, que sente um grande respeito pelo inspector da Academia e pelas
autoridades de ocupação e que, por fim, se transforma num carneiro enraivecido:
as sessões do tribunal militar são públicas como as audiências do civel; o
patriotismo é em estilo flamejante; os professores, lágrimas nos olhos,
arrancam as páginas dos manuais de história consagrados a Joana d' Arc, à escola laica e a
Jules Ferry; e o filme termina com coros de alunos que cantam como salmos os
artigos da Declaração dos Direitos do Homem.
Estas evocações altamente republicanas
levam-nos a sorrir e o filme foi severamente criticado em França. Foi um
acolhimento bastante injusto, pois, com defeitos inevitáveis, tipicamente defeitos de "ausência", Renoir tentava compreender a situação
de um país ocupado; o seu filme é o de um homem inteligente
que utiliza dados que não se podem imaginar à distância, mas, no fim de contas,
há certamente menos disparates e indignidades no seu filme do que noutros
posteriormente realizados em França, com temas semelhantes.» Estamos de acordo com as considerações de Maurice Bardêche.
François Truffaut
Efectivamente,
não é difícil admitir que "This
Land Is Mine" não é a mais requintada das obras de Renoir em matéria de nuances
psicológicas, antes utiliza o cliché sobre diversos temas da época: a
França ocupada, os nazis, o colaboracionismo ou a resistência. Mas uma vez aceite a
veia propangadista do filme - não esqueçamos que foi esse o seu objectivo principal
- resta-nos, ainda assim, um belo objecto cinematográfico, mesmo sem conseguir
atingir o esplendor das grandes obras de Renoir.
"This Land Is Mine"
é, sobretudo hoje, visto à distância de várias décadas, um filme bastante
emotivo e agradável de se (re)ver. A cena final, então, ainda que de todo
inverosímel (um resistente a defender liricamente as suas ideias diante de um
tribunal colaboracionista, sem que ninguém o impeça, mesmo os nazis que se
limitam a abandonar a sala), é um grande momento desse enorme actor que
foi Charles Laughton, permitindo-se
figurar entre as melhores sequências jamais rodadas sobre os estigmas da
segunda guerra mundial.
Apesar (ou por causa) de uma grande economia de meios, Renoir consegue evidenciar algumas
sequências memoráveis deste filme, para além da já citada cena final do
tribunal: a introdução da personagem de Lory (submisso a uma mãe castradora que
não hesita em obter ilicitamente o leite matinal para o seu menino), o jantar
de conveniência em casa de Louise e Paul (atente-se nesse momento único e
hilariante que é a iniciação de Laughton
no tabagismo), a censura dos livros em plenas salas de aula (em que os
alunos vão seguindo o exemplo dos professores e arrancando uma a uma as páginas
proibidas) ou ainda a visita do Major Von Keller a Lory na prisão (e o
testemunho deste dos fuzilamentos que ocorrem no pátio). Tudo cenas que nos
fazem recordar o grande cineasta que Renoir
sempre foi, mesmo filmando, em solo americano, um filme de encomenda como este. "This
Land Is Mine" viria a
receber o Óscar do Melhor Som, único na filmografia de Renoir. Um filme que se aconselha (re)descobrir, sobretudo por
parte daqueles que sempre o votaram ao ostracismo.
CURIOSIDADES:
- George Sanders, o actor que no filme interpreta o papel de Georges Lambert e que acaba suicidando-se, fez idêntica opção na vida real. Aos 65 anos, no dia 25 de Abril de 1972, isolou-se num hotel de Castelldefels, perto de Barcelona, e ingeriu 5 garrafas de nembutal. Deixou a seguinte nota escrita: «Querido mundo, deixo-te porque estou aborrecido. Sinto que já vivi o suficiente. Deixo-te com as tuas preocupações idiotas. Boa sorte!»
1 comentário:
Vi esse filme faz muito tempo. Lembro que fiquei fascinado. Seria muito revê-lo. Gosto muito de Laughton e Renoir.
O Falcão Maltês
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