Nascido a 6 de Maio de 1915, em Kenosha, Wisconsin, EUA
Falecido a 10 de Outubro de 1985, em Hollywood, Los Angeles, EUA
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«Um Orson Welles chega. Com dois,
assistiríamos
ao fim da civilização»
ao fim da civilização»
(Richard
Wright)
A infância
não explica a vida; e a vida não explica a obra. Mas uma e outra se condicionam
e esclarecem. Quando em torno de uma obra, a vida não cessa de fazer um tumulto
que lhe serve de obstáculo ou de publicidade, quando a própria obra se refere à
infância assim como ao mistério a que tudo se reduz, é bem legítimo
debruçarmo-nos sobre o que foi o seu húmus e constitui a sua lenda. A obra de Orson Welles permanece marcada pela impureza
da vida, não conseguiu desligar-se dessa vida que se apresenta como uma infância prolongada, geralmente
admirável, e por vezes monstruosa («Lutei para escapar da infância o mais cedo possível. E assim que consegui, voltei a correr para ela.»)
Aquele que quis
reduzir o segredo de "Citizen
Kane” ao nome emergido da primeira infância e
reencontrado num trenó - Rosebud -
experimentou ele próprio uma infância fabulosa de que é evidente não se ter
jamais curado. Pois esse rapaz moreno, de pele de topázio e olhos de diamante,
grande, enorme, imponente, conservou até na idade madura uma virulência e uma intensidade cândidas, assim como um ar de gordo bebé bochechudo, que só
podem explicar algumas fixações ou alguns traumatismos familiares. Sem nos
aventurarmos na psicanálise do personagem (coisa suficientemente difícil para os especialistas para que um amador se queira afoitar nela), como
não aceitar o complexo de desmame que alguns aventuram como hipótese para
explicar a bulimia do herói, o seu descomedimento, o empolamento, a sua
capacidade de trabalho, de poder ou de amor que lhe poderiam servir de
perturbante compensação? Orson Welles
era capaz de trabalhar setenta e duas horas sem descanso, de ingerir refeições
pantagruélicas (uma vez, no restaurante Pinky’s, em Los Angeles, comeu 18 hot dogs de seguida), de devorar uma
dezena de obras por dia, sobre assuntos que iam do romance policial ao ensaio
filosófico.
Show de Magia, 1945 |
A chegada - como um estrondo -
de Orson Welles ao cinema foi
comparada a um vendaval. Na realidade, toda a biografia e obra de juventude deste
grande criador americano tem algo de vulcânico, expansivo e da força de um
furacão. E talvez seja indispensável esta dimensão da sua personalidade para
poder medir-se o significado do seu empenho na conquista lenta e progressiva da
serenidade, a suave amargura interior do classicismo que apontam as suas
últimas obras. George Orson
Welles nasceu a 6 de Maio de 1915, filho
de Richard Head Welles e Béatrice Ives (uma sufragista que chegou a ser presa
por acções pacifistas). O acontecimento teve lugar em Kenosha, pequena cidade
de 53.000 habitantes em Wisconsin. O pai, industrial e engenheiro, parece ter
deixado uma recordação de playboy e de inventor extravagante. Tinha sessenta e quatro
anos quando teve o filho e o nome que lhe deu, ter-lhe-ia sido atribuído em
honra de antepassados italianos chamados Orsini.
Pouco depois de completar os 6
anos, o menino Orson adora e conhece
exaustivamente algumas obras de Shakespeare, adaptando algumas delas para um
pequeno teatrinho de marionetas. Entre 1923 e 1925 estuda arte trágica,
ilusionismo, pintura. Percorre o mundo em companhia do pai. Um dia, em que, no mar das Caraíbas, o barco que os
transportava balançava fortemente, Orson
dirigiu-se à cabina do pai. Este estava estendido, mais preocupado com as
delícias do álcool que com as fúrias do oceano. Os balanços projectavam a criança
para a direita e para a esquerda. «Maldição!» gritou o pai, «o teu bisavô, caído
à água numa bebedeira, afundou-se a pique... o meu pai, nem falemos nisso... Quanto
a mim, tu próprio podes verificar o estado em que estou... Espero que não venhas
mais tarde a sucumbir a esta paixão funesta e hereditária». Estas revelações
tiveram sobre Orson um efeito
inesperado. Convencido de que mais valia entregar-se sem demora às tendências
duma hereditariedade inflexível, dirigiu-se sem mais delongas para o bar do
navio. Terminada a travessia, apresentaram ao pai a conta do enfant térrible: era da ordem das centenas de dólares.
Com Cole Porter (1946) |
No set de "Citizen Kane", 1940 |
Prepara uma adaptação de "Heart
of Darkness”, de Joseph Conrad, mas a rodagem teve de ser suspensa por
ausência da protagonista, Dita Parlo, retida na Europa devido ao rebentar da
segunda guerra mundial. Depois de se negar a rodar uma trama policial, propôs o
argumento de "Citizen Kane”, escrito por ele mesmo e por Herman J.
Mankiewicz, que viria a conquistar o respectivo Óscar da Academia. Em 30 de
Julho de 1940 começou a rodagem. Em Fevereiro do ano seguinte, Louella Parsons,
assalariada da cadeia Hearst, fez estalar o “escândalo Kane”, ao denunciar o
filme como uma caricatura caluniosa da vida de William Randolph Hearst, o
magnata da imprensa. Todos os mecanismos de controle da opinião pública da cadeia Hearst boicotaram a
obra e o seu autor. "Citizen Kane” estreou-se em 9 de Abril de 1941. A
primeira colisão de Welles com a
indústria que solicitou o seu trabalho foi o começo de uma eterna cadeia de
confrontos que dificultaram seriamente a sua carreira cinematográfica e o
levaram, tempo depois, ao exílio voluntário na Europa.
Depois
de se libertar de um primeiro casamento com Virginia Nicholson (1934-1940) ruma
em 1942 à América do Sul, onde pretende filmar uma trilogia sobre a Argentina,
o Brasil e o México, projecto que na altura não conseguirá terminar (só muito
recentemente se recuperou parte deste material, agora disponível num DVD
chamado "It's All True", e premiado pela Associação de
Críticos de Los Angeles). Casa-se em 1943 com a actriz Rita Hayworth, cuja
fisionomia vem a transformar radicalmente no filme "The Lady From Shangai”, quatro anos depois, para decepção da
maioria dos fans da actriz. Aliás, a "execução" visual de Rita
iniciou-se por uma hecatombe espectacular. A imprensa foi convocada para o
nascimento da nova Rita Hayworth, anunciado por Welles com grande pompa. Estava presente um mestre cabeleireiro.
E foi diante de um público atónito que os longos cabelos dourados da deusa de
Hollywood caíram sob a sua tesoura. Depois de violentas desavenças, o casal divorciar-se-ia no ano seguinte, e
do casamento resultaria o nascimento de uma filha, Rebecca, em 1944,
apadrinhada por Frank Sinatra.
A partir de "The Lady From Shangai”,
estreado em 1948 (após "The Magnificent Ambersons”, "Journey
Into Fear” - concluído por
Norman Foster - e "The
Stranger”) Welles passa a
ser um cineasta sem contrato, trabalhador errante, solitário e independente,
que balizou a sua trajectória com títulos que têm quase todos um lugar na
história do cinema: "Macbeth”
[1948], "Othello” [1952],
que obtém o Grande Prémio de Cannes, "The Touch of Evil” [1958], em que dirige a mítica Marlène Dietrich, "The
Trial” [1962], adaptado do célebre romance de Kafka, "Chimes
at Midnight” [1965], que conquista diversos prémios. Em 1953 publica um romance satírico,
"V.I.P." e cria o bailado "The Lady In the Ice" para Roland
Petit.
A partir do final dos anos 50 o actor toma o lugar do cineasta (visando
a obtenção de dinheiro para financiar projectos mais pessoais) e a sua incursão
no campo da realização será apenas esporádica e sobretudo virada para o pequeno
écran: documentários, séries e curtas-metragens, a que frequentemente
emprestava também a sua poderosa e inconfundível voz para as respectivas
narrações. Mas todas as interpretações de Welles como actor forneceriam a matéria de uma teoria da representação no cinema, se não bastasse o estudo de "Citizen Kane" para cumprir sózinho essa missão, mostrando como Welles emprega toda a panóplia das expressões e dos gestos, da imobilidade à dança, numa reflexão permanente sobre a elasticidade da distância entre actor e personagem.
"Macbeth" (1948) |
Rodagem de "Othello", em Marrocos (1949) |
Aquando da apresentação do filme "Relatório
Confidencial" em Paris, em Novembro de 1959, Louise de Vilmorin
diria de Welles: «Não é snob, pois
nunca o farão falar contra as suas convicções; pois nunca o farão dizer o
contrário daquilo que pensa; respeita aquilo que o emociona, e se a banalidade
se retira de tudo o que se torna objecto da sua atenção, é que não pode olhar
nada sem inventar. Assim dá-nos aquilo que nos era destinado e que não víamos,
assim perturba a nossa consciência confrontando-a com a idade das coisas que
esquecemos. (...) A sua obra é um cisne vogando desde hoje para os depois de
amanhã, sobre a água dos longos tempos que estão para vir. E com tudo isto é
encantador, seduz sem ser sedutor; é simples, atento e sempre disposto a
agradar! Mas acontece que não pode apresentar nem encanto, nem atenção, nem
sedução, nem prazer que não seja extraordinário. Não mandamos nas nossas
recordações e há, entre os seus dons, o estranho poder de ser inesquecível.»
Com Marlène Dietrich em "The Touch of Evil" (1958) |
Com Juliette Gréco (1960) |
«Nós nascemos
sózinhos, vivemos sózinhos e morremos sózinhos. Sómente através do amor e das
amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos
sózinhos.»
(Orson Welles)
FILMOGRAFIA:
1987 – Someone to Love /
Alguém Para Amar
1984 – Where Is Parsifal?
1983 – Hot Money
1982 – Butterfly
1979 – The Muppet Movie / As Aventuras dos Marretas
1976 – Voyage of the Damned / A Viagem dos Malditos
1972 – Treasure Island / A Ilha do Tesouro (+ argumento)
1972 – Necromancy
1972 – Get to Know Your Rabbit / O Super-Mágico
1971 – La Décade
Prodigieuse / A Década Prodigiosa
1971 – A Safe Place
1971 – Malpertuis
1970 – Waterloo
1970 - Upon This Rock
1970 - Start the Revolution Without Me / Comecem a
Combater Sem Mim
1970 – Catch 22 / Artigo 22
1970 – The Kremlin Letter / A Carta do Kremlin
1969 – Una Su 13 / Doze
Mais Uma
1969 – Bitka na Neretvi
1969 - The Battle of Rome
/ A Batalha de Roma
1969 – The Southern Star /
A Estrela do Sul
1969 – Kampf um Rom II –
Der Verrat
1969 – Tepepa
1968 – Kampf um Rom I
1968 – House of Cards / A
Sombra de um Homem
1968 – Oedipus the King
1967 – I’ll Never Forget What’s His Name / O Falhado
1967 – The Sailor From
Gibraltar
1967 – Casino Royale /
Casino Royale
1966 – A Man For All
Seasons / Um Homem Para a Eternidade
1966 – Paris Brûle-t-il? /
Paris Já Está a Arder?
1965 – Falstaff / Chimes
at Midnight / As Badaladas da Meia-Noite (+ realização + argumento)
1964 – La Fabuleuse
Aventure de Marco Polo / A Fabulosa Aventura de Marco Polo
1963 – The V.I.P.s
1963 – Ro.Go.Pa.G. (segment“La Ricotta”)
1962 – The Trial / O
Processo
1961 – I Tartari
1961 – La Fayette
1960 - Austerlitz
1960 – Crack in the Mirror / Drama Num Espelho
1960 – David e Golia /
David e Golias
1959 – Ferry to Hong Kong / Passagem Para Hong Kong
1959 – Compulsion / O
Génio do Mal
1958 – The Roosts of
Heaven / Raízes do Céu
1958 – The Touch of Evil /
A Sede do Mal (+ realização + argumento)
1958 – The Long, Hot Summer / Paixões Que Escaldam
1957 – Pay the Devil (Man In The Shadow) / O Salário
do Diabo
1956 – Moby Dick / Moby Dick
1955 – Napoléon / Napoleão
1955 – Three Cases of Murder (“Lord Mountdrago”
segment) / Três Crimes
1955 – Mr. Arkadin:
Confidential Report / Relatório Confidencial (+ realização + argumento + produção)
1954 – Trouble In The Glen
/ O Vale da Esperança
1954 – Si Versailles
M’était Conté / Se Versalhes Falasse
1953 – L’Uomo, La
Bestia e la Virtù
1952 – Trent’s Last Case /
O Último Caso de Trent
1952 – Othello / Otelo (+
realização + produção)
1950 – The Black Rose / A
Rosa Negra
1949 – Prince of Foxes / O
Favorito dos Bórgias
1949 – The Third Man / O
Terceiro Homem
1949 – Cagliostro
1948 – Macbeth / Macbeth (+
realização + produção)
1947 – The Lady From Shangai
/ A Dama de Xangai (+ realização + argumento + produção)
1946 – The Stranger / O
Estrangeiro (+ realização + argumento)
1946 – Tomorrow is Forever
/ Amanhã Viveremos
1943 – Jane Eyre / A
Paixão de Jane Eyre
1943 – Journey Into Fear /
A Jornada do Medo (+ realização + argumento + produção)
1942 – The Magnificent
Ambersons / O 4º Mandamento (+ realização + argumento +
produção)
1941 – Citizen Kane / O
Mundo a Seus Pés (+ realização + argumento + produção)
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