Um filme de BILLY WILDER
Com James Cagney, Horst Buchholz, Pamela Tiffin, Hanns Lothar, Lilo Pulver, Arlene Francis
EUA / 115 min / PB / 16X9 (2.35:1)
Estreia nos EUA a 15/12/1961
Estreia em Portugal a 23/3/1963
(cinema S. Jorge)
“One, Two, Three” é uma frenética screwball comedy ligada à corrente contínua, não de 220 mas de 1000 volts. Faz lembrar os loucos Keystone Cops em que o chefe da esquadra é James Cagney, naquela que era para ser a sua derradeira aparição no cinema (o actor voltaria 20 anos depois para o seu último desempenho, no papel de um comissário de polícia no filme “Ragtime”, de Milos Forman). Durante todo o desenrolar do filme tememos por Cagney, que lhe sobrevenha um fulminante ataque de coração, tal a intensidade da sua representação. O filme, que hoje em dia pode ser visto como uma sátira monumental à Guerra Fria, foi na época a única obra de Wilder que ninguém defendeu e que mesmo muitos anos depois continuou a ter imensos detractores, um pouco por todo o lado. Lembre-se, por exemplo, que em 1980, ano em que o Festival Internacional de Berlim homenageou Billy Wilder com uma grande retrospectiva da sua carreira, este foi dos raros filmes que não esteve presente. Coincidência?
Mas afinal, qual o “grande crime” de “One, Two, Three”? Provavelmente o seu anti-comunismo de base, onde as críticas aos sistemas totalitários atingem uma ferocidade invulgar. Mas não se julgue que esta sátira corrosiva se limita a ridicularizar a URSS e seus alcólitos. Poderá ser esse o objectivo principal, mas os EUA também apanham por tabela e pela medida grande; a carga burlesca de “One, Two, Three” é tão intensa que ultrapassa toda e qualquer crítica ideológica; e Wilder não poupa ninguém, demonstrando como tudo se compra em todo o lado e que a corrupção se encontra em qualquer sistema político.
Billy Wilder chegou a Berlim na Primavera de 1961, numa altura em que a Guerra Fria se encontrava ao rubro, e por isso muita coisa aconteceu durante os meses de rodagem. No início ainda se passava, mais ou menos livremente, de oeste para leste e vice-versa (uma situação que está no cerne do desenrolar da história do filme). Quando as filmagens chegaram ao fim e Wilder abandonou o local, já o famoso muro tinha sido erguido. Em tais circunstâncias, como é que o filme não teria que ser afectado? «Quando via matarem os refugiados que tentavam fugir de leste para oeste na vida real, parecia-me que ia ser difícil que as pessoas aceitassem uma comédia situada em tal décor», afirmou Wilder mais tarde.
Não se enganou. Os alemães odiaram-no, como seria óbvio acontecer. Na América a crítica acusou o filme de ter diálogos ultra-rápidos, que faziam lembrar uma metralhadora a disparar indiscriminadamente sobre todo o tipo de audiências. Até mesmo os Cahiers du Cinéma, que em tão boa conta tinham o realizador, se limitaram a uma seca nota em que acusaram “One, Two, Three” de ser pesado e vulgar. Bem pior foi o que Michel Ciment escreveu no Positif, rotulando o filme de “abjectamente reaccionário” e dizendo que Wilder tinha conseguido reduzir tudo ao seu nível, que era o mais baixo. Quanto aos russos nada disseram, porque evidentemente jamais viram o filme. Sete anos depois, os mesmos intelectuais que torceram o nariz a “One, Two, Three” (Godard, por exemplo, que falava de “un, deux, trois pas en faux”) enchiam a boca com a história dos filhos de Marx e da Coca-Cola, esquecendo-se que Billy Wilder tinha sido o verdadeiro inventor de tal metáfora, ao terminar o seu filme com o casamento de um “filho de Marx” com a filha do dono da Coca-Cola.
Provavelmente a crítica que melhor se cola a “One, Two, Three” será a de apontar a velocidade supersónica a que ele se desenrola. Na verdade o ritmo diabólico do filme não nos deixa respirar, de gag em gag e de diálogo em diálogo. O próprio Wilder veio a interrogar-se se não teria ido longe demais com aquela sua experiência de “keeping up the tempo the whole time”. E o facto desse prodigioso actor que era James Cagney estar permanentemente no centro do vulcão terá contribuído decisivamente para um certo desequilíbrio que o filme apresenta.
E no entanto “One, Two, Three” está recheado de figuras e cenas memoráveis. Os dizeres dos cartazes da manifestação logo no início do filme; o fabuloso Schlemmer (Hanns Lothar) que ainda não perdeu o “tique” de bater com os calcanhares ou os funcionários que não conseguem evitar levantar-se sempre que o patrão passa por eles; a descontraída entrada de Otto Piffl (Horst Buchholz) na parte leste com o balão “Ruskys go home” no escape da sua motoreta e o processo original de tortura sonora a que é submetido (“Itsy bitsy teenie weenie yellow polka dot bikini”...); ou aquele gag final, em que um exemplar da Pepsi-Cola se encontra por acaso na máquina da Coca-Cola como a lembrar que “nothing is perfect”, um piscar de olho ao célebre final de “Some Like It Hot”.
Finalmente, essa sequência fabulosa do Hotel Potemkine (que dantes se chamava Bismarck e nos anos de Hitler se chamava Göering), uma das mais antológicas de toda a obra de Wilder, em que a escultural Ingeborg (Lilo Pulver) substitui a saia esvoaçante de Marilyn em “Seven Year Itch” por aquele vestido às bolinhas, bem justo ao corpo curvilíneo. A dança frenética em cima de uma mesa povoada de vodka e caviar, e presenciada euforicamente pelos convivas em redor, tem tamanho estrépito que o retrato de Krustchev estremece e acaba por caír, revelando um outro retrato, o de Estaline, que se encontrava por baixo.
Como já foi referido, ninguém entendeu Billy Wilder na época e todos ficaram irritadissimos pelo facto de uma maneira ou de outra se terem sentido retratados no filme. “One, Two, Three” tem ainda hoje esse mérito enorme que é o de nos conseguir fazer rir de nós próprios, não interessando o lado da barricada em que nos encontramos. O mundo continua como sempre dividido, política ou ideológicamente, e a roda gigante continua a girar ao ritmo de um, dois, três, tal como acontecia com os alemães, os russos e os americanos da cidade de todos os cruzamentos que Berlim era em 1961.
CURIOSIDADES:
- O muro de Berlim começou a ser erigido na noite de 13 de Agosto de 1961. A equipa de filmagens só se deu conta de tal facto pela manhã, tendo-se posteriormente mudado para os estúdios Bavaria, em Munique, onde uma réplica da porta de Brandenburger teve de ser feita para completar as cenas ainda não concluídas.
- Red Buttons tem um breve cameo como um elemento da Polícia Militar americana, onde faz uma imitação do próprio James Cagney.
- Na sua autobiografia James Cagney refere que Horst Buchholz foi o único actor com quem detestou contracenar devido à sua falta de cooperação
2 comentários:
Já vi que andas numa de Wilder - grandes filmes, enorme cineasta. Às vezes dou por mim a pensar como os tempos mudaram no que ao cinema diz respeito. Hoje as novas gerações que se interessam pela outrora chamada "7ª Arte" (uma minoria dentro delas, pois para quase toda a gente a "pipoca" é mais importante do que o filme) não têm as referências que nós tinhamos quando ansiávamos pela saída dos últimos Bergman, Fellini, Buñuel, Truffaut e tantos, tantos outros, todos vivinhos da silva. Hoje já não existem grandes cineastas e a malta nova é enganada facilmente por aprendizes de feiticeiro que os levam a rotular quase tudo de "obras-primas", sem se aperceberem sequer do significado do termo.
E o engraçado é que só se deixa enganar quem quer. Ao contrário do nosso tempo que tínhamos de nos socorrer dos cine-clubes e das sessões clássicas para conseguirmos ver os clássicos, hoje em dia existe uma coisa chamada "internet" onde se encontra tudo e mais alguma coisa.
Como diz aquele provérbio, "Dá Deus nozes a quem não tem dentes"...
E pensava eu que já sabia muita coisa sobre Wilder! Afinal sei pouco...
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