Um Filme de
CLINT EASTWOOD
Com Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Adjoa Andoh, Marguerite Wheatley, Patrick Lyster, Pennie Downie, etc.
EUA / 134 m / Cor / 16X9 (2.35:1)
Estreia nos EUA a 11/12/2009
Estreia na
ÁFRICA DO SUL a 11/12/2009
Estreia em
PORTUGAL a 28/1/2010
«He was a prisoner
who became a president. To unite his country,
he asked one man to do the
impossible»
Exceptuando
documentários, Nelson Mandela só foi objecto de grandes abordagens ficcionais
neste século, ou seja, depois de abandonar o poder em 1999. De todas, a que
mais perdura - e sempre perdurará - é a que Clint Eastwood encetou em 2009, "Invictus". Para se apontar a sua relevância, lembremos a
abertura do filme. Depois de uma espécie de prólogo em que, em jeito
paradocumental, se traça o caminho que Mandela trilhou da libertação à eleição
para Presidente da República da África do Sul, Eastwood entra pela ficção. Cena nocturna. Mandela acorda,
levanta-se, ajeita a cama, a evocar uma práctica carceral. Veste um fato de
treino e sai para a rua para uma caminhada a pé, ainda nem a aurora rompeu. No
exterior da casa, dentro de um carro, dois seguranças lamentam a cronométrica
rotina que faz do Presidente um alvo fácil. Mandela começa a andar pelas ruas
desertas, sempre acompanhado pelos guarda-costas, pergunta pela saúde da mãe de
um deles, congratula-se que esteja melhor - o cineasta começa a afinar a nossa
percepção quanto à a fabilidade do personagem.
Uma
legenda diz-nos que é o primeiro dia do mandato do Presidente. Logo uma
carrinha em movimento desarvorado aparece algures, ainda não em relação com os
personagens, mas nós estabelecemos de imediato uma ameaça. Um breve plano do
interior da carrinha para o exterior introduz a ideia de que os seus ocupantes
estão à procura de qualquer coisa. E eis que desemboca na rua onde Mandela
caminha, os guarda-costas ficam alerta, a carrinha para, abruptamente, logo à
frente. Mandela encosta-se à parede, os outros cobrem-no, prontos a sacar das
armas. Um homem sai da carrinha a correr, larga um monte de jornais no passeio,
a tensão esvai-se. Mandela aproxima-se para ver a primeira página. Está escrita
em africânder, a língua dos brancos.
Um dos guarda-costas pergunta o que lá está escrito. Mandela traduz: «Ele pode ganhar uma
eleição, mas poderá dirigir um país?»
O segurança insurge-se dizendo que já está a ser atacado mesmo antes de começar a governar. Mandela contraria-o, sustentando que é uma pergunta legítima - e sai do plano como se tivesse algo de inadiável para fazer. Esta sequência não chega a ter dois minutos e meio, mas é daquelas que deviam ser mostradas nas escolas de cinema, pela mestria narrativa que revela. Tem uma tensão de quase thriller, boa ferramenta para agarrar a nossa atenção. Introduz um tempo, é o primeiro dia do mandato. Dá-nos indicações precisas sobre o carácter do personagem central - hábitos monásticos que evocam a prisão, modéstia, afabilidade humana, lucidez política destituída de ressentimentos. No fundo, é isso e apenas isso que "Invictus" vai desenvolver e aprofundar nas duas horas e tal seguintes em que se mostra a astúcia e a compaixão com que Mandela pacificou uma nação dilacerada em ódios.
O segurança insurge-se dizendo que já está a ser atacado mesmo antes de começar a governar. Mandela contraria-o, sustentando que é uma pergunta legítima - e sai do plano como se tivesse algo de inadiável para fazer. Esta sequência não chega a ter dois minutos e meio, mas é daquelas que deviam ser mostradas nas escolas de cinema, pela mestria narrativa que revela. Tem uma tensão de quase thriller, boa ferramenta para agarrar a nossa atenção. Introduz um tempo, é o primeiro dia do mandato. Dá-nos indicações precisas sobre o carácter do personagem central - hábitos monásticos que evocam a prisão, modéstia, afabilidade humana, lucidez política destituída de ressentimentos. No fundo, é isso e apenas isso que "Invictus" vai desenvolver e aprofundar nas duas horas e tal seguintes em que se mostra a astúcia e a compaixão com que Mandela pacificou uma nação dilacerada em ódios.
(Jorge
Leitão Ramos in semanário Expresso, 7/12/2013)
Agora que o mundo lamenta o desaparecimento
do histórico líder sul-africano (falecido na quinta-feira passada, dia 5, aos
95 anos), e antes da estreia, ainda esta semana, do auto-biográfico "Mandela:
Longo Caminho Para a Liberdade", uma realização do britânico Justin
Chadwick, torna-se oportuno uma (re)visão deste "Invictus", para melhor compreender a enorme estatura do
homem que ficará para sempre como uma das maiores figuras do século XX. Se
possível, acompanhada pela leitura da autobiografia, publicada em 1995, e onde
Mandela conta a história extraordinária da sua vida - uma narrativa épica de
lutas e confrontos, derrotas e vitórias, contrariedades e esperanças, que
sempre o acompanharam, desde os tempos de clandestinidade e relativo anonimato
(a nível internacional, pelo menos) até à sua libertação triunfal no dia 11 de
Fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão (foi o prisioneiro 46664 de Robben
Island, ao largo de Cape Town, número que significava que tinha sido o 466º
encarcerado durante o ano de 1964).
Em "Invictus",
Clint Eastwood centra-se no
campeonato do mundo de rugby de 1995,
onde a África do Sul se sagrou pela primeira vez campeã, frente à sempre
temível selecção neozelandesa. Uma final histórica, cujo êxito só foi possível
devido ao empenhamento pessoal de Mandela, que viu naquele desporto (desde
sempre glorificado pela minoria branca e repudiado pela maioria negra) um
veículo ideal para conseguir atingir a unificação do país, na altura uma nação
ainda dividida pelo apartheid, apesar
das mudanças trazidas pelos ventos históricos. Para além de toda a sua mestria
habitual, Eastwood demonstra aqui
também um grande conhecimento da vida de Mandela, expresso em pequenos detalhes
ao longo do filme: a preservação do gabinete multi-racial logo no primeiro dia
do mandato, o jogging madrugador, o isolamento
familiar, a cumplicidade com as suas secretárias, o seu peculiar humor, ou a
modéstia traduzida em prescindir de um terço do seu salário doando-o a obras de
caridade.
O resultado é uma interacção constante
entre os ideais desportivos da selecção springbok,
capitaneada por François Pienaar (Matt
Damon) e algumas das primeiras acções políticas levadas a cabo pelo
recém-eleito Presidente (uma interpretação notável de Morgan Freeman, que confere à personagem de Mandela uma veracidade
a todos os níveis credível). "Invictus"
é um filme notável e emocionante, que chega a ser impressionante nas cenas da
grande final do estádio Ellis Park. Mas, acima de tudo, enaltece a
personalidade extraordinária de Nelson Mandela, um homem grande que soube ser
grande, ao deixar para trás qualquer sentimento de vingança para abraçar a
causa de unir toda uma nação através do perdão dos crimes praticados pelos seus
torcionários, percebendo claramente a necessidade da superação dos anseios
individuais pelo bem-estar de todo um povo. Não existem muitos casos na
História em que uma nação se tenha unido de uma forma tão rápida.
CURIOSIDADES:
- Antes da produção do filme se iniciar, Morgan Freeman e o produtor Lori
McCreary deslocaram-se à África do Sul, afim de conseguirem o acordo de Nelson
Mandela. No encontro com o líder sul-africano, Freeman começou por dizer: «Madiba, há muito tempo que estamos a trabalhar neste
projecto, mas só há pouco tempo ouvimos falar de algo que pode vir a revelar
melhor a sua personalidade…» Mandela interrompeu-o, dizendo: «Ah, o Campeonato do Mundo!». A maneira
expressiva como Mandela se referiu ao evento desportivo fez que Freeman e McCreary compreendessem de
imediato que iriam ter o seu apoio total.
- Por ser canhoto, Morgan Freeman treinou-se a escrever com a mão direita por causa
das cenas em que a personagem de Mandela (que era destro) é filmada a escrever.
- A cela da prisão que a equipa de rugby visita numa sequência do filme é a verdadeira cela de Robben Island, onde Mandela cumpriu 24 anos da sua pena.
- Morgan
Freeman, que já conhecia Mandela há vários anos (tinham mesmo uma relação
de amizade), baseou a sua interpretação em vários vídeos, de onde copiou o seu
modo de falar, quer na pronúncia quer no ritmo das palavras. Mas o mais difícil
de tudo foi tentar transmitir o seu carisma pessoal: «Eu queria evitar actuar como ele, precisava mesmo era de
ser o próprio Mandela. Mas quando se está na frente dele apercebemo-nos da sua
grandeza e da sua magia. E estas não podem ser imitadas.»
- Nelson Mandela afirmou numa entrevista
que só Morgan Freeman o poderia ter
representado no cinema.
- Matt
Damon visitou François Pienaar na sua casa, afim de lhe pedir ajuda para a
preparação do papel. Quando os dois se encontraram, houve um momento de silêncio,
devido à grande diferença de estatura entre os dois. Damon quebrou a tensão, dizendo: «Olhe
que a câmara me faz muito mais alto!» Pienaar prepararia mais tarde um jantar gourmet para os dois. A partir desse dia
tornaram-se amigos. Pienaar afirmaria mais tarde: «Fiquei
fascinado com a sua humildade e perverso sentido de humor. Ele quis aprender
tudo o que pôde sobre mim, sobre a minha filosofia enquanto capitão dos
springboks e o que significou para nós a conquista do Campeonato do Mundo, em
1995. Até aspectos técnicos do jogo eu lhe ensinei. Divertimo-nos muito.»
- A Associação de ruby neozelandesa enviou um perito para fiscalizar a dança
guerreira The Haka, que os actores que interpretavam os jogadores da selecção
All Blacks tiveram de aprender.
- A banda preferida de Nelson Mandela, The
Soweto String Quartet, foi contratada para participar no filme.
- O escritório presidencial, no qual
Mandela toma chá com Pienaar é uma divisão dos Union Buildings, a sede do
Governo Sul-Africano em Pretória. Foi a primeira vez que um filme lá foi
rodado.
- Todas as sequências dos jogos foram
filmadas no próprio estádio onde o campeonato do mundo teve lugar, o Ellis Park
Stadium de Johannesburg. As diferenças entretanto ocorridas no aspecto do recinto (tinham decorrido já 14 anos), foram equiparadas ao original através de
efeitos gráficos computarizados, os quais também foram usados para “expandir”
para 60 mil os cerca de 2 mil espectadores-extras que assistiam às filmagens.
- A sequência em que o avião sobrevoa o estádio
com uma mensagem de apoio aos jogadores, aconteceu na realidade. A única
diferença é que o evento foi previamente planeado e autorizado, enquanto que no
filme o mesmo acontece como de uma surpresa se tratasse – o que ocasiona
apreensão nos elementos da segurança de Mandela.
A BANDA SONORA:
2 comentários:
Quando vi este filme pela primeira vez, no fim levantei-me e bati palmas e com lágrimas nos olhos!
É assim mesmo, Zé Luís, devemos aplaudir o que realmente nos toca de um modo especial.
Abraço!
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