quarta-feira, fevereiro 09, 2011

HIGH FIDELITY (2000)

ALTA FIDELIDADE
Um filme de STEPHEN FREARS


Com John Cusack, Iben Hjejle, Todd Louiso, Jack Black, Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Joan Cusack, Tim Robbins

EUA-GB / 113 min / COR / 
16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA a 17/3/2000, 
no Festival South by Southwest
Estreia em Portugal a 5/5/2000



Laura: «Listen, Rob, would you have sex with me? Because I want to feel something else than this. It either that, or I go home and put my hand in the fire. Unless you want to stub cigarettes out on my arm»
Rob: «No. I only have a few left, I've been saving them for later»
Laura: «Right. It'll have to be sex, then»
Rob: «Right. 
Right»

No que concerne os romances amorosos, as mulheres vão ter uma ideia muito mais precisa do que se passa na cabeça dos homens depois de verem "High Fidelity". Recorrendo a flashbacks, muita música e humor, Stephen Frears oferece-nos, através de John Cusack e baseando-se no romance de Nick Hornby, uma radiografia bastante precisa do cérebro masculino. Rob Gordon (Cusack) só professa uma religião: os discos de vinil. Além de ter uma colecção de milhares em casa, é dono de uma loja dedicada unicamente ao primitivo suporte sonoro, "Champions Ip Vinyl". Com Dick (Todd Louiso) e Barry (Jack Black), dois empregados não menos indefectíveis do vinil que ele, dedica-se a elaborar rankings tão díspares como "as cinco melhores canções sobre a morte" ou "as cinco melhores canções para fazer amor". Top Fives ou outros mais extensos, é bem conhecida a paranóia dos amantes da música na elaboração de listas de todo o género e feitio. Mas Rob tem ainda outra lista adicional: a das mulheres que foram passando pela sua vida e que, mais tarde ou mais cedo, lhe partiram o coração. E acabadinha de entrar para o Top 5 está Laura (Iben Hjejle), a sua última (des)ventura amorosa.

«Passei horas a alinhar a cassete. Para mim, gravar uma cassete é como escrever uma carta – tenho de apagar muito, repensar e começar outra vez de início, e eu queria que a cassete ficasse boa, porque… para falar verdade, nunca tinha conhecido nenhuma mulher tão promissora como a Laura desde que tinha começado a pôr música, e conhecer mulheres promissoras era parte da profissão».

"High Fidelity" é um filme que consegue construir um discurso dramático, inteligente, espirituoso e divertido sobre uma coisa tão ligeira e perecível como a música pop. É um filme tão bom, que até é bem capaz de ser melhor do que o livro. Recomenda-se a todos aqueles que falam, ou numa certa altura das suas vidas falaram o verdadeiro esperanto: a música pop, uma linguagem indissociável dos assuntos do coração. Um filme para todos aqueles que pelo menos uma vez se perguntaram se ouviam música pop porque estavam infelizes, ou se estavam infelizes por ouvir música pop a mais; para todos os que já se julgaram membros de um clube exclusivo porque se sentiram senhores de um conhecimento exaustivamente enciclopédico, e dos gostos definitivos, sobre música pop, e os esgrimiram ferozmente com outros como eles.

Ainda e também para os felizes nas escolhas musicais mas infelizes nas sentimentais; para todos cujas existências foram ou são obsessivamente tuteladas pelos valores da música pop; para todos os que alguma vez pensaram em dormir com uma cantora pop bonita e em ascensão; para os muitos que compram LPs e singles pela Internet e suspiram por um dia os poder voltar a adquirir numa loja recheada de vinil; para todos os que detestam visceralmente “I Just Called to Say I Love You”, do Stevie Wonder; para todos os que querem ver um filme cheio de actores em uníssono mais afinado do que os Beach Boys, e que não se escora com preguiça nem oportunismo comercial numa banda sonora contagiosa.

A rodagem de "High Fidelity" começou com acesa polémica, logo que se decidiu que a acção seria transferida de Londres (onde decorre o romance original) para Chicago. «Chamámos Nick e ele deu-nos a sua benção para a mudança», explica John Cusack, também co-argumentista e co-produtor do filme: «os acontecimentos mais interessantes do livro não têm nada a ver com o lugar onde eles decorrem». Não foi isso que pensaram muitos fãs do romance de Hornby, que reagiram negativamente ante a trasladação transoceânica do negócio de discos de Rob.

Um dos motivos de interesse de "High Fidelity" é a quantidade de actores secundários que dão o seu contributo: Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Tim Robbins, Lily Taylor e Joan Cusack (que aparece aqui pela oitava vez ao lado do mano John), além de uma outra participação muito especial, o rocker Bruce Springsteen, que representa o seu próprio papel (era para ter sido Bob Dylan a entrar no filme, mas na altura não estava disponível).

Face ao aparecimento e implantação do iTunes, “High Fidelity” é cada vez mais um documento histórico, um tributo àqueles lugares mágicos onde se passavam muitas e muitas horas à procura de raridades em vinil. Não me refiro obviamente às grandes lojas de superfície, tipo Tower Records ou Virgin Megastores, mas sim àquelas mais antigas, pequenas e muitas vezes obscuras lojas de bairro (em Londres havia tantas...) que faziam as delícias dos coleccionadores e das suas obsessões particulares. “High Fidelity” é uma genuína carta de amor à memória dessas lojas e à dos seus usuários, onde eu próprio me incluía. Infelizmente é algo que definitivamente pertence ao passado, e as novas gerações nunca terão uma noção, por pequena que seja, de todo o prazer que se conseguia usufruir numa só visita a qualquer dessas lojas míticas.

A propósito, gostaria de relembrar aqui algumas dessas lojas da minha juventude onde passava dias inteiros a ouvir as últimas novidades e a gastar tudo aquilo que levava nos bolsos: a Bayly (na Av. Manuel de Arriaga) e a Poliarte (nas arcadas do prédio Nauticus), em Lourenço Marques; a Look & Listen em Johannesburg (ficava na Eloff Street, numa cave) e, já cá em Lisboa, a Roma e aquele trio obrigatório da Rua do Carmo: Melodia, Carmo e Valentim de Carvalho.

«É difícil fazer uma boa cassete de compilação, tal como é difícil acabar uma relação. É preciso abrir com uma música surpreendente, para captar a atenção (comecei com “Got To Get You Off My Mind”, mas a seguir percebi que ela podia não passar da primeira faixa do lado A se eu desse logo tudo, por isso encaixei-a a meio do lado B), e depois sem se pôr uma mais enérgica ou mais calma, e não se pode misturar música branca com música negra, a menos que a música branca seja parecida com música negra, e não se pode pôr duas faixas do mesmo artista ao lado uma da outra, a menos que se tenha posto todas aos pares, e… oh, há imensas regras. Seja como for, fartei-me de trabalhar, e ainda tenho meia dúzia de “demos” antigas espalhadas pela casa, cassetes-protótipo em relação às quais fui mudando de ideias. E na sexta-feira à noite, tirei-a do bolso do blusão quando ela veio ter comigo, e seguimos caminho a partir dai. Foi um bom início».

Por norma, a banda sonora é um complemento natural de qualquer filme. Neste caso, e dado que o universo por onde deambulam os personagens de “High Fidelity” tem como astro central uma loja de discos, essa (magnífica) banda sonora é indissociável do mesmo, tendo mesmo uma importância fulcral, visto ser através da música que Rob comunica com o mundo à sua volta. Por isso se aconselha vivamente e sem reservas o CD disponibilizado neste blogue.

5 comentários:

José Morais disse...

VIVA O VINIL E A QUEM O APOIAR!

ANTONIO NAHUD disse...

Um filme divertido e inteligente. E que trilha-sonora! Até mesmo o insosso do John Cusack tá bem bacana.
Abração

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Billy Rider disse...

Como habitualmente o teu comentário vai directo ao âmago da questão, ressalvando o que de melhor e mais importante existe no filme. Mas o que mais me encantou aqui foi a referência a dois pequenos nomes - Bayly e Poliarte - exactamente, os locais da nossa antiga cidade que tinham uma magia muito própria, e que nos fazia ficar lá grudados muitas horas a fio. É com uma grande nostalgia que recordo essas duas lojas. Obrigado por as trazeres de volta.

Loot disse...

Belo texto, bela recordação.

É daqueles filmes que para quem se identifica com os pontos aqui descritos ganha um carinho especial.

Se fosse eu adicionaria mais uma estrela, mas teria de rever o filme.

JC disse...

Vele tb a pena ler o livro.