sexta-feira, setembro 10, 2010

HIGH NOON (1952)

O COMBOIO APITOU TRÊS VEZES
 Um filme de FRED ZINNEMANN


Com Gary Cooper, Grace Kelly, Thomas Mitchell, Lloyd Bridges, Katy Jurado, Otto Kruger, Lee Van Cleef, etc.


 EUA / 85 min / PB / 4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 24/7/1952 (New York)
Estreia em Portugal a 8/6/1953


“Do not forsake me, oh my darling...”

É só por acaso que “High Noon” é um western. O argumento, as personagens, o cenário, são apenas pretextos para confrontos psicológicos que poderíam existir em qualquer outro género de filme. Se olharmos para o filme de uma outra perspectiva, podemos descobrir nele uma parábola sobre a coragem individual diante da covardia colectiva. Ou, indo ainda mais longe, "High Noon" pode ser considerado, também, uma amostra do horror McCarthysta na sociedade americana da época, quando o senador Joseph McCarthy apostava em caçar todos os comunistas de Hollywood. Fred Zinnemann, director austríaco instalado nos Estados Unidos, aproveitando um argumento de Carl Foreman, faz do western um veículo para a sua visão da sociedade americana. O protagonista principal, o marshall Will Kane (Gary Cooper) não tem nada do herói clássico dos westerns convencionais. Pelo contrário, trata-se de um homem só e frágil, que por um capricho do destino tem de enfrentar a cobardia da sua própria comunidade, cujos habitantes apenas o apoiaram enquanto os perigos se encontravam bem longe, para lá do horizonte de uma linha do caminho de ferro.


O filme inicia-se pela chegada de três pistoleiros à pacata Hadleyville, onde Will Kane acaba de desposar a bela Amy (Grace Kelly, aqui ainda uma ilustre desconhecida, no seu primeiro papel no cinema). Seguir-se-ia a lua-de-mel e a merecida reforma se entretanto não se anunciasse iminente a chegada de Frank Miller, um recém-libertado fora-da-lei, preso pelo próprio Kane alguns anos antes e que agora se vem reunir ao trio que o espera na estação para os quatro levarem a cabo o ajuste de contas final. A chegada está prevista para o meio-dia e são dez e meia quando Kane recebe a notícia. Nessa hora e meia (duração aproximada do próprio filme) Kane descobre que por uma razão ou por outra não vai ter o apoio de ninguém, nem da sua recém-esposa, uma quaker avessa à violência e que por isso só pensa sair dali para fora o mais rapidamente possível. A alegoria com o que então se passava na América (o início em força do McCarthysmo, com perseguições a tudo o que lembrasse os ideais comunistas) é por demais evidente no clima de medo e suspeição que o filme nos retrata.

"High Noon" é um filme sólido, sóbrio e bem construído, que, contrariando os cânones tradicionais do género, não se apoia na acção física - uma constante do western tradicional. A dimensão psicológica dos personagens adquire, aqui, capital importância: a descrição minuciosa da conduta de cada um, a crescente angústia do xerife situado entre a obrigação moral e o instinto de conservação. Foreman e Zinnemann pretendem reflectir uma época na qual muitos sectores do país ficavam paralisados pelo medo, ao contrário de uns poucos que assumiam sózinhos as suas responsabilidades morais.


High Noon”, para além de um desempenho inesquecível de Gary Cooper (único Oscar aos 50 anos, em toda a sua brilhante carreira), ficou célebre pela maneira exemplar com que Fred Zinnemann fez uso da técnica da montagem paralela. Três quartos do filme são construídos sobre a relação duma intensidade dramática crescente entre a aproximação da hora fatídica e as tentativas vãs feitas por Kane em reunir um grupo de apoiantes. O valor dramático dessa impossibilidade torna-se precisamente mais sensível pelo uso frequente de planos dos três homens à espera na estação. É como se Zinnemann tivesse desenhado um gráfico de forças antagónicas que se vão confrontando, cada vez mais violentamente, com o desenrolar do tempo, até ao desenlace final.

A tensão provocada pela linha dramática e musical desse gráfico imaginário atingirá o ponto máximo às 11 horas e 59 minutos, momento que precede a chegada do comboio, o qual deverá apitar três vezes no caso de trazer um determinado passageiro. Zinnemann reuniu neste momento todos os elementos dinâmicos da acção, numa espécie de montagem sinfónica, num resumo extraordinário que nos mostra bem que, para ele, o traçado estético da obra representa tanto como o patético da história.
Num minuto revemos: a via-férrea – a igreja e os paroquianos imóveis – o saloon e os clientes ansiosos – o relógio de pêndulo – Kane a escrever uma espécie de testamento – a rua – a via férrea – dois habitantes da cidade numa varanda – o adjunto de Kane – Helen, a antiga amante – Amy, a actual mulher – outra vez o relógio – os três pistoleiros – Kane de novo, a fechar o envelope – e mais uma e derradeira imagem do relógio, agora com destaque do pêndulo em grande plano. Então vemos o comboio a chegar, em plano geral, e a apitar três vezes.


“High Noon” é um filme visualmente belo, severo e lacónico no estilo e na narrativa, com um fundo musical inesquecível (a canção-título, com música de Dimitri Tiomkin e letra de Ned Washington, é interpretada por Tex Ritter várias vezes ao longo do filme, tendo sido a vencedora do Oscar para a melhor canção original) e consegue ser um clássico do western apesar de fugir aos estereotipos do género. Para irritação de John Wayne, o actor-fétiche de John Ford, que na altura chegou a organizar um movimento de protesto contra a exibição de “High Noon, na qualidade de presidente da Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals. Não conseguiu a interdição do filme mas contribuiu decisivamente para que o argumentista, Carl Foreman fosse parar à “lista negra” de Hollywood e por causa disso visse aruinada a sua carreira, tendo tido de se exilar em Inglaterra. Sete anos mais tarde, enquanto filmava “Rio Bravo” para Hawks, ainda Wayne conservava todo o fel que destilara contra este filme excepcional ao comentar que “Rio Bravo” era um filme anti-“High Noon. Mesmo muitos anos depois, numa entrevista dada à revista Playboy em Maio de 1971, Wayne ainda não se tinha esquecido deste particular filme. Nessa altura reafirmou a convicção de se tratar de um filme anti-americano por mostrar Gary Cooper a pisar a estrela de marshall (cena inexistente, Kane limita-se a atirar a insígnia para o chão) e, mais grave, confessou nunca se ter arrependido de ter conseguido a inclusão de Carl Foreman na "lista negra" de má memória. Enfim, nada que não fosse de esperar de alguém que politicamente sempre foi conotado com a extrema-direita americana.

CURIOSIDADES:

- Filme favorito de Bill Clinton, que o viu 17 vezes durante os seus dois mandatos como Presidente dos EUA.

- Gary Cooper sofria de uma úlcera durante as filmagens (28 dias de rodagem, após dez de ensaios). Mas apesar disso não exigiu qualquer duplo na cena de pancadaria com Lloyd Bridges. Inclusivé foi uma cena que teve de ser repetida, pelo facto do filho de Lloyd, Beau Bridges, se ter desmanchado a rir quando viu Cooper despejar um balde de água em cima do pai.

- Filme-estreia de Grace Kelly (que teve um romance com Cooper durante as filmagens) e Lee Van Cleef, que não profere uma única palavra durante todo o filme.

- Apesar de Fred Zinnemann se ter sempre oposto, até morrer, ao filme poder ser colorizável, o produtor de TV Ted Turner fez ouvidos de mercador e apresentou uma versão colorida do filme nos seus canais televisivos. Felizmente que essa práctica pouco ortodoxa durou apenas alguns anos e que tudo voltou a ser mostrado tal qual filmado originariamente.

- Os actores Gregory Peck, Charlton Heston, Marlon Brando, Kirk Douglas e Montgomery Clift, recusaram todos o papel principal de "High Noon".

- O director de fotografia, Floyd Crosby, era o pai do famoso cantor David Crosby.

- Ter perdido o Oscar de melhor filme para "The Greatest Show on Earth" foi uma das maiores injustiças da Academia de Hollywood, vista na altura como uma maneira de satisfazer o Senador Joseph McCarthy, de quem Cecil B. de Mille, o realizador do filme, era um dos mais ferverosos apoiantes. Para além do Actor Principal e da Canção Original, "High Noon" ganhou ainda o Oscar da Melhor Montagem.

- Em 2007 o American Film Institute classificou "High Noon" no 27º lugar dos Melhores Filmes de Sempre.

4 comentários:

Nowhereman disse...

"High Noon" pertence também ao meu lote de westerns favoritos, se calhar um pouco também por aquilo que referes, ou seja, por se tratar de um western atípico.
Para mim Gary Cooper sempre constituiu a imagem por excelência do grande actor americano (a par de um Cary Grant, por exemplo), sobretudo nos muitos westerns em que entrou. Compreensível portanto a "dor de cotovelo" do Wayne, cinco anos mais novo que Cooper, e que ambicionava ocupar o lugar a quem nunca conseguiu chegar aos calcanhares. Nem como actor nem muito menos como homem. Todo o ódio contra este filme só pode mostrar isso mesmo. Apesar de tudo o "Duke" ainda conseguiu sair-se airosamente em alguns filmes que hoje preenchem o nosso imaginário do cinema americano. Deve-o sobretudo a dois grandes realizadores: Howard Hawks ("Red River", "Hatari!") e sobretudo a John Ford: "Stagecoach" "The Quiet Man", "The Searchers" "Rio Bravo", "The Man Who Shot Liberty Valance". Mesmo assim muito pouco, para quem entrou em cerca de 250 filmes.

JC disse...

Uma montagem mtº "eisensteiniana". Oscar merecidíssimo, portanto. Vio-o a última vez (no cinema) na Cinemateca, há uns 12 anos.
Parabéns pelo "blog", Rato!

Jorge Teixeira disse...

Um que vi há bem pouco tempo, na minha viagem aos clássicos (que já dura há uns bons meses)...e que é para continuar tal as descobertas e o prazer que tem aumentado de visualização a visualização.

Este High Noon é uma pérola do Western, mas sobretudo do cinema. Gostei particularmente da interpretação de Cooper, do argumento e excelente realização, e sobretudo da banda sonora - magnífica, capaz de transportar os dramas e inquietudes do protagonista.

Gostei da crítica mais uma vez, e vejo que tens já bastantes redigidas, na sua maioria de décadas passadas o que me agrada bastante, embora não tenho visto muitos.

abraço

Rato disse...

Espero então que estes comentários (não lhes chamaria "críticas", por não simpatizar com a palavra) te levem a descobrir grandes filmes do passado.