Sala situada no nº 27 da Rua Actor Taborda, em Lisboa, que apareceu já depois do 25 de Abril. Até ao fim da década de 70 teve uma programação interessante ("La Salamandre", "Joe Hill", "Belle de Jour", são alguns bons exemplos dos filmes que por lá passavam). Mas a partir de 1980 voltou-se em exclusivo para o cinema pornográfico. Em 1982 ainda passou pelas mãos de Pedro Bandeira Freire que lhe mudou o nome para Quinteto, transformando-o numa extensão do então muito bem sucedido Quarteto. No entanto a nova programação esbarrou no público habitué daquele espaço e a sala regressou às suas origens, voltando a chamar-se Cinebolso e de novo com uma programação exclusivamente feita de filmes pornográficos. Mantém-se assim até hoje. Muito a propósito deste pequeno cinema e da sua "vocação", transcreve-se de seguida uma deliciosa crónica, da autoria de Jorge Tomé Santos:
AVISO: ESTA CRÓNICA CONTÉM PASSAGENS EVENTUALMENTE CHOCANTES
As novas gerações dificilmente irão entender esta crónica e o fascínio que o cinema porno exercia nessa altura, mas tentem situar-se numa época mais distante, sem vídeo nem internet. Eu tinha 9 anos no dia em que tudo mudou em Portugal. Era 25 de Abril de 1974 e desse importante dia só me lembro do meu avô ir de manhã a minha casa, para avisar os meus pais para não saírem de casa (vivíamos na Pontinha, de onde saíram os tanques militares) e assim escapei de ir às aulas. Mesmo sem perceber as consequências da revolução, fiquei logo muito bem impressionado. Até essa data existia uma forte censura em Portugal que proibia, entre outras coisas, a exibição de filmes pornográficos ou simplesmente eróticos. Era uma época em que tudo era tabu e de repente o país abria as suas portas a coisas novas e, para um jovem cinéfilo como eu, isso resumia-se a filmes.
Nos jornais apareciam os cartazes de títulos como "Garganta Funda", "O Diabo em Miss Jones", "O Extase Sexual de Macumba", "Emmanuelle" (que uma tia minha foi ver a pensar que se tratava de um filme sobre a vida de Jesus Cristo, mas mesmo assim ficou até ao fim), "O Último Tango em Paris", "A História de Joana", e muitos outros. Só havia um pequeno problema, eu não tinha idade para os ir ver. Como qualquer outro adolescente, o sexo era algo que me despertava muita atenção e cedo descobri os seus prazeres (mas isso agora não interessa nada). Claro que na época corria o rumor de que a masturbação em demasia podia cegar, mas depressa descobri que era um mito urbano em que a minha mãe queria que eu acreditasse. Apesar de conseguir às escondidas acesso a revistas tão na moda como a "Gina" e o "Weekend Sex", não tinha acesso aos filmes porno. Estes eram interditos a menores de 18 anos.
Hoje em dia é fácil alugar um filme do género num clube de video ou, melhor ainda, navegar pelos milhares de sites porno que a internet coloca ao nosso dispor. Naqueles tempos, algo como a internet era pura ficção científica e os primeiros clubes de vídeo só apareceriam no princípio dos anos 80. Assim, limitava-me a apreciar os cartazes e a sonhar como seriam os filmes. Por incrível que isto possa parecer, tinha 15 anos quando finalmente vi um filme porno. Nessa altura já ia muitas vezes sózinho ao cinema e, por parecer mais velho, conseguia entrar em filmes classificados para 18 anos, mas nunca tinha tido a coragem de ir ver um filme porno.
Temia que alguém me visse e fosse contar aos meus pais, que eram quem pagava os bilhetes, e havia sempre filmes mais interessantes para ir ver. Mas um dia, uns amigos mais velhos lá me convenceram a ir com eles ver um filme porno; e, no dia 10 de Julho de 1980, fomos ao Cinebolso. O mais engraçado era o facto de já ter ido anteriormente ao Cinebolso com o meu pai. Esse cinema tinha manhãs infantis ao Domingo e fomos lá ver Abbott e Costello em "A Galinha dos Ovos de Ouro" e um documentário sobre tubarões intitulado "Água Azul, Morte Branca". Recordo-me perfeitamente de observar com curiosidade, muita curiosidade, os cartazes dos filmes em exibição nas sessões normais do cinema. Mas agora voltemos ao dia 10-07-1980.
O filme chamava-se "Investigações Sexuais / The Sensuous Detective" e era distribuído pela Vénus Filmes. Eu ia nervosíssimo; e se os meus pais descobrissem? Mas não; acho que eles nem sonharam que o seu menino era capaz de tal atrocidade. Ao contrário dos filmes porno actuais, este até tinha alguma história. Começava com uma violação e terminava numa grande orgia; pelo meio havia muito sexo e um casal de detectives que tentava apanhar um perigoso criminoso. O problema é que a única fotografia que tinham do mesmo era a do pénis deste na boca de uma mulher (uma ideia engraçada, certo?). Claro que do ponto de vista cinematográfico o filme era mau, mas o que é que isso interessava? Para mim foi fascinante poder, pela primeira vez, ver toda aquela acção no grande écran (e sem efeitos CGI) e descobrir tantas e interessantes posições. O único efeito secundário era o grau de excitação em que fiquei e, para evitar cenas embaraçosas (tipo manchas nas calças), de vez em quando tinha de desviar o olhar do que se passava no écran.
Uns anitos mais tarde, voltei por conta própria ao Cinebolso ver "As Mil e Uma Noites Eróticas". Como leitor ávido dos contos de Sherezade achei que o filme podia ser interessante; mas, com excepção de uma hilariante sequência de sexo oral ao som de música de flauta, era mesmo muito mau. O efeito de ver este filme não foi o mesmo, pois a sensação de descoberta e de fruto proibido já tinha desaparecido. Hoje em dia esse fascínio pelo cinema pornográfico já desapareceu e é pena. Sei que ninguém tem que esperar até aos 15 anos para descobrir esse atractivo e debochado mundo, mas tenho a certeza que nunca irão sentir o que eu senti quando vi o meu primeiro filme porno. Presentemente, a pornografia está ao dispor de qualquer um e poucas são as salas especializadas que ainda existem. Ir ver um filme porno já não é um acontecimento e assim perdeu-se a sensação de pecado que era tão excitante. Os tempos modernos têm menos graça, essa é que é essa.
4 comentários:
Olá!
Sou brasileiro e estou no Porto para um congresso da minha área de formação. Como chove bastante (e carioca - quem nasce no Rio de Janeiro - parece ser feito de açúcar - tem medo de chuva e frio), resolvi ficar no hotel.
Tenho um passatempo, gosto de saber sobre cinemas (salas de cinemas) antigos e estava lendo seu blog. Gostei muito do seu conto.
Parabéns!
É pena que tenha ençerrado o cinebolso, porque se passava bons momentos lá. E recordo tb o olimpia que era do mesmo género e que se passava momentos agradaveis, dentro de sigilo quase absoluto, enfim é pena que tenha acabado.
Adorei tudo especialmente a parte em que se refere a um mito em que a masturbação em excesso provocava cegueira e logo logo todos vimos que era mentira 😅😅😅
É uma grande verdade
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