quarta-feira, junho 29, 2011

O CINEMA E O VIETNAME

OS MEUS FAVORITOS:
1. Apocalypse Now / Apocalypse Now 
 2. The Deer Hunter / O Caçador 
 3. Platoon / Os Bravos do Pelotão 
 4. Forrest Gump / Forrest Gump 
 5. Full Metal Jacket / Nascido Para Matar 
 6. Good Morning, Vietnam / Bom Dia, Vietname 
 7. Coming Home / O Regresso dos Heróis 
 8. Casualties of War / Corações de Aço 
 9. Heaven And Earth / Quando o Céu e a Terra Mudaram de Lugar
10. Gardens of Stone / Jardins de Pedra 


NOTA: 
Lista ordenada por gosto pessoal e sujeita a alterações no futuro

domingo, junho 26, 2011

PORTFOLIO - "TRUE GRIT" (2010)

TRUE GRIT (2010)

INDOMÁVEL




Um filme de JOEL e ETHAN COEN




Com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper


EUA / 110 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia nos EUA a 14/12/2010 (New York)
Estreia em PORTUGAL a 17/2/2011

Mattie Ross: «Why did they hang him so high?»
Rooster Cogburn: «I do not know. Possibly in the belief
it'd make him more dead»

Esta primeira incursão dos irmãos Coen ao universo do western (se bem que o excelente “No Country For Old Men” já percorra muitos dos mitos desse género americano por excelência) fica um pouco aquém das expectativas, sobretudo da parte de quem se habituou a esperar sempre o melhor dos irmãos, por causa da sua filmografia, rica e contrastada. Baseado no livro de Charles Portis de 1968, esta segunda adaptação bate no entanto aos pontos o filme de 1969, protagonizado pelo imutável John Wayne (que ganharia por esse trabalho menor o único Oscar da sua carreira. Muito injustamente, refira-se, se nos lembrarmos que nesse mesmo ano Dustin Hoffman e Jon Voight eram também candidatos pelos seus brilhantes desempenhos em “Midnight Cowboy”).

Os Coen fazem aqui uma nova leitura do romance de Portis, expurgando-o dos contornos sentimentais e aventureiros (que o primeiro filme pelo contrário realçava), interessando-se muito mais pelo lado dramático. E esta nova remake tem uma vantagem crucial sobre o filme de Hathaway, que é o aproveitamento do capítulo final da obra literária: passados 25 anos sobre os acontecimentos ocorridos, Mattie Ross (Hailee Steinfeld, uma jovem e promissora actriz, nascida em 1996) vem resgatar o corpo de Rooster Cogburn (Jeff Bridges, que parece ter sido um marshal bêbado durante toda a vida) para o enterrar junto à campa do pai. Este fecho de círculo tem toda a razão de ser mostrado, uma vez que foi a vingança do assassinato do seu progenitor que levou Mattie a conhecer Rooster e a viver aquela aventura da sua adolescência.

A visão que os irmãos Coen nos dão do Oeste selvagem difere consideravelmente do universo dos filmes do Duke, indo colher influências directamente aos filmes mais clássicos de Clint Eastwood (spaghettis à parte), onde não existe uma dicotomia tão acentuada entre os bons e os maus da fita. Quer Rooster quer LaBoeuf (Matt Damon) são meio patifes meio cínicos e a sua bravura só se manifesta a espaços, como que consequência indesejada do evoluir das situações. E veja-se a caracterização da grande maioria dos outlaws, que nos são apresentados sob prismas meramente humanos, não se distinguindo claramente dos seus perseguidores.
Como já referido, estamos portanto diante de um bom western clássico, longe dos cânones italianos, mas que Ethan e Joel Coen não conseguiram elevar a patamares mais consistentes. A sensação é a de que algo se perdeu ali pelo meio, onde certas sequências se arrastam e outras passam depressa demais, denotando uma certa falta de equilíbrio. Não quero no entanto deixar de realçar "a" sequência que me fará recordar para sempre este filme – aquela caminhada inesquecível de Cogburn com Mattie nos braços numa noite emoldurada por um céu de estrelas cintilantes. Essa tentativa de salvação, mesclada de fé e perseverança, que o rosto de Bridges denuncia lapidarmente, é o ponto alto (altissimo) deste “True Grit” dos Coen. E parece concluir o que faltou escrever na citação do início do filme («Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los»): «Mas os justos são ousados como um leão.»
CURIOSIDADES:

- Apesar de Rooster Cogburn ser descrito no livro como um homem de 40 anos, quer James Bridges quer John Wayne já se encontravam nos sessentas quando interpretaram a personagem (Bridges com 60 e Wayne com 62)

- "True Grit" foi o primeiro filme dos irmãos Coen a ultrapassar a receita de 100 milhões de dólares nos EUA.

- Nomeado para um total de 10 Óscares - Filme, Realização, Argumento, Direcção Artística, Cinematografia, Guarda-Roupa, Edição e Mistura de Som, Actor Principal (Jeff Bridges) e Actriz Secundária (Hailee Steinfeld) – o filme acabaria por não conseguir qualquer estatueta. No entanto o trabalho desta última viria a ser distinguido com diversos prémios da Crítica, bem como Roger Deakins, o responsável pela excelente cinematografia.

sábado, junho 25, 2011

FILMES ESSENCIAIS - ANOS 20

OS MEUS FAVORITOS:
 1. Sunrise / Aurora 
 2. Broken Blossoms / O Lírio Quebrado 
 3. The Gold Rush / A Quimera do Ouro 
 4. La Passion de Jeanne d'Arc / A Paixão de Joana d'Arc 
 5. Metropolis / Metropolis 
 6. Intolerance / Intolerância 
 7. The Wind / O Vento 
 8. Der Letzte Mann / O Último dos Homens 
 9. The General / Pamplinas Maquinista 
10.   The Crowd / A Multidão

NOTA: 
Lista ordenada por gosto pessoal e sujeita a alterações no futuro   

domingo, junho 19, 2011

ONLY ANGELS HAVE WINGS (1939)

PARAÍSO INFERNAL




Um filme de HOWARD HAWKS


Com Cary Grant, Jean Arthur, Thomas Mitchell, Rita Hayworth, Richard Barthelmess, Allyn Joslyn, Sig Ruman, Victor Kilian


EUA / 121 min / PB / 4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 12/5/1939 (Nova Iorque)
Estreia em PORTUGAL a 11/4/1940 (Lisboa)


Tex Gordon: «Calling Baranca! Calling Baranca!»

“Only Angels Have Wings” é um filme que exige tanto dos nossos olhos como dos nossos ouvidos. Quem se ficar por um só desses sentidos perde tudo. Ou melhor: perde o resto da frase, como a perde quem não concluir que «se só os anjos têm asas», só os anjos podem voar: os homens não. E, no entanto, Only Angels Have Wings” é um filme sobre aviadores e aviões. E passa-se todo ou no ar (as mais belas sequências aéreas jamais filmadas) ou num bar. Um bar situado em Barranca, um porto da América do Sul, no fundo mais fundo de uma das gargantas da cordilheira dos Andes. Muito se tem de subir dessa fossa nevoenta para as alturas, sobre os picos mais picos das altíssimas montanhas.
Quase logo ao princípio, Bonnie Lee (JeanArthur), a mulher que veio do mar e das brumas, como num filme de Sternberg, pergunta ao personagem mais bonito da história do cinema, que usa o belo nome de Kid (Thomas Mitchell): «Why do the men fly?» E Kid responde­ -lhe: «I've been in it twenty two years, Miss Lee. I couldn't give you an answer that makes any sense.» No fim, Geoff, o «boss», aquele a quem os seus homens chamam «Papa» (Cary Grant), depois da morte de Kid, repete, como se falasse com os botões dele: «He'd been in it twenty two years.» Mas não acaba a frase. Se para ele, como para nós, tudo começa a «fazer sentido», esse sentido é tão críptico como o do amor ou o da morte. Ou o do cinema.
Foi a propósito deste filme que Hawks narrou a Bogdanovich «a wonderfitl story». Um piloto de guerra mexicano contou-lhe que ti­nha ido jantar com uma rapariga muito bonita, casada há um ano com um tipo que tinha uma queimadura na cara e uns olhos muito gran­des. A dada altura, apareceu um amigo, com uns copos a mais, que disse à rapariga: «Faz hoje um ano, estávamos todos aqui na tua festa de casamento.» À 1 da noite, puseram-nos na rua e foram para a cama. À 1 e 10 «levantaram voo». Um bocado mais tarde, recomeçaram. E, perante o espanto e depois a fúria da jovem, contou-lhe tim-tim-por­ -tim-tim a história toda da noite de núpcias dela. «Meu filho da mãe, estiveste a espreitar!» O outro jurou que não e puxou de um gráfico que umas máquinas alemãs faziam naquela altura e se usavam nos aviões. Por esse gráfico, poderia ficar a saber-se quando é que se ligava o mo­tor, quando é que começavam os solavancos do arranque, quando é que o avião levantava voo, quando é que ganhava altura, quando é que a perdia, etc, etc. O que ele e outros amigos, por brincadeira, fi­zeram, foi, às escondidas deles, meter o gráfico debaixo da cama do casal. A mulher desatou a rir, pediu-lhe o gráfico e, vaidosíssima, pendurou-o em casa, emoldurado. «Foi desta história que tirei a minha história para Only Angels Have Wings”, disse Hawks.
Não há noite de núpcias nem há gráficos em Only Angels Have Wings”. Mas os quatro grandes voos do filme (dois que acabam bem e dois que acabam mal) pontuam, com o ruído dos motores, tudo o que se passa entre as cinco personagens principais do filme. Além de Bonnie, Geoff e Kid, Kilgallan (Richard Barthelmess), o homem que se apresenta sob falso nome e com mau passado e Judy (Rita Hayworth, idem, idem, aspas, aspas). E Only Angels Have Wings” é o gráfico, visual e sonoro, de quando arrancam e quando pousam, quando levantam voo e quando se vão abaixo. Há as personagens que não gostam de falar, têm ouvido apura­díssimo e se dão mal com a luz (quase todas as personagens masculi­nas). Há as personagens que querem contar tudo e que se lhes diga tudo, interpretam mal os sons e de noite vêem tudo pardo (quase to­das as personagens femininas). A guerra de sexos está declarada e é tão simples ou tão complexa como tudo isto.
Volto ao princípio e à Jean Arthur marlénica. Confunde dois aviadores que a tentam engatar com dois nativos espanhóis. Quando descobre o erro, confraterniza e, no tal bar do holandês menos voador do mundo (Sig Ruman) combinam comer uns bifes. Ordem para um dos aviadores -Joe - partir em voo de rotina. Promete voltar daí a meia hora e pede que lhe guardem o bife. Mas não era «good enough» e, no meio do nevoeiro, atrapalha-se e estampa-se, sem ver as luzes da pista. É a terceira morte em dois meses e, como se diz noutro filme de Hawks (“The Lost Patrol”), «hurrah for the next man who dies». Em vez de lágrimas, copos. 
Depois do silêncio, alguém toca ao piano “Send a Word to Mother”. Revolta e indignação de Bonnie, perante aqueles homens «sem sentimentos». Revolta que aumenta quando vê Geoff sentar-se à mesa e bater-se com o bife destinado a Joe. «Who is Joe?» pergunta Geoff. Ela explode. Mas quando percebe, pouco depois, como era es­túpido o seu melodramatismo (vira Joe 5 minutos, aqueles homens eram amigos dele há 5 anos) a metamorfose não se exprime em pala­vras mas em passagem musical. Junta-se ao grupo e ataca ao piano, muito alto, “Some of These Days” e depois passa para o “Liebestraum” de Liszt, prelúdio à primeira cena de amor-guerra Bonnie-Geoff. A luz muda toda, há um fulgurante raccord com o relógio (o tempo) e todo o passado (esse passado de que quase nunca se fala no filme) se convoca.
Alguém traz os objectos retirados do corpo de Joe. Geoff mostra­-os a Bonnie (só então começam os grandes, grandes planos) e diz-lhe que, se ela quiser, pode ficar com um souvenir. Bonnie olha com aten­ção e escolhe um bonito anel. «Você tem bons olhos», diz, mordaz, Geoff. Ela (grande plano) olha-o severamente e em silêncio. Volta-lhe as costas e dá o anel à nativa que fora namorada de Joe e que, a um canto, foi a única que, durante essa longa sequência, sempre chorou baixinho, sem dizer nada. Grande plano de Geoff, assombrado. Quem não tivera bons olhos fora ele. 
E quando Bonnie, depois de todos se te­rem ido embora, volta para o pé dele, pergunta-lhe que mulher lhe fez tão mal que o tornou assim. Geoff não responde e pede-lhe um fósforo. Bonnie, que já reparou que ele é homem que nunca tem lume, observa­ -lho. E ele responde que não gosta de ter coisas que se gastem. «Fósforos, modelos, dinheiro». «Mulheres?», devolve-lhe Bonnie. E é um dos me­ lhores exemplos desses diálogos que Hawks dizia ter aprendido com Hemingway. «Hemingway chamava-lhes oblíquos. Eu chamo-lhes às três pancadas.» Ou seja, e para repetir a imagem do bilhar, diálogos que não se movem na direcção do alvo, mas correm para várias direc­ções e ângulos, antes de baterem na bola que se mete no buraco.
Muito perto do fim, outra gloriosa utilização das bandas sonoras. Kid morreu, na mais bela morte da história do cinema. «Broke his neck. Took off a few minutes ago», como diz Geoff, o homem que ele mais amou, o homem que mais o amou a ele. Depois, entra no bar. E volta­ -se a ouvir uma canção, aparentemente despropositada. Desta vez, é à guitarra e é o “Adios, Mariquita Linda”. Geoff sai, sozi­nho, para o gabinete dele, com porta para o bar. Volta o raccord com o relógio e Bonnie hesita entre ficar ou ir-se embora, porque Geoff nunca lhe disse que a amava, nunca lhe pediu para ela ficar. Apro­xima-se dela outro amigo de Kid, Sparks (Victor Kilian) que a con­vence a ir ter com Geoff O diálogo - muito breve - é todo sussur­rado. 
Há várias razões plausíveis para que o seja (respeito pela morte de Kid, pela canção que estão a tocar). Mas num filme onde o essen­cial ficou sempre por dizer e onde nunca ninguém contou histórias explicativas, esse estranhissimo sottovoce não tem só sentido musical ou psicológico. Porque é o único momento em que uma personagem, até aí secundarissima e silenciosíssima, responde a todas as perguntas de Bonnie, exactamente como ela quer que lhe respondam. «Se me dis­seres que devo ir ter com ele, eu vou.» «Então, eu digo.» E, no mesmo plano, sem corte, e sempre com o “Adios Mariquita” a ouvir-se, Bonnie atravessa o bar e entra no escritório de Geoff. Música e murmúrios comandam tudo.
Mas tudo é igualmente comandado pelos fósforos que Geoff nunca tem, ou só tem em dois momentos capitais. Ou pelo tema re­corrente da moeda. De cada vez que Geoff e Kid têm de decidir a qual deles cabe a missão mais difícil, Kid propõe o «cara ou coroas». E ganha sempre, ou seja, perde sempre, porque é ele sempre quem vai. Mas só no voo final (o voo da morte de Kid) Geoff descobre que a moeda está viciada e só tem caras. «Doublecrossing himself» E, no final, Geoff usa-a como Kid sempre a usara. Recusa-se, como sempre se recusou, a pedir a Bonnie que fique e propõe-lhe o cara ou coroas. Caras ela fica, coroas vai-se embora. Bonnie recusa o jogo. Quer palavras, não quer sortes. Geoff parte e dá-lhe a moeda como recordação. Desespero de Bonnie. Até que começa a reparar bem na moeda e, quando percebe que ela só tem caras, percebe tudo, como tudo, antes, Geoff percebera de Kid. Esse Kid que quer ficar sózinho ao morrer, sózinho para «his first solo». Esse Kid cuja morte fez Geoff chorar lágrimas de homem, as úni­cas lágrimas de homem de um filme de Hawks.
«A man can díe only once. We owe God a debt. If we pay ít today, we don't owe ít tomorrow.» A citação, é do Henry IV de Shakespeare e é feita em tradução espanhola, por um médico local. Aparentemente, a tradução não se justifica, como aparentemente não se aplica à situação concreta em que é dita e em que ninguém morre. Mas - diálogos às três tabelas - é a epígrafe do filme. Cada um dos personagens tem, em elipse, uma dívida, cada um tem uma avaria no motor por reparar. Todos a vão pagar. Ou porque reaprenderam a viver e a acreditar. Ou porque aprenderam que a morte é o único voo que fez sentido. Quem foi que falou da lei moral dentro de nós e do céu estrelado por cima de nós? Emmanuel Kant ou Howard Hawks?
João Bénard da Costa
CURIOSIDADES:

- "Only Angels Have Wings" foi um dos 12 filmes americanos seleccionados para aquele que seria o primeiro Festival de Cannes. Infelizmente rebentou a Guerra e o Festival seria adiado por 7 longos anos.

- O filme era para ter tido o título de "Pilot Number 4"

- Como Rita Hayworth tinha dificuldades em interpretar a cena em que se encontra bêbada, Hawks instruiu Grant no sentido de lhe deitar um balde de água em cima.

- A sequência da morte de Kid, no final do filme, foi copiada, palavra por palavra, da morte de um piloto que Hawks testemunhou na vida real.

- A frase «Calling Barranca» foi posteriormente usada em diversos filmes de desenhos animados

- "Only Angels Have Wings" teve duas nomeações para os Oscars, nas categorias de Cinematografia e Efeitos Especiais.


terça-feira, junho 14, 2011

L'ARGENT (1983)

O DINHEIRO
Um filme de ROBERT BRESSON

Com Christian Patey, Vincent Risterucci, Caroline Lang

FRANÇA-SUÍÇA / 85 min / COR / 
4X3 (1.66:1)

Estreia em FRANÇA a 18/5/1983
(Festival de Cannes)
Estreia em PORTUGAL a 19/9/1983
(Cinemateca Portuguesa)
Estreia nos EUA a 24/9/1983
(Festival de Nova Iorque)


«Nem realizador nem cineasta. Esquece que fazes um filme.
Quando filmo, não realizo nada. Agarro o real, bocados do real, que, depois, disponho em conjunto numa certa ordem.»
(Robert Bresson à l’Express, 23/XII/1959)

Aos 82 anos Robert Bresson despedia-se do cinema com este filme. A sua carreira, iniciada tardiamente nos princípios dos anos 40 (o realizador e argumentista francês nasceu em Auvergne, a 25 de Setembro de 1901) abrangeria um total de apenas 13 longas-metragens, todas elas filmadas de forma muito personalizada, em que o recurso a uma mise-en-scène simples e austera, quase conventual (Bresson foi sempre profundamente religioso) se tornou na imagem de marca do seu trabalho. Este “L’Argent” não é diferente, antes reflecte toda a coerência do cinema de Bresson:
- Enquadramentos em planos aproximados e, mesmo, muito aproximados (em que no entanto os verdadeiros grandes planos são muito raros) que nos apresentam as personagens em partes dos cenários que as envolvem, e que insistem em mostrar ao espectador apenas aquilo que essas personagens vêm ou tocam («um só olhar desencadeia uma paixão, um assassínio, uma guerra. É  a força ejaculadora do olhar. E montar um filme é ligar as pessoas umas às outras e aos objectos, através dos olhares»).

- Uma fotografia clássica, orientada e cuidada, como tantas outras que disponham de um bom técnico atrás da câmara mas evidenciando-se por respeitar profundamente a história que pretende contar («a pintura ensinou-me que o que havia a fazer no cinema não eram imagens belas mas sim imagens necessárias. São como as palavras de um dicionário, só têm poder e valor pelas suas posições e relações»).

- Uma importância central conferida aos sons, em detrimento da música («Quando um som pode substituir uma imagem, esta deve ser suprimida. Um som nunca deve vir socorrer uma imagem, nem uma imagem socorrer um som. É preciso que os ruídos se tornem música. Mas só devem ser usados depois de se esgotar tudo o que se tem a dizer pela imobilidade e pelo silêncio»).

- Actores não profissionais que practicamente não representam, e que parecem a cada instante debitarem monocordicamente as suas deixas, como se falassem apenas para eles próprios («não se trata de representar “com simplicidade” ou representar “com intensidade”, mas de não representar de todo. Quando penso num filme, quando o escrevo e me vêm dizer: devia contratar um actor... É evidente que o que eu estou a escrever falhava completamente, se contratasse um actor, devia recriar tudo, transformar tudo, porque o que vai fazer o actor implicaria uma escrita totalmente diferente»).

Todos estes elementos se encontram neste derradeiro filme de Bresson. Como sempre se encontraram nos seus outros filmes também. Não há que enganar: se por acaso nos ocultassem qualquer informação sobre o filme que iríamos ver, bastavam escassos minutos para sabermos estar diante de uma obra de Bresson. A isso se chama um autor, na verdadeira acepção da palavra.

“L’Argent” esteve quase para não se fazer devido a problemas financeiros. Como nenhum produtor queria correr riscos desnecessários, o filme acabou por ser subsidiado pelo Estado francês. Jack Lang, o ministro da cultura dessa altura acabou por dar luz verde ao projecto, na condição que a sua própria filha tivesse um papel no filme. Bresson não teve outro remédio senão aceitar os termos propostos para poder realizar o seu filme. A filha do ministro é Caroline Lang, que interpreta Elise, a mulher do personagem central, Yvon Targe (Christian Patey). Baseado livremente num conto de Leo Tolstoy (“Faux Billet”), “L’Argent” evoca no entanto muito mais o universo de Dostoievski. Yvon faz-nos lembrar o Michel de “Pickpocket”, ambos trangressores da lei vigente. Mas enquanto este é o agente responsável por essa transgressão, o Yvon de “L’Argent” é alguém inofensivo que no entanto se deixa imergir numa espiral de acontecimentos que fatalmente o irão conduzir ao crime e à tragédia. Uma tragédia no sentido mais clássico, visto que Yvon (como todos à sua volta) é empurrado por um acaso que não controla nem consegue prever as consequências.

Bresson despede-se do seu público com um filme absolutamente negro, sem o vislumbre de qualquer esperança ou redenção (em contraste com a fotografia clara e luminosa de Pasqualino De Santis). É um ataque em força a um mundo regido pelo dinheiro e pelos falsos valores, onde se publicitam os luxos em capas de revistas. Já não existe lugar para os valores reais, apenas para as aparências e o supérfluo. Lucien (Vincent Risterucci), outra das personagens centrais do filme, funde-se com essa sociedade do seu tempo – uma sociedade sem escrúpulos, sem outra motivação que não a satisfação imediata de ambições e desejos. Ele mente, engana, rouba, numa simbiose perfeita com um mundo onde tudo se vende e tudo se compra. E é por causa da indiferença e do egoísmo das pessoas, que Yvon se irá transformar num criminoso depois de se ver vitimizado numa engrenagem onde reina a falsidade e o oportunismo. Yvon, o inocente, combate o Mal com um Mal ainda maior e sobretudo mais hediondo - porque a sua vítima, a Senhora dos Cabelos Grisalhos, é a única personagem de "L'Argent" que nos é apresentada como desprendida de obrigações monetárias para com a vida. Já reformada, entre ela e o dinheiro apenas existe o vínculo da sobrevivência.

Bresson dá-nos a contemplar esse caminho trágico do mal, como uma corrente que atravessa as sociedades dos nossos dias. E fá-lo, como sempre, à sua maneira muito peculiar, em que cada plano apresenta uma evidência desconcertante, como se não pudesse ser filmado de outra maneira. “L’Argent” foi nomeado para a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1983 e Robert Bresson foi distinguido nesse ano como o melhor realizador do certame, em parceria com Andrei Tarkovsky (pelo filme “Nostalgia”). A partir daqui o realizador retirar-se-ia do mundo do cinema, depois de não ter conseguido obter os apoios necessários à concretização dum projecto antigo sobre o Livro do Genesis. Viria a falecer em Paris, a 18 de Dezembro de 1999. Tinha 98 anos.