quinta-feira, dezembro 29, 2011

BLACK SWAN (2010)

CISNE NEGRO




Um filme de Darren Aronofsky


Com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder


EUA / 108 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia em ITÁLIA a 1/9/2010
(Festival do Filme de Veneza)
Estreia nos EUA a 5/9/2010
(Festival do Filme de Telluride)
Estreia em PORTUGAL a 3/2/2011


Nina: «I just want to be perfect»

Confesso desde já que não sentia a mínima vontade de ver "Black Swan", devido sobretudo a "Requiem For a Dream" que, como já tive ocasião de referir neste blogue, me colocou basicamente de pé atrás no que ao nome deste realizador diz respeito. Mas como tenho cá por casa uma ex-bailarina que nos seus tempos áureos chegou a dançar o duplo papel de Odette/Odile e que insistiu em ver o filme devidamente acompanhada, lá tive de condescender. A verdade é que não dei o tempo por mal empregue e realmente a mão que assina este "Black Swan" não parece pertencer à mesma pessoa que borrou completamente a pintura em "Requiem For a Dream". É certo que Aronofsky continua a ser um realizador hiper-valorizado - sobretudo pela nova geração de cinéfilos - mas neste caso conseguiu dar-nos um filme interessante, do qual se encontra ausente grande parte dos maneirismos insuportáveis de outrora.
Exceptuando-se alguns facilitismos a nível do argumento (os mais óbvios serão os de conotar o sexo com o lado mais obscuro do ser humano), "Black Swan" consegue, à parte certos exageros, trazer à colação os aspectos mais comuns no mundo do bailado: a dureza da profissão (amesquinhada pelas intrigas e pelas invejas), o desejo de afirmação a todo o custo ou a busca permanente pela perfeição são apenas alguns exemplos, mas que se encontram devidamente enquadrados. Acrescente-se a excelente fotografia, de matizes expressionistas, e um punhado de boas interpretações (que deu este ano a Natalie Portman um merecido Óscar, até porque os papeis das suas competidoras eram bem mais fraquinhos) e podemos considerar "Black Swan" uma agradável surpresa, sobretudo se pensarmos na pessoa por detrás da câmara. Entretanto descobri na internet um interessante e pertinente comentário, assinado por Daniel Dalpizzolo, que no essencial espelha aquilo que eu próprio penso, e que por isso transcrevo já de seguida:
Tentativa válida de um cineasta pueril

A imprensa norte-americana sente frequentemente uma necessidade de encontrar novos “gênios” do cinema, artistas que, mesmo com seus filmes ainda em produção, já são assunto das principais revistas e sites especializados, emplacando publicidades gigantescas que assolam nossa visão a todo instante e não nos deixam esquecer esses filmes nem por um dia sequer. O tempo geralmente trata de mostrar se eram realmente bons autores ou meros exemplares de uma tendência, e foi desta forma que muitos diretores tidos como bons durante certo tempo simplesmente sumiram alguns anos depois, revelando filmografias frágeis que, passada a moda na qual embarcaram, não despertavam mais o mesmo interesse.
É neste universo que, acredito, vivem os realizadores mais comentados pela imprensa norte-americana em 2010: Christopher Nolan e Darren Aronofsky. O primeiro, com seu "A Origem" / "Inception", tornou-se símbolo de um suposto cinema de entretenimento “com cérebro” ventilado aos quatro cantos do mundo; o segundo, com este "Cisne Negro", um realizador que estaria trazendo profundidade psicológica ao cinema mainstream. Convenhamos: em 2010, quem negasse a existência destes dois fenômenos estaria naturalmente fadado a parecer desatualizado. Quem falasse mal, por sua vez, era visto como maluco.
Embora filmes diferentes no resultado – e também na qualidade – que vemos em tela, são trabalhos que dividem características em comum em seus processos de concepção, na forma como se relacionam com o público e desenvolvem os seus discursos. Ambos respondem a uma necessidade de buscar-se no cinema mainstream contemporâneo algum respiro criativo, algo que nos conforte numa época em que cada vez mais os filmes comerciais parecem feitos para cachorros, muitas vezes sendo menos interessantes vê-los do que sentar numa cadeira de praia em frente ao forno giratório de assar frango e olhar o troço girar até dourar. É sim uma busca louvável, mas, até então, executada de maneira bastante pueril.
Tanto "A Origem" quanto "Cisne Negro" miram neste público, e acertam em cheio. Filmes que abordam temas pouco usuais ao cinema pop, derivados da psicologia, e que se utilizam do impacto das trucagens narrativas tão caras a estes dois diretores para venderem-se como filmes “originais” e “complexos”. Darren Aronofsky e Christopher Nolan são diretores cujo sucesso se construiu justamente na abertura de espaço para uma nova safra de cineastas, que representam o cinema moderno, cinema do século XXI, cinema do novo milênio; cinema que foge da estrutura classicista de narração e aproveita-se da fragmentação, da pós-produção digital, dos truques modernos para impressionar. Nas mãos de ambos o cinema é um quebra-cabeças, e existem duas preocupações que, nestes filmes, parecem interessar muito mais do que a própria pintura contida nele: em um primeiro momento, bagunçar as peças, desnortear o “jogador”; em seguida, conferir cada uma dessas peças cuidadosamente para ver se todas estão em seus lugares específicos. É assim que a brincadeira acaba. Quem montou, é claro, sai com um sorriso no rosto.
Falando por mim, quando se trata de arte, sou muito mais contemplar a pintura. E é por isso que, diante de um filme como "Cisne Negro", acabo acompanhando tudo com uma distância significativa. Neste caso em especial, e ao contrário de "A Origem", que é tão somente um filme muito ruim, existe algo interessante por debaixo do rocambole mirabolante, e não são poucos os momentos que realmente conseguem impressionar. Algumas sequências, beneficiadas pela atmosfera de paranoia trazida de filmes como "Repulsa ao Sexo" / "Repulsion" (Roman Polansk, 1966) e "Suspiria" (Dario Argento, 1977), fazem de "Cisne Negro" uma emulação juvenil interessante de um cinema psicológico que já não se faz mais; a relação da personagem de Natalie Portman com o trabalho em que tanto busca a perfeição, por sua vez, carrega quês de "A Hora do Lobo" / "Vargtimmen" (Ingmar Bergman, 1968) e "Videodrome – A Síndrome do Vídeo" (David Cronenberg, 1982), outros grandes clássicos desta escola de cinema que se utiliza da diluição entre o real e a alucinação para fazer suspense.
Analisando por esta definição (“diluição entre o real e a alucinação”) se percebe que, por mais interessante que possa ser, ainda existe muito caminho para filmes como "Cisne Negro" percorrerem até alcançar a mesma qualidade do grupo mencionado. E não será Aronofsky o homem a fazer isto, simplesmente porque seu estilo narrativo não permite tal desprendimento. Tudo é muito certinho, calculado, premeditado e principalmente explicitado – quando não radicalmente moralizado e induzido dentro de um discurso prévio, como no caso de "Réquiem Para um Sonho" / "Requiem For a Dream" (2001) e em algumas características deste - para que esta atmosfera se sustente após a sessão. Não há espaço para dúvidas ou abstrações, as imagens surgem para detalhar e reafirmar - depois, é claro, de brincar de confundir - as anteriores num fluxo intenso de narração que, impreterivelmente, parece sempre induzido a contar algo novo minuto a minuto, não sobrando tempo para executar seu princípio básico: observar, fazer da câmera o olhar do espectador.
Por conta disso, "Cisne Negro" carece de sequências atmosféricas e imersivas como destes filmes citados, em que seus diretores (Polanski, Argento, Bergman e Cronenberg – todos nascidos fora dos Estados Unidos, o que não passa de uma curiosidade) realmente compreendiam o peso de se penetrar na mente de uma personagem. Existem sim bons momentos em "Cisne Negro", como quando a personagem inócua e frígida de Portman, depois de ter estas características reforçadas incessantemente durante os 40 repetitivos minutos iniciais, sai com uma garota, bebe uns drinks, toma umas drogas sem saber e trepa com ela numa sequência lésbica extremamente erótica e de tirar o fôlego; ou como quando o professor interpretado por Vincent Cassel, ao tocar o corpo de Portman, deixa a bailarina excitada e solitária na pista de ensaios – para fazê-la sentir, algo que o filme de Aronofsky não faz conosco. Mas, assim como outros, são momentos que passam por este processo tão tedioso de preparação / explicação que, apesar de sua funcionalidade imediata, produzem uma empolgação que logo se esvai.
É neste vai-e-vem, através de uma história tradicional de paranóia obsessiva, que se instala "Cisne Negro", e assim Aronofsky conduz o espectador por sobre um modelo narrativo aparentemente bastante eficiente que vai fechando sua trama em explicações e truques (imagéticos e principalmente de roteiro, o que preserva o fascínio dos cinéfilos amantes de “roteiros intrincados e complexos” do cinema moderninho) cada vez mais ligeiros, até que a história chega ao seu ápice e implode em uma sequência que já nasce planejada para ser épica, antológica, apoteótica e poética para dar a "Cisne Negro" os contornos grandiosos e a definição de clássico do cinema contemporâneo que, a julgar pelos comentários tão empolgados que surgem semanalmente em listas de discussão, blogs e fóruns de internet, realmente ficará junto do filme por algum tempo. Definição que, acredito, não durará mais que uma geração.
CURIOSIDADES:

- Vincent Cassel compara a sua personagem a George Balanchine, fundador do New York City Ballet, por este ter sido um perfeccionista do controle, usando muitas vezes a sensualidade para dirigir os seus bailarinos

- Meryl Streep chegou a ser considerada para interpretar Erica, a mãe de Nina (que na peça original se chamava Alexandria)

- Natalie Portman teve aulas com o New York City Ballet durante um ano (tendo pago do seu próprio bolso a maioria dessas aulas), antes das filmagens se iniciarem. No entanto, a actriz só aparece nos números filmados da cintura para cima. Quando se vê o corpo por inteiro foram usadas duas bailarinas profissionais, Sarah Lane e Kimberly Prosa. A primeira foi quem dançou a maior parte dos ballets, tendo algumas vezes sido usados efeitos digitais para lhe colocar a cabeça de Portman no corpo. Por sua vez, Mila Kunis (que desempenha o papel de Lily), foi dobrada pela bailarina Maria Riccetto

- O toque no telemóvel de Nina é o "Theme of the Black Swan"

- Natalie Portman ganhou uma série de prémios pela sua interpretação, incluindo os três mais importantes: Óscar, Globo de Ouro e BAFTA. O filme foi ainda nomeado para mais 4 Óscares, 3 Globos e 11 BAFTA's. Ver listagem de prémios aqui

1 comentário:

Fábio Henrique Carmo disse...

Há muitos filmes na história do cinema que foram totalmente planejados para serem grandiosos, apoteóticos, retumbantes e até hoje são clássicos absolutos. O maior exemplo deles é "E O Vento Levou". Além disso, dizer que não há dúvidas e abstrações no filme é bem leviano e, além disso, acaba chamando o público de burro. E não há pior crítica do que as daqueles que se acham muito inteligentes. Se o filme se tornará ou não um clássico ou algo mais memorável, só o tempo irá dizer, não esse crítico.

Não sou exatamente um fã de "Cisne Negro", mas que esse texto do crítico me pareceu bem recalcado, pareceu.

Abraço!