terça-feira, dezembro 20, 2011

HUMAN DESIRE (1954)

DESEJO HUMANO
Um filme de FRITZ LANG






Com Glenn Ford, Gloria Grahame, Broderick Crawford, Edgar Buchanan, Kathleen Case, Peggy Maley, Diane DeLaire, Grandon Rhodes, etc.


EUA / 91 min / PB / 
16X9 (1.85:1)


Estreia nos EUA a 5/8/1954
Estreia em PORTUGAL a 22/6/1955



"She was born to be bad...to be kissed...to make trouble". Assim rezava a publicidade deste filme de Fritz Lang, remake americana de "La Bête Humaine" [Jean Renoir, 1938], e com argumento baseado no romance homónimo de Emile Zola. Tenho lido que o filme de Renoir é superior (o próprio Lang assim o pensava) mas não concordo com essa premissa. Este "Human Desire" (título não muito do agrado de Lang, que o achava redundante) é um dos melhores exemplos de film-noir que tenho memória e Gloria Grahame - num papel que esteve para ser entregue a Rita Hayworth - nunca esteve tão perversamente bela e sedutora. «Parece que foi criada para o filme negro, a não ser que seja o contrário», disse dela Tavernier, que cita um crítico americano que escreveu: «quando ela olha, olha realmente; quando está apaixonada, acreditamo-la; e quando está em apuros, em apuros ficamos também.» De facto, três características dos papeis representados por Gloria, bem em evidência neste filme.

"Scarlet Street" [1945] já falava de velhos senis a quem a frustração levava a cometer assassínios, quer na pessoa da mulher desejada perante a qual não se sentem à altura, quer na do rival que outrora a possuiu. Aqui é um marido ciumento, Carl Buckley (Broderick Crawford), que abre as feridas do passado ao insistir com a mulher para interceder por ele junto ao patrão, afim de que possa recuperar o emprego perdido. A recusa inicial de Vicky (Gloria Grahame) prende-se com o facto de em muito nova ter sido amante daquele, situação de que só com muita dificuldade se conseguiu libertar. Ansiosa por uma nova oportunidade de vida, Vicky acaba por ceder à insistência e ir ter com o velho amante. Regressa com a promessa da readmissão do marido, mas este, desconfiado, acaba por ver confirmadas as suspeitas de que a mulher se deitou com o patrão para conseguir o pretendido.

Menos por ciúme ou desejo de vingança do que para fazer de Vicky cúmplice e ligá-la de novo a ele, Carl obriga-a a escrever um bilhete para um novo encontro, na sequência do qual assassina o superior numa carruagem de comboio. Depois do crime, e mais uma vez induzida pelo marido (que agora tem em seu poder a carta incriminatória para a poder chantagear), Vicky seduz Jeff Warren (Glenn Ford), maquinista que por acaso viaja no mesmo comboio, de modo a afastá-lo das imediações do compartimento onde o crime foi cometido. Disposta a tudo para se libertar da chantagem de que passa a ser vitima, Vicky torna-se amante de Warren com o objectivo de o levar a eliminar o marido. Só que no último instante Warren arrepia caminho e é Vicky que no fim vem a sofrer as consequências.


Henri Langlois (antigo director da Cinemateca Francesa), escreveu um dia a propósito dos dois maiores cineastas alemães: «O que há de notável na obra de Murnau é a sua mobilidade. O que há de notável na obra de Fritz Lang é a sua estabilidade.» Por outras palavras, o que Langlois quis certamente salientar foi a sólida implantação arquitectónica duma inabalável estrutura nos filmes de Lang. Estrutura moral (neste homem cuja obra tem o rigor dum tratado de ética), estrutura metafísica (impossível não identificar os seus filmes com as grandes questões a que normalmente se aplica esta etiqueta), estrutura estética assente numa construção rigorosa em que o olhar dos Deuses (ou do destino) se confunde com o da câmara, abarcando todas as aventuras numa só aventura: a que inelutavelmente mantém o homem preso da fatalidade que sobre si se abate. Fatalidade que, para Lang, é o outro nome da deusa de olhos vendados, a Justiça, escrevendo direito por linhas mais que tortas.

"Human Desire" começa por nos mostrar o andamento da locomotiva conduzida por Warren e Alec Simmons (Edgar Buchanan), colegas de profissão. Da cabine de comando a câmara desce para os carris, e quando se encontra entre duas vias, com um comboio a passar à direita e outro à esquerda, os flancos lisos que desfilam são só superfícies imóveis e vibrantes que estão de repente ali e desaparecem de repente. Nunca no filme os comboios são vistos no seu movimento horizontal, nunca é comunicada a sensação de deslocação ou de viagem. É como se os dois ferroviários constituissem os órgãos vitais da locomotiva que conduzem. António Nahud Júnior, ao comentar este filme no seu blogue, "O Falcão Maltês", refere também este aspecto muito particular de "Human Desire": «...personagens decaídos que se despedaçam entre si em um universo asfixiante de apartamentos simplórios e estações de trem, de linhas ferroviárias com traçados retilíneos e restritivos, que são como uma espécie de imagem de seus próprios destinos


O cinema de Lang, neste seu último período (e "Human Desire" é um dos exemplos mais evidentes), tende a ser uma justaposição de imagens, presididas geralmente pela obsessão da simetria, filmadas com aparente impassibilidade por uma câmara quase sempre imóvel, cujas poucas deslocações obedecem apenas à mais limitada funcionalidade. Uma planificação concebida com um sentido rigoroso da síntese reduz estas obras ao que André Bazin chamou «o vazio barométrico da encenação.» Esta sobriedade e concisão convertem o Lang da velhice num dos casos mais exemplares e incompreendidos de um cineasta que levava o estilo próprio às sua últimas e mais arriscadas consequências.




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1 comentário:

amurstevens@gmail.com disse...


MEUS PARABÉNS, AO "O RATO CINÉFILO", SEU MATERIAL É DE PRIMEIRA LINHA!

VOCÊ TEM QUALIDADE!

MUITA LUZ & SAÚDE!