Um filme de ALFRED HITCHCOCK
Com Anthony Perkins, Janet Leigh, John Gavin, Vera Miles, Martin Balsam, John McIntire
EUA / 109 min / PB / 16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a 16/6/1960 (New York)
Estreia em Portugal a 22/11/1960
Norman Bates: "She might have fooled me, but she didn't fool my mother"
Após o grande sucesso de “North by Northwest”, um filme espectacular que tinha custado qualquer coisa como 4 milhões de dólares, Hitchcock pretendia fazer algo radicalmente diferente, na linha dos filmes B que na altura estavam na moda por gerarem facilmente boas receitas no box office, grande parte das vezes sem possuirem qualquer qualidade. No percurso de uma viagem comprou no aeroporto de Amesterdam um livro de bolso para se entreter no avião. Chamava-se “Psycho” e era escrito por um tal Robert Bloch. Quando chegou ao seu destino Hitchcock já não tinha dúvidas – faria daquele thriller psicológico o seu próximo filme. Comprou os direitos por nove mil dólares e decidiu rodar o filme a preto e branco porque, para além do seu já referido desejo de uma produção de baixo orçamento (“Psycho” custaria apenas 800 mil dólares) era uma maneira de tornear a censura que certamente não autorizaria a mostragem de todo o sangue descrito no livro num filme a cores.
A aposta de Hitch foi claramente ganha (“Psycho” tornou-se com os anos no maior êxito financeiro do realizador) e deve-lhe ter dado grande satisfação porque, como ele próprio sublinhou, o sucesso deveu-se não tanto ao valor do argumento ou da interpretação, mas àquilo a que chamou “puramente técnico”. «Neste filme», disse ainda, «tudo se deve à câmara, é a câmara que faz todo o trabalho. Evidentemente, não se conseguem as melhores críticas, porque os críticos só se interessam pelo argumento. Mas é preciso desenhar os filmes como Shakespeare construía as suas peças – para o público.»
Efectivamente a técnica de que Hitch fala começa logo no início do filme por nos introduzir ao pequeno mundo de Marion Crane (Janet Leigh). Depois de por alguns instantes deambular por telhados e prédios de Phoenix (somos desde logo avisados de que são 2 horas e 43 minutos da tarde de uma sexta-feira, dia 11 de Dezembro), a câmara vai-se aproximando de uma das janelas desses muitos prédios e entra na penumbra de um quarto de hotel onde Janet Leigh e John Gavin acabaram de ter uma relação sexual. Hitchcock explicou a Truffaut que a indicação da hora era importante porque sugeria ao espectador que «aquela era a única altura que ‘the poor girl’ Marion tinha para ir para a cama com o amante. A indicação da hora sugere que Marion se privou do almoço para fazer amor»
O espectador foi assim introduzido à normalidade de uma história de amor. Toda a situação parece comum ao que a experiência nos diz destes casos clandestinos, mas Hitchcock vai-se encarregar de nos fazer mergulhar nos obscuros mecanismos do subconsciente. Dá-nos a ver a banalidade das nossas vidas mas a breve trecho irá lançar-nos para fora da normalidade do dia-a-dia. Como? Fazendo-nos simpatizar com a personagem de Marion (apesar ou talvez por causa dos seus amores ilícitos) e é essa identificação que posteriormente nos leva a desculpá-la quando ela decide ficar com os 40 mil dólares em vez de os ir depositar ao Banco.
Continuamos a acompanhar Marion na sua saída da cidade, a torcer por ela, desejando que leve a sua empreitada a bom porto. Desejamos que se veja livre do polícia que por desconfiança a segue e só queremos que se desembarace rapidamente do chato vendedor de automóveis. Hitchcock faz-nos a vontade e acalma a nossa ansiedade com a chegada de Marion ao motel. Pelo menos ali Marion terá uma noite descansada. Ainda por cima o gerente, Norman Bates (Anthony Perkins no papel de toda uma vida), é um jovem tímido e simpático, que cuida da mãe enferma, e com quem Marion pode calmamente conversar.
No decurso dessa conversa (uma das sequências-chave de todo o filme) aparecem alguns indícios de que nem tudo estará bem, de que haverá por ali algumas inquietações a ter em conta: a enorme e sinistra casa sobranceira ao motel (o efeito de suspeição é criado pelo antagonismo da arquitectura das duas construções – a grande mansão na vertical, o pequeno motel na horizontal), os pássaros embalsamados (uma actividade um pouco estranha e fora do vulgar), alguns tiques nervosos de Norman, o timbre da voz de Mrs. Bates que ouvimos num diálogo à distância com o filho. Mas o final da conversa parece-nos sinal de bom presságio, até porque Marion resolveu voltar à normalidade da sua vida e regressar a Phoenix para devolver o dinheiro. Com a perspectiva do duche que ela se prepara para tomar, há como que um certo alívio em nós, acreditamos que Marion vai reencontar de novo a pacatez e, quem sabe, a felicidade a que tem direito
Daí a surpresa brutal da famosa sequência do chuveiro, que Robin Wood dizia ser provavelmente “o mais horrível crime de qualquer filme”. Há o prodígio técnico dessa sequência (70 posições da câmara em 45 segundos de filme, segundo Hitchcock), mas há sobretudo a presença do horror inesperado e sem sentido. Porque, contra todos os códigos e convenções, Hitch mata a protagonista no primeiro terço do filme, retirando-nos o personagem com que até aí totalmente nos identificávamos. A história do roubo do dinheiro perde toda a sua importância e ficamos no vazio, no mistério daquela morte absurda.
A partir daqui é outro filme que se inicia. Seguimos as investigações do amante (John Gavin) e da irmã (Vera Miles) de Marion, acompanhados pelo detective da companhia de seguros incumbido do caso (Martin Balsam), mas agora já sem a cumplicidade com que nos identificámos com Marion. O nosso polo de atenção alterou-se, agora só nos interessa saber qual a razão do crime e desvendar o mistério da relação de Norman Bates com a mãe.
Pessoalmente sempre achei que esta “segunda parte” de “Psycho” não consegue manter toda a excelência que até aí testemunhámos. Sempre senti que a morte de Marion nos tira algo que não conseguimos repôr até final. O suspense mantém-se – não nos esqueçamos que estamos na presença do mestre absoluto do género – mas já sem a envolvência total do espectador, por não haver apego emocional a qualquer outra personagem. E aquele final explicativo (sequência que o próprio Hitch teve muitas dúvidas em filmar) pareceu-me sempre um objecto estranho na narrativa do filme. A patologia de Bates está mais do que revelada nessa altura, e por isso não haveria qualquer necessidade em fazer dela uma tese académica.
Na sua entrevista com Truffaut Hitchcock fala do seu grande orgulho em ter realizado “Psycho”: «A minha principal satisfação advém de o filme ter agido sobre o público, era o que mais me interessava. Em “Psycho”, o assunto pouco me importa, as personagens pouco me importam; o que me importa é que o conjunto dos bocados de filme, a fotografia, a banda sonora e tudo o que é estritamente técnico possam fazer gritar o público. Penso que é para nós uma grande satisfação utilizar a arte cinematográfica para criar uma emoção de massa. E com “Psycho” conseguimo-lo. Não se trata de uma mensagem que tivesse intrigado o público. Não se trata de uma grande interpretação que tivesse abalado o público. Não se trata de um romance muito apreciado que tivesse cativado o público. O que emocionou o público foi o filme puro.»
CURIOSIDADES:
- Algumas das actrizes equacionadas para o papel de Marion foram Eva Marie Saint, Piper Laurie, Martha Hyer, Hope Lange, Shirley Jones e Lana Turner
- Foi o último filme de Hitchcock a preto e branco, tendo sido rodado entre 30 de Novembro de 1959 e 1 de Março de 1960.
- Hitchcock faz a sua habitual aparição (com um chapéu de cowboy na cabeça) cerca dos 4 minutos de filme, no lado de fora do escritório onde Marion trabalha.
- Sendo o filme a preto e branco Hitchcock quis enfatizar o lado psicológico de Marion ao fazê-la usar lingerie branca antes dela roubar o dinheiro e lingerie preta depois do furto. De igual modo em relação à bolsa da personagem - branca antes, preta depois.
- "Psycho" foi o primeiro filme americano a mostrar uma sanita numa casa de banho. A ideia partiu do argumentista Joseph Stefano, que escreveu uma cena de propósito para esse fim - fez Marion rasgar uma folha de papel em pequenos bocados e lançá-los em seguida na sanita
- O cachet de Anthony Perkins foi de 40 mil dólares, exactamente a quantia roubada por Marion Crane
- Quando do lançamento, "Psycho" beneficiou de uma grande campanha publicitária, tendo sido rigorosamente proibida a entrada de espectadores na sala depois do início do filme. No foyer um gravador repetia a espaços o tempo que faltava para a sessão começar e num cartaz podia ler-se a seguinte mensagem assinada por Alfred Hitchcock: "The manager of this theatre has been instructed at the risk of his life, not to admit to the theatre any persons after the picture starts. Any spurious attempts to enter by side doors, fire escapes or ventilating shafts will be met by force. The entire objective of this extraordinary policy, of course, is to help you enjoy PSYCHO more."
- Em 2007 o American Film Institute classificou "Psycho" em 14º lugar da lista dos melhores filmes de sempre
- Toda a música, da autoria de Bernard Herrmann é tocada apenas por instrumentos de corda. Hitchcock ficou tão agradado com o efeito da música no filme que duplicou o salário de Herrmann
2 comentários:
Parabéns por mais este excelente post sobre um dos filmes mais relembrados do colectivo cinéfilo.
Acabei de rever Psico e senti o mesmo arrepio e emoção, passados tantos anos.
Psico é uma melhores obras de suspense de sempre.
Rolando Silva Raimundo
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