sexta-feira, setembro 30, 2011

FADOS (2007)

FADOS
Um filme de CARLOS SAURA


Com Mariza, Carlos do Carmo, Camané, Caetano Veloso, Chico Buarque, Lila Downa, Toni Garrido, Lura, Argentina Santos, Catarina Moura, Cuca Roseta, Miguel Poveda


PORTUGAL - ESPANHA / 93 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia no CANADÁ a 6/9/2007
(Festival de Toronto)
Estreia em PORTUGAL a 4/10/2007

Apresentado pela primeira vez ao público português numa estreia de gala em Lisboa, no dia 4 de Outubro de 2007, “Fados”, de Carlos Saura, tem alcançado um notório sucesso ao longo destes 4 anos, qualquer que seja o País em que seja apresentado. «Como é que um espanhol se atreve a vir a Portugal para fazer um filme sobre fados?», foi a pergunta colocada pelo próprio realizador nessa altura, considerando-se logo de seguida um felizardo por ter sido ele o autor de algo que nenhum português se tinha lembrado de fazer. Autor de outros filmes ditos musicais – “Carmen” (1983), “Sevillanas” (1992), “Flamenco” (1995) e “Tango” (1998) – Saura soube mostrar com inegável bom gosto a música e o mundo do Fado, por onde desfilam nomes que dispensam apresentação, quer da cena artística portuguesa quer da internacional. Mariza, Carlos do Carmo, Camané, a mexicana Lila Downs ou os brasileiros Caetano Veloso e Chico Buarque são alguns desses nomes.

Filme sem argumento, “Fados” é apenas uma colagem de momentos musicais, sem ter qualquer pretensão a documentário, como erradamente é comum apelidá-lo. O próprio Saura já desfez quaisquer dúvidas que pudessem existir ao declarar que a única coisa que procurou foi o prazer de escutar e difundir um género musical que se presta às variações mais diversas, desde a interpretação dita “clássica” ao mais verbal dos “hip-hop”. A propósito, esta peculiar interpretação (uma homenagem a Alfredo Marceneiro) tem arrepiado os ouvidos dos puristas mas, como muito bem lembrou Carlos do Carmo, o Ti Alfredo sempre foi um vanguardista e provavelmente teria apreciado tal ousadia. Mas passemos a palavra ao realizador espanhol:

«O cinema musical pode adoptar várias formas, mas considero que o seu estado mais puro é aquele que não se submete a um argumento do tipo narrativo. Neste caso, as histórias que se vão contar já se encontram nos próprios Fados e o material visual básico serão os fadistas, os músicos e os bailarinos que os interpretam. Porque se trata de fazer um filme sobre os Fados. Cresci com eles, com a voz e presença de Amália Rodrigues. Nos temas que não domino, procuro rodear-me dos melhores especialistas no tema. Assim fiz no passado e assim farei agora, nem que seja pelo respeito e pelo carinho que merece o nosso país vizinho, tão próximo e às vezes tão desconhecido.

Uma das vantagens de um musical, tal como o entendo, é a possibilidade de modificar a iluminação no caminho, de alterar cenários, utilizar todos os elementos modernos que temos à nossa disposição: espelhos de cristal e de plástico, luzes intermitentes, sombras, projecções, imagens digitais… A única obrigação é a de seguir o ritmo musical e não traír esse “tempo interno” que a execução, o canto, o bailado impõem por si só. Por outro lado, é necessário encontrar soluções que permitam ir um pouco mais além do que poderia resultar de  um documentário bem realizado. Tem de se procurar “esse algo mais” que ofereça ao espectador uma perspectiva distinta, um enfoque diferente no desenvolvimento da obra, que o “guie” através de uns olhos que não são os seus.

Não se trata de fazer um filme sobre a história e a evolução do Fado, e muito menos de fazer uma visita aos lugares onde se canta o Fado em Lisboa (o que já foi feito em outras ocasiões), trata-se de fazer um filme essencialmente visual, pelo que é necessário encontrar as imagens que transmitam o ritmo necessário: uma vezes pela surpresa, outras pela beleza plástica e outras pela qualidade dos fados e dos fadistas. Um aspecto que tenho procurado sempre nos meus trabalhos musicais é o de abrir novas perspectivas, ou seja, ancorar onde o Fado se abre para o futuro. Este é um tema delicado, mas que trataremos com muito respeito, buscando novos caminhos e orientações.

O fado identifica-se principalmente pela saudade: a nostalgia daqueles que ficaram em Portugal com a recordação daqueles que atravessaram os mares para não voltar e dos que partiram com a recordação da terra onde nasceram. Daí o cruzamento de ritmos e músicas entre a Europa, América e África numa incessante viagem de ida e volta. Hoje encontramos essa saudade tão portuguesa: tristeza, melancolia e lamento nas letras e na forma de cantar os Fados. São, na minha opinião, os Fados mais bonitos e existem centenas de exemplos maravilhosos. Por outro lado, não descuramos canções e bailes festivos (alguns já esquecidos no Portugal actual) e que quisemos recuperar e actualizar, pois estão relacionados com a evolução do Fado»

É costume cantar-se o Fado de olhos fechados, mas este filme de Carlos Saura merece ser visto de olhos bem abertos. Entre o genérico inicial (“Fado da Saudade“, de Carlos do Carmo) e o final (“Ó Gente da Minha Terra”, de Mariza), são 18 quadros musicais, com cenários simples mas eficazes, que cumprem a missão de ceder o foco principal à música e aos seus intérpretes. Todos eles de grande qualidade, mas é justo destacarem-se as prestações de Mariza no tema “Transparente”, impregnado de matizes moçambicanas; de Lila Downs na feliz recriação do fado de Lucília do Carmo, “Foi na Travessa da Palha”; de Caetano Veloso na pungente versão de “Estranha Forma de Vida” (uma sentida homenagem à grande Amália) e aquele magnífico quadro final, onde se recria o ambiente de uma casa de fados típica (a reter as vozes de Carminho e Ricardo Ribeiro, as novissimas vozes do Fado).

“Fados” já se encontra disponível em DVD – aconselha-se obviamente o Blu-Ray – e entre os diversos extras é de destacar uma tertúlia muito especial onde, à volta de uma mesa, alguns dos intervenientes no filme vão conversando descontraidamente com o jornalista Nuno Galopim, quer sobre o filme quer sobre outros assuntos. São cerca de 90 minutos de interessante e animada cavaqueira, no decorrer da qual ainda somos brindados com 4 temas, interpretados ao vivo por cada um dos fadistas presentes.

A banda-sonora encontra-se disponível neste blogue

sexta-feira, setembro 23, 2011

BIO-FILMO: ANTHONY PERKINS

Nascido a 4 de Abril de 1932, em Nova Iorque
Falecido a 12 de Setembro de 1992, em Hollywood

«I have learned more about love, selflessness and human understanding from the people I have met in this great adventure in the world of AIDS than I ever did in the cutthroat, competitive world in which I spent my life»

Existem actores que passam ao lado de uma grande carreira no cinema e que no entanto são recordados para sempre por causa de um único filme. Anthony Perkins foi um desses actores e “Psycho”, do mestre Alfred Hitchcock, foi, obviamente, o filme que em 1960 lhe trouxe a fama eterna (seriam feitas mais duas sequelas e um terceiro filme para televisão, mas todos eles perfeitamente escusados). Admirador confesso de Orson Welles (com quem rodou um dos seus filmes mais conhecidos, “The Trial”) e de Elvis Presley (deu o nome do Rei do Rock ao filho mais velho, nascido em 1976), Perkins nasceu em Nova Iorque, a 4 de Abril de 1932 (no mesmo dia do que o realizador soviético Andrei Tarkovsky). Filho único, teve problemas do foro psíquico desde muito novo, o que o levou a submeter-se por várias vezes a tratamentos específicos.

O pai, James Osgood Perkins, actor teatral relativamente conhecido na Broadway, morreu quando Perkins tinha apenas 5 anos. Educado pela mãe, estuda no Brown College e no Nichols Institute de Palm Beach, na Florida, e mais tarde inscreve-se no Rollins College (1951-1952) e na Columbia University (1952-1953). Inicia-se nos palcos em companhias de amadores e, nos meses de Verão, em grupos profissionais. Estreia-se no cinema em 1953 e durante três anos desempenha diversos papeis em séries televisivas. Pouco antes de acabar os estudos, é chamado à Broadway pela Playwright’s Company para interpretar, ao lado de Joan Fontaine, a peça “Chá e Simpatia”, como substituto de John Kerr. Em 1956 regressa ao cinema pela porta grande, pois seria nomeado para o Oscar de melhor actor secundário pelo filme “Friendly Persuasion”, de William Wyler, uma história de Quakers passada em 1862, e na qual Perkins desempenha o papel do filho de Gary Cooper.


Anthony Perkins foi um homem sensível e inteligente que sofreu bastante ao longo da sua vida, quer no campo pessoal quer no profissional, no qual foi usado (e abusado) pelos tubarões de Hollywood que o obrigaram a desempenhar papeis em filmes que ele sabia de antemão não terem qualquer valor artístico, conforme desabafou mais tarde numa entrevista: «I spent a couple of years playing parts in which I was supposed to be a decisive person, but all the while I was in torment over the feeling of being a total cipher. It just about paralysed me.»

Durante a sua carreira viria a ganhar diversos prémios de interpretação, como o Globo de Ouro em 1957 (actor mais promissor) e o troféu Edar Allen Poe em 1974 (pelo filme “The Last of Sheila”). Foi distinguido ainda como o melhor actor do Festival de Cannes de 1961 (por “Goodbye Again / Aimez-Vous Brahams?”). Entre 1962 e 1971, Perkins desenvolveu uma bela carreira na Europa, tendo oportunidade de actuar sob a direção de cineastas prestigiados, tais como Claude Chabrol, André Cayatte, René Clément, Anatole Litvak, Jules Dassin, Orson Welles, Edouard Molinaro, entre outros.


Depois de ter mantido um caso com a actriz Victoria Principal no final dos anos 60, Perkins veio a casar-se com a fotógrafa de modas Berinthia Berenson, irmã de outra conhecida actriz (Marisa Berenson) a 9 de Agosto de 1973. Do casamento, que durou 19 anos, até à morte do actor em 1992, nasceram dois filhos. Apesar desse lado familiar, Perkins sempre manifestou tendências homossexuais ao longo da vida, o que o levou a ser contaminado com o vírus da SIDA, em 1989 (o actor só aceitou realizar as respectivas análises depois da saída de um artigo no jornal “National Enquire” que o dava como bi-sexual e relatava o seu envolvimento, no passado, com o actor Tab Hunter, o bailarino Rudolf Nureyev e o dançarino-coreógrafo Grover Dale). A mulher, Berry, viria a falecer tragicamente a 11 de Setembro de 2001 – ia a bordo do primeiro dos fatídicos vôos que embateram no World Trade Center, em Nova Iorque. Como curiosidade, assinala-se ainda a ordenação de Perkins como ministro da Paz, tendo celebrado o quarto casamento de Dennis Hopper, em 1989.


Para além da sua carreira no cinema, Anthony Perkins editou ainda três albuns de canções: “Tony Perkins” (Epic LN-3394, 1957), “From My Heart” (RCA Victor LPM-1679, 1958) e “On a Rainy Afternoon” (RCA Victor LPM-1853, 1958) e diversos singles, tendo um deles, “Moonlight Swim”, atingido o TOP 30 da Billboard, em 1957.  Disponibiliza-se aqui uma coletânea que inclui o primeiro album, e uma série de temas editados no pequeno formato de 45 rpm: salientam-se os últimos quatro, que apareceram num raro Extended Play de 1961, gravado em francês.


FILMOGRAFIA:
1992 – Los Gusanos No Llevan Bufanda
1991 – Der Mann Nebenan
1989 – Edge of Sanity / À Beira da Loucura
1988 – Destroyer / A Sombra do Assassino
1986 – Psycho III / Psico III
1984 – Crimes of Passion / As Noites de China Blue
1983 – Psycho II / Psico II
1980 – Double Negative
1979 – The Black Hole / Abismo Negro
1979 – Twee Vrouwen
1979 – Winter Kills / Pela Mira da Espingarda
1979 – North Sea Hijack / Assalto no Alto Mar
1978 – Remember My Name / Recorda o Meu Nome
1975 – Mahogany
1974 – Murder on the Orient Express / Crime no Expresso do Oriente
1974 – Lovin’ Molly
1972 – The Life And Times of Judge Roy Bean / O Juiz Roy Bean
1972 – Play It s It Lays
1971 – Quelqu’un Derrière la Porte / Dívia de Ódio
1971 – La Décade Prodigieuse / A Década Prodigiosa
1970 – WUSA / Muro de Separação
1970 – Catch 22 / Artigo 22
1968 – Pretty Poison / Doce Veneno
1967 – Le Scandale / Champanhe Escandaloso
1966 – Paris Brûle-t-il? / Paris Já Está a Arder?
1965 – The Fool Killer
1964 – Une Ravissante Idiote / Uma Encantadora Idiota
1963 – Le Glaive et la Balance
1962 – Le Couteau Dans la Plaie / A Fronteira da Noite
1962 – The Trial / O Processo
1962 – Phaedra / Fedra
1961 – Goodbye Again (Aimez-Vous Brahms?) / Mais Uma Vez Adeus
1960 – Psycho / Psico
1960 – Tall Story / Adeus, Inocência
1959 – On the Beach / A Hora Final
1959 – Green Mansions / A Flor Que Não Morreu
1958 – The Matchmaker / Viva o Casamento
1958 – Desire Under the Elms / Desejo Debaixo dos Ulmeiros
1958 – This Angry Age / Esta Terra Amarga
1957 – The Tin Star / Sangue no Deserto
1957 – Fear Strikes Out / Vencendo o Medo
1957 – The Lonely Man / O Cavaleiro Solitário
1956 – Friendly Persuasion / Sublime Tentação
1953 – The Actress / A Actriz

PORTFOLIO - ANTHONY PERKINS

sábado, setembro 17, 2011

UNKNOWN (2011)

SEM IDENTIDADE


Um filme de JAUME COLLET-SERRA


Com Liam Neeson, Diane Kruger, January Jones, Aidan Quinn, Bruno Ganz, Frank Langella, Sebastian Koch


ALEMANHA - EUA / 113 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia nos EUA a 16/2/2011
Estreia na Alemanha a 18/2/2011
(Festival Internacional de Berlim)
Estreia em PORTUGAL a 5/5/2011



Dr. Martin Harris: «Do you know what it feels like to become insane, doctor? It's like a war between being told who you are and knowing who you are. Which do you think wins?»

Apesar de ser baseado numa novela original (“Out of My Head”, do escritor francês Didier Van Cauwelaert), “Unknown” vai directamente beber inspiração a “Frantic”, o trepidante thriller que Roman Polanski escreveu (de parceria com Gérard Brach) e realizou em 1988. Só que o ambiente kafkiano que está subjacente aos dois filmes é mais duradouro e melhor explorado no primeiro. Aqui, no filme do espanhol Jaume Collet-Serra, aguenta-se cerca de uma magnífica hora, a partir da qual vai degenerando progressivamente e sem retorno para o mais banal dos thrillers e filmes de acção. Uma pena.
Tudo começa na vinda a Berlim de um casal de americanos, o cientista Dr. Martin John Harris (Liam Neeson, actor cada vez mais requesitado para este tipo de filmes) e a esposa, Elizabeth (January Jones, a Elenore do recente “Barco do Rock”). O objectivo da deslocação à capital germânica é uma conferência sobre bioquímica, para a qual Martin foi convidado a fazer uma palestra. Na chegada ao hotel, e enquanto Elizabeth entra no lobby para fazer o respectivo check-in, Martin apercebe-se que deixou ficar a sua pasta pessoal no aeroporto e toma de imediato um táxi para voltar ao terminal buscá-la. Só que…, não chega ao seu destino. O táxi tem um acidente (cai de uma ponte ao rio Spree) e Martin perde a consciência, enquanto a motorista, Gina (Diane Kruger, a Bridget de “Sacanas Sem Lei”), se afasta do local, como que receando alguma coisa (saberemos mais tarde que se trata de uma imigrante ilegal e sem carta de condução).
Martin permanece em coma durante 4 dias, ao fim dos quais acorda no Hospital para uma nova realidade. Não tem nenhuma identificação consigo, não fala alemão, e só se lembra parcialmente do que lhe aconteceu. A situação vai de mal a pior quando finalmente consegue contactar Elizabeth no Hotel. Esta diz-lhe que nunca o viu na vida e, mais desconcertante ainda, está devidamente acompanhada pelo marido, o “verdadeiro” Dr. Martin Harris. “Unknown” arranca assim da melhor maneira possível, numa sucessão de acontecimentos a roçar o surrealismo, que prende efectivamente a atenção do espectador. Mas infelizmente nada é o que parece e quando as “explicações” se começam a vislumbrar, o filme altera a sua rota e vai naufragando em águas cada vez mais agitadas. A acção irrompe por todos os lados, submergindo quase por completo todo aquele clima de tensão e suspense presente na primeira metade.
Mas será que tudo se perde neste filme? Julgo que não, julgo que apesar de tudo “Unknown” se consegue equilibrar no arame, acabando o conjunto final por ficar a constituir um bom entretenimento. Que no entanto ficará sempre aquém daquilo que o filme poderia ter sido, não fôra o ênfase dado às sequências de acção: longas e, em alguns casos, perfeitamente escusadas. Uma referência final à presença de dois actores da “velha guarda”: Frank Langella e sobretudo Bruno Ganz, esse excelente actor nascido na Suíça e já com a bonita idade de 70 anos, que contribuem para dar ao filme uma certa credibilidade, pese embora as muitas pontas soltas que percorrem o argumento. Voltando à comparação estabelecida logo no início deste comentário, pode-se recomendar, sem hesitar, a visão de “Unknown” a todos quantos adoraram “Frantic”. E também aos fans de thrillers e filmes de acção em geral. Com uma pequena ressalva: Serra não é Polanski e definitivamente encontra-se a muitas milhas do mestre de todos os suspenses, Sir Alfred Hitchcock.