terça-feira, setembro 13, 2011

BANANAS (1971)

BANANAS
Um filme de WOODY ALLEN




Com Woody Allen, Louise Lasser, Carlos Montalban, Natividad Abascal, Jacobo Morales, Miguel Suarez, David Ortiz, Sylvester Stallone

EUA / 82 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA a 28/4/1971 (New York)
Estreia em MOÇAMBIQUE a 8/9/1972
(LM, teatro Gil Vicente)


Esposito: «From this day on, the official language of San Marcos will be Swedish. Silence! In addition to that, all citizens will be required to change their underwear every half-hour. Underwear will be worn on the outside so we can check. Furthermore, all children under 16 years old are now... 16 years old!»

Desde o início da sua carreira que Woody Allen nos habituou a vê-lo em várias funções no cinema - como argumentista, como actor, como realizador. Por esta ordem, atendendo a que só depois de ser actor é que dirigiu um filme e porque foi pela escrita que ele começou o seu brilhante trajecto, quando logo aos 17 anos começou a idealizar gags para alguns dos cómicos da época: Sid Caesar, Garry Moore, Sid Corney, tornando-se rapidamente um dos nomes mais importantes do show business e da TV americana. Foi o autor ainda de algumas peças de teatro (mais tarde adaptadas ao cinema), sendo também conhecido por alguns livros e discos humorísticos. A primeira contribuição para o cinema, dá-se em 1965 (no filme “What’s New Pussycat”, de Clive Donner – como argumentista e actor), tendo continuação dois anos depois nos filmes “Casino Royale” (colaborou no argumento, embora não creditado) e “What’s Up Tiger Lily?” (adaptação de um filme de espionagem japonês). 1969 é o ano em que pela primeira vez é o responsável total: pelo argumento, pela realização e como intérprete. O filme chamou-se “Take The Money and Run” e marcou o início do contacto de Woody Allen com o público cinéfilo.

Durante meia dúzia de anos, Allen iria comportar-se como um agricultor que lança as sementes à terra. “Bananas” (1971), “Play It Again, Sam” (1972), “Everything You Always Wanted To Know About Sex, But Were Afraid To Ask” (1972), “Sleeper” (1973) e “Love And Death” (1975), para além do primeiro filme, foram os campos que receberam as ideias, os gags, os tiques de um artista que nunca mais abandonaria as lides cinematográficas. Como sabemos hoje, mais de 40 anos passados, aquelas terras virgens tornar-se-iam extremamente férteis, tendo a primeira grande colheita sido feita logo em 1977, quando “Annie Hall” se estreou.

De todo este seu período inicial, o filme que mais se aproxima de “Annie Hall” é talvez “Play It Again, Sam”, onde, curiosamente, Allen não assina a realização (que esteve a cargo de Herbert Ross), mas no qual a sua imagem de marca se faz sentir fortemente, quer pela autoria do argumento (segundo a sua própria peça) quer pela inesquecível interpretação do herói que sonhava com Humphrey Bogart. Mas hoje quero recordar este seu segundo filme, “Bananas”, que foi um dos grandes responsáveis pela notoriedade que Allen passou a usufruir nos quatro cantos do mundo. Para a grande maioria do público foi mesmo o primeiro contacto com este judeu nova-iorquino, de seu nome completo, Allen Stewart Konisgsberg, nascido em Brooklyn, a 1 de Dezembro de 1935.


Com um orçamento de 2 milhões de dólares, “Bananas” inicia-se com uma reportagem em directo da República de San Marcos, sobre o anunciado assassínio do presidente em funções: «Good afternoon. Wide World of Sports is in the little republic of San Marcos where we're going to bring you a live, on the spot assassination. They're going to kill the president of this lovely Latin American country and replace him with a military dictatorship. And everybody is about as excited and tense as can be. The weather on this Sunday afternoon is perfect; and if you've just joined us, we've seen a series of colorful riots that started with the traditional bombing of the American embassy - a ritual as old as the city itself.»  Ou seja, logo nos primeiros minutos do filme estão lançados os dados para uma comédia subversiva, com muito nonsense à mistura, à boa maneira do humor delirante de uns Marx Brothers.

Aliás, de todos os cómicos emergentes no final dos anos 60, Woody Allen era aquele que mais se aproximava do humor de Groucho Marx. E que utilizava melhor o diálogo nesse sentido, soltando réplicas repentistas que liquidavam o interlocutor pela lógica e pela agressividade. Neste início de carreira Allen não tinha já qualquer problema em assumir as suas origens, usando o riso como uma espécie de exorcismo para controlar uma realidade que lhe escapa. Kafka demonstrou-o na literatura. Woody Allen repete-o em cada filme seu. Albert Memmi, um outro judeu lúcido, escreveu: «Quando o revoltado não pode revoltar-se, ri.» É isso que Allen faz. Inventa a ironia para desarmar a adversidade, antecipa a crítica pela auto-crítica, expondo-se tal como é (ambições e desejos, mesmo os mais íntimos) perante a câmara que ele próprio vai orientando.

Woody Allen gosta de fazer cinema e gosta de fazer rir. Olha para a sociedade que o rodeia, arranca-lhe os podres, toca-lhe nos pontos fracos, destrói-lhe a camada de verniz que a cobre, e atira-a para a tela, com o ar truculento e brincalhão dum menino que, com a maior das inocências, desmanchou a telefonia do pai, só para ver como era. O resultado é quase sempre pouco cerimonioso, Allen diz o que tem a dizer sem papas na língua. Mostra o que tem a mostrar sem filtros nas lentes. E sabe muito bem que o burlesco, quando verdadeiramente burlesco, é duma agressividade feroz e acerada que não perdoa.

Nunca teve o génio de um Chaplin ou de um Bergman, mas reconheceu-o sempre, ao elogiar sem reservas todos os seus ídolos, ao longo dos anos e no decurso de muitas entrevistas e escritos. E a prestar-lhes os devidos tributos, como não se coíbe de o fazer neste seu segundo filme. Como por exemplo a Eisenstein (um carrinho de bébé a descer umas escadarias, tal como no “Couraçado Potiemkin”) Keaton (a cena das execuções em série) , Bergman (o sonho descrito na psiquiatra, com conotações óbvias a “Wild Strawberries”) ou a Chaplin: as sequências da experimentação dos novos dispositivos nos locais de trabalho e a liderança de um grupo de religiosos com a chave de porcas em cruz (alusões directas a “Modern Times”).

Mas para lá destes piscar de olhos aos clássicos, os gags são o elemento fulcral de “Bananas”, acumulando-se ao longo dos 82 minutos de duração do filme: a compra das revistas pornográficas, a ajuda eficaz ao parqueamento de um carro, a pequena orquestra de cordas a acompanhar o jantar que toca sem instrumentos, os preparativos para a sedução de Nancy (Louise Lasser, actriz acabada nessa altura de se divorciar de Allen), os treinos de guerrilha, toda a sequência do tribunal, a publicidade na igreja de uma nova marca de cigarros, o “Novo Testamento” («eu fumo», diz o padre. E acrescenta: «e Ele também!»), que originou um voto de protesto da Igreja católica sobre o filme, ou ainda a última reportagem em directo sobre a noite de núpcias do casal, a evocar certamente o bed-in de John e Yoko em Amsterdam alguns anos antes.

“Bananas” é uma comédia hilariante, que poderá parecer datada aqui ou ali, mas que continua a divertir-nos porque, no fim de contas, o mundo não mudou assim tanto. E as repúblicas das bananas, chefiadas por pequenos ditadores, continuam a existir, um pouco por todo o lado. Além disso é um filme-charneira, tremendamente inovador, que influenciou muitos realizadores das décadas subsequentes, nomeadamente Mel Brooks, Jim Abrahams e David Zucker, herdeiros legítimos deste humor absurdo e delirante mas extremamente eficaz. E que nos continua a fazer muito felizes.

CURIOSIDADES:

- Numa entrevista da época perguntaram a Woody Allen qual a razão do título do filme. A resposta foi: «chama-se “Bananas” por não existirem bananas nele»

- A grande maioria das cenas foram todas improvisadas.

- O facto de não aparecer uma gota de sangue no filme, mesmo nas cenas das execuções, foi deliberado e intencional, devido a Allen ter pretendido manter um tom de farsa em todo o filme

- A sequência dos músicos a tocarem mimicamente ficou a dever-se aos instrumentos encomendados não terem sido entregues a tempo e horas. Allen não pensou duas vezes e filmou toda a cena sem os instrumentos.

- O actor Sylvester Stallone pode ser visto no papel de um deliquente que juntamente com outro atacam Allen no metropolitano.


2 comentários:

José Morais disse...

A minha dependência alleniana (hoje em dia muito mais controlada) começou por aqui também.

Billy Rider disse...

De certo modo tenho saudades deste período inicial do Woody Allen. É verdade que posteriormente ele nos deu um punhado de bons filmes - alguns mesmo excelentes - mas começa já a repetir-se muito. E a candura dos primeiros filmes perdeu-se para sempre.