segunda-feira, julho 18, 2011

AMERICAN GRAFFITI (1973)

NOVA GERAÇÃO
Um filme de GEORGE LUCAS



Com Richard Dreyfuss, Ron Howard, Paul Le Mat, Charles Martin Smith, Cindy Williams, Candy Clark, Mackenzie Phillips, Bo Hopkins, Wolfman Jack, Harrison Ford


EUA / 112 min / COR / 
16X9 (2.35:1)



Estreia nos EUA a 11/8/1973
Estreia em MOÇAMBIQUE a 22/3/1974
(LM, Teatro Gil Vicente)

XERB Disc Jockey: «Get your bugaloos out baby! The Wolfman is everywhere»

Where were you in ’62?”, perguntava a publicidade americana no cartaz de lançamento do filme. Em 1962, no filme de George Lucas, estava um punhado de jovens nascidos nos finais da 2ª Guerra Mundial e que na altura contavam entre 16 e 18 anos – uma “Nova Geração”, título mais ou menos insípido com que em Portugal foi baptizado “American Graffiti”.

A grande maioria desses jovens encontra-se numa fase crucial da vida em que o tempo do liceu chega ao fim. Naquela precisa altura ainda não se tem a devida noção da importância da encruzilhada, mas é um tempo que estará para sempre presente ao longo dos anos. Uns irão trabalhar na cidade que se fecha para os receber, outros preparam-se para voar até outras paragens e descobrir novas vivências. Mas para quase todos eles o destino encontra-se algures num novo conflito que aos poucos os irá envolver a todos: a Guerra do Vietname. Só que eles não o sabem ainda e por isso, naquele alvorecer da década de 60, o que importa mesmo é o Rock 'n' Roll e os namoricos de uma adolescência que está a chegar ao fim.

Aparentemente nada de importante se passa na América daquele ano de 1962. Isolados do mundo na sua pequena aventura provinciana, estes jovens desamparados disputam entre si a primazia da velocidade e das conquistas efémeras de uma noite de Verão. Na vida americana o automóvel sempre ocupou lugar de destaque - como sintoma de prestígio social, como arma, como elemento erótico por excelência. E naqueles inícios da década de 60 o carro era o símbolo preponderante na emancipação do adolescente americano (anos mais tarde a motorizada voltaria a ter a importância que já tivera na década de 50), passaporte seguro para aventuras sensuais de resultados duvidosos, mas promissores. “American Graffiti” documenta essa noite americana e o bailado dos automóveis percorrendo languidamente as ruas da cidade (o termo em inglês é o intraduzível “cruising”).

Mas ouçamos o próprio George Lucas: «A verdadeira mística do “cruising” é uma coisa de que nós, hoje em dia, não temos experiência. Parece simplesmente andar de automóvel, mas encerra, no início da década de 60, uma mística própria – trata-se dos contactos entre rapazes e raparigas. É uma das poucas maneiras possíveis de conhecer raparigas, quando se é demasiadamente novo para frequentar certos locais de convívio reservados aos adultos. Pode vir a conhecer-se uma pessoa somente numa semana inteira – faz lembrar a actividade de alguém que vai à pesca. Esta actividade está relacionada com o próprio sentimento da identidade pessoal, e com o desejo de suplantar os outros, quer seja vencendo-os em lutas, quer seja tendo o automóvel mais cobiçado, ou o maior número de raparigas.»

Filmado sequencialmente e apenas em 29 dias (sempre em período nocturno, das 9.00 da noite às 6.00 da madrugada), num estilo quase de documentário e com um orçamento diminuto (um montante curioso: 777,777,77 dólares), “American Graffiti“ exemplifica de uma forma ímpar o espírito da geração que, no final da década de 60, transformou por dentro o cinema americano, preparando o “renascimento” da década de 70.

Mas demos a palavra uma vez mais a George Lucas«Tive uma bolsa para trabalhar com Coppola. Depois de “Finian’s Rainbow”, colaborei com ele em “The Rain People”. Instalámo-nos em São Francisco, donde nunca mais saí, e ele fundou a sua companhia, a Zoetrope. Foi na Universidade que fiz a maior parte dos meus actuais amigos. Quanto a Martin Scorsese e Brian De Palma, estudavam no Leste, enquanto eu estava na Califórnia. Stephen Spielberg estudava em Long Beach State. Na USC estavam John Milius, Matt Robinson, Hal Barwood, William Huyck que eram argumentistas. Francis Coppola tinha mais cinco anos do que nós, o que naquela idade representava uma enorme diferença. Ele tinha estudado na UCLA e, para nós, era o primeiro homem que, saído de uma escola de cinema, tinha triunfado em Hollywood. Era um fenómeno aos nossos olhos: tinha aberto as portas. Antes era preciso conhecer alguém; sem isso não se tinha nenhuma hipótese de se chegar a realizador. Todos os meus amigos me seguiram para San Francisco. Estávamos todos marginalizados; os velhos profissionais olhavam-nos de alto, o que criou laços muito fortes entre nós.»


"American Graffiti” é, para todos os efeitos, o paradigma da colaboração Lucas-Coppola. Nesta história de quatro amigos inscrevem-se todos os sinais da mudança que o cinema americano então sofria. Um dos primeiros sinais é, naturalmente, o da sua juvenilização temática. A um primeiro nível Lucas-Coppola servem-se de “American Graffiti” para ajustar contas com os anos 50. A ninguém escapa a evocação do mito de James Dean que vemos através da figura de John Milner, mas a ninguém escapa também que o tratamento do “mito” está longe de ser exaltante, surgindo antes pelo contrário como uma referência a ultrapassar: «You just can’t stay young forever», explica Steve a Curt – e é no mínimo significativo que, anos mais tarde, a ”moral” dos “Outsiders” de Coppola vá numa direcção completamente oposta.

Além do mito-Dean, a outra grande referência de “American Graffiti” é o cinema de Nicholas Ray. Repare-se, todavia, na mudança de registo. Quem se poderá esquecer das “alvoradas trágicas” que culminavam os “rebel-films” de Ray? É ainda essa figura que Lucas retoma para fechar o seu filme, muito embora nada haja de trágico na luz dourada do nascer do dia: a corrida entre Milner e Falfa não acrescenta nada de novo ao personagem de Milner (não é como a de “Rebel Without a Cause” uma trágica lição de crescimento) e para Steve e Laurie o reencontro tem muito de “self-indulgent”, sem essa grandeza romântica que ligava James Dean a Nathalie Wood no filme de Ray.

O grande personagem de “American Graffiti” – e o personagem verdadeiramente novo pelo seu espírito – é Curt (uma promissora estreia de Richard Dreyfuss). Nele e por ele é que o filme de Lucas se define pela positiva, contrapondo à sua natureza nostálgica um optimismo liberal e ingénuo que reflecte afinal o espírito de Coppola e de Lucas (e o da geração deles) quanto à sua aventura no cinema americano. Para Curt, a memória (e nesse campo “American Graffiti” é pródigo, evocando canções, carros, roupas, comportamentos que fizeram história no fim dos anos 50 e começo dos anos 60) nunca é meramente auto-contemplativa, antes servindo de suporte à exigência de futuro e de abertura que ultrapasse os horizontes “provincianos” e “familiares” a que os outros personagens se remetem: «Where’s the dazzling beauty I’m waiting for all my life?», eis a divisa do comportamento de Curt.


Mas o mais curioso é que todas as quatro personagens masculinas do filme foram construídas por Lucas a partir das suas próprias experiências: «Tudo o que se passa em “American Graffiti” me aconteceu, mas, de certo modo, conferi-lhe um determinado tom de fascínio e encanto. Passei quatro anos da minha vida atravessando as ruas da minha cidade natal, Modesto, na Califórnia. Passei por tudo aquilo: conduzi carros, comprei bebidas alcoólicas, persegui raparigas na rua. Penso que muitas pessoas fazem o mesmo, e essa ideia está reflectida no próprio título do filme – uma verdadeira experiência americana. Principiei por ser Terry, the Toad, depois identifiquei-me com John Milner, o campeão local das corridas de automóveis, para vir a tornar-me Curt Henderson, o intelectual que vai deixar a cidade para continuar os seus estudos. Todas estas personagens são composições, baseadas na minha própria vida e na vida de amigos meus. Alguns morreram na Guerra do Vietname, e grande número faleceu em consequência de acidentes de viação»

Recusado à partida por todos os estúdios americanos, só o nome de Coppola (que acabava de ver o seu “Godfather” ser glorificado em todo o mundo) conseguiu que a Universal abrisse uma porta a George Lucas: foi-lhe atribuído um pequeno orçamento de cerca de 750 mil dólares que só em 1974 traria um lucro nas bilheteiras americanas de mais de 20 milhões, quantia multiplicada por várias dezenas ao longo dos anos em todo o mundo.

«Faço cinema muito simplesmente porque gosto de fazer cinema, e é essa talvez a única razão. Não havia dinheiro que me pudesse pagar todos os problemas que se colocam perante quem vai fazer um filme. É penoso. É horrível. Faz uma pessoa sentir-se mal, mesmo fisicamente. Sempre que realizo um filme fico com tosse e apanho uma constipação. Há uma grande dose de pressão nervosa e de carga emocional. É como praticar alpinismo, em que se fica por vezes em perigo, cansado, gelado, e até com um ou dois dedos a menos...; mas, quando se consegue alcançar o objectivo visado, dá-se todo o esforço por bem empregue»

CURIOSIDADES:


- Foi pedido a Harrison Ford que cortasse o cabelo para o filme. O actor recusou, argumentando que o seu a papel era demasiado pequeno. Como alternativa resolveu usar um chapéu sempre que era filmado.

- A cena em que a vespa de Charles Martin Smith vai de encontro à parede não estava prevista no roteiro. Dado o caricato da situação, Lucas deixou que o take ficasse na montagem final.

- Cerca de 300 carros pré-1962 foram usados nas filmagens

- O restaurante Mel's Drive-in já tinha sido encerrado quando se iniciaram as filmagens. Foi re-aberto de propósito para a rodagem e demolido logo a seguir ao filme se encontrar concluído. Em 1981 o mesmo proprietário abriu outros restaurantes do mesmo tipo.


- George Lucas pretendia que cerca de 80 temas dos anos 50 e inícios dos anos 60 fossem usadas no filme. Por causa do elevado custo de direitos esse número teve de ser reduzido practicamente para metade.

- Em 1978 Lucas adicionou três pequenas cenas (cerca de 2 minutos no total), que tinham sido eliminadas antes da estreia do filme em 1973.

- Coppola e Ned Tanen, os produtores do filmes, não gostavam do título, tendo inclusivé chegado a sugerir outros: "Another Slow Night in Modesto" ou "Rock Around the Block". Felizmente que Lucas levou a sua avante.

- "American Graffiti" foi nomeado para 5 Óscares, nas categorias de Filme, Realização, Montagem, Argumento-Adaptado e Actriz Secundária (Candy Clark). Ganhou 2 Globos de Ouro: melhor filme musical ou comédia e Actor mais promissor (Paul Le Mat). George Lucas e Richard Dreyfuss receberam ainda uma nomeação cada um.


2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Revi essa comédia nostálgica um dia desses, Rato. Não envelheceu. Continua muito divertida e o Dreyfuss é ótimo.

O Falcão Maltês

gryerblues disse...

Excelente matéria sobre um clássico de nossas gerações, amigo, Rato. Tempos atrás, fiz a minha lista de 20 filmes que aliam cinema & rock à perfeição, e, claro, American Grafitti figura dentre os meus top 10. Vendo esse filme hoje, aliás, é inevitável pensar: que diabos se passava na cabeça de George Lucas naquela época? O cara tinha feito THX 1138, uma alucinadíssima ficção científica distópica, e em seguida vem com um filme sobre a última noite do verão de 1962. Sem falar que o próximo projeto de Lucas seria um tal Stars Wars. Oh, Califórnia... :-)