quarta-feira, abril 13, 2011

STRANGERS ON A TRAIN (1951)

O DESCONHECIDO DO NORTE-EXPRESSO




Um filme de ALFRED HITCHCOCK


Com Farley Granger, Ruth Roman, Robert Walker, Leo G. Carroll, Patricia Hitchcock, Laura Elliott, Marion Lorne


EUA / PB / 101 min / 4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 30/6/1951
Estreia em Portugal a 30/10/1952
(Lisboa, Cinema Politeama)

Bruno: «My theory is that everyone is a potential murderer»

“Strangers On A Train” é um thriller viciante do mestre Hitchcock, no sentido em que confunde o espectador, colocando-o no centro dos mecanismos obsessivos do universo do mestre do suspense. Guy Haines (Farley Granger), conhecido tenista e homem de aparência respeitável, torna-se vítima de Bruno Antony (Robert Walker), que durante uma viagem de comboio lhe propõe a execução do assassínio perfeito, envolvendo a troca dos respectivos crimes e, por conseguinte, a ausência de um móbil para ambos. Bruno encarregar-se-á de eliminar a mulher de Guy (permitindo-lhe assim desposar a filha de um senador) e, em contrapartida, este matará o pai de Bruno, que o pretende internar numa instituição de doentes mentais. Guy insurge-se de imediato contra esta ideia maquiavélica, mas o desenrolar dos acontecimentos (a mulher decide não lhe conceder o divórcio, como anteriormente prometido) vai despertar-lhe as ideias e os desejos mais sombrios.

Estamos portanto diante de um filme tipicamente hitchcockiano, no centro do tema da transferência da culpabilidade, tão querido ao cineasta, em que se questionam e confrontam as razões morais subjacentes a dois indivíduos envolvidos no jogo do gato e do rato. Bruno é a perversão personificada, um ser frio e calculista, que não recua perante nada. Guy é o oposto, pelo menos na aparência. Mas até que ponto a influência maléfica de Bruno não irá despoletar o seu “lado negro”? Nas célebres conversas com Hitchcock, François Truffaut sublinha que um dos aspectos mais fascinantes deste filme é a manipulação do tempo, nomeadamente na famosa cena da partida de ténis:

Guy necessita de ganhar o jogo rapidamente, para impedir Bruno de colocar o isqueiro no local do crime, facto que o poderá vir a incriminar. Os dois homens encontram vários obstáculos para atingirem os respectivos objectivos e, coisa espantosa, o espectador é levado a viver em simultâneo um duplo suspense – deseja que Guy faça os seus pontos e vença o adversário, mas no momento em que Bruno deixa cair o isqueiro numa sarjeta torce de igual modo para que o mesmo seja recuperado logo de seguida. Seria lógico o público desejar que as acções de Bruno fossem retardadas, de modo a Guy ficar isento de suspeitas. Mas a mise-en-scène tem uma tal eficácia que acaba por colocar as intenções dos dois homens na mesma balança. Como Hitchcock se deliciava a torturar o seu público…!

A clássica estrutura do livro policial de Patricia Highsmith (onde o filme é baseado) torna-se, nas mãos de Hitchcock, um gráfico fascinante, quer para o olhar quer para o espírito. No écran subsistem apenas sinais algébricos, uma equação que desemboca na inexorável reversibilidade das noções do bem e do mal. O filme é todo ele um jogo de acasos entre os dois protagonistas, que se perseguem e tentam escapar ao longo de toda a acção. E no final, como muito bem observou Bénard da Costa na folha da Cinemateca relativa ao filme, «o espectador pode ir para casa tranquilo porque o “mau” foi punido e a “inocência” de Granger descoberta. Mas quem realmente ganhou foi o “inocente”; o “culpado” pagou com a vida (e pelas mãos do “inocente”) um crime que literalmente não lhe dizia respeito. Foi a projecção do desejo de Granger.»

“Strangers On A Train” apresenta uma construção narrativa impecável e contém algumas cenas de antologia, como a descrita acima, a do início do filme (são os carris dos comboios - simultaneamente convergentes e divergentes - e os pés dos protagonistas que precedem o encontro no comboio), toda a antecipação do crime no parque de diversões (a culminar nos óculos estilhaçados da vítima), a ida de Guy a casa do pai de Bruno (uma sequência deliberadamente ambígua, acentuada pelo aparecimento do cão ao cimo das escadas) ou ainda o ajuste de contas final naquele louco rodopio do carrocel. Mas falta-lhe algo que o impede de perfilar-se a par das obras mestras de Hitchcock. Julgo que esse algo é a falta de um bom casting, que aliás o próprio realizador acabaria por reconhecer na entrevista dada a Truffaut.

O casal formado por Farley Granger e Ruth Roman não fará certamente parte das melhores memórias dos cinéfilos, tal como acontece com outros pares míticos presentes nos filmes de Hitchcock, que para este “Strangers On A Train” desejava a contribuição do actor William Holden para o papel de Guy. Não fosse a atracção que Robert Walker exerce sobre o público e o filme seria ainda mais decepcionante (no que à parte interpretativa diz respeito, é claro). A falta de expressividade de Granger (falecido no passado dia 27 de Março, com 85 anos) torna a sua personagem algo sensaborona, muito longe do talento de um Cary Grant ou de um Jimmy Stewart. Por outro lado, também Ruth Roman (imposta pela Warner por razões contratuais) não é uma Grace Kelly ou uma Eva Marie Saint. A sua falta de presença e a pouca importância que Hitchcock lhe dá, reduzem o seu desempenho quase a uma figuração básica. Até Patricia, a própria filha de Hitch, consegue suscitar mais interesse no papel da irmã, Barbara Morton.

Face à mediania das interpretações, destaca-se quase naturalmente a personagem sádica e maléfica de Bruno Antony, criada por um Robert Walker brilhante. Fisionomicamente parecido com Bill Murray, Walker despede-se em grande da sua carreira, uma vez que viria a morrer na noite de 28 de Agosto de 1951 (devido a uma reacção alérgica a alguns comprimidos que lhe tinham sido receitados pelo psiquiatra), oito meses após o final da rodagem do filme. Hitchcock costumava dizer que o êxito dos seus filmes era directamente proporcional ao bom desempenho do vilão da história. Walker provou tal teoria com mestria e sem qualquer margem para dúvidas.


CURIOSIDADES:

- O habitual cameo de Hitchcock acontece quando Guy desce do comboio, no fim da viagem inaugural – Hitch cruza-se com ele ao subir carregando um contrabaixo

- Hitchcock comprou os direitos do filme fazendo-se passar por um ilustre desconhecido, de modo a conseguir um preço barato (ficou-lhe por 7.500 dólares)

- Raymond Chandler começou a escrever o argumento original mas depois abandonou o projecto, devido a divergências com Hitchcock. Czenzi Ormonde foi quem o completou, escrevendo a maior parte das páginas. No filme, os créditos são repartidos pelos dois escritores

- Na sequência final do carrocel descontrolado o homem que se arrasta por debaixo do tabuleiro arriscou realmente a vida ao ser filmado sem recurso a qualquer trucagem. Hitchcock confessou a Truffaut que se arrepiava só de pensar nisso e que jamais voltaria a filmar uma cena do género.

- Hitchcock queria cabar o filme com Guy a exclamar: «Bruno, Bruno Antony, a clever fellow!» Mas o estúdio obrigou-o a filmar um “final feliz”






1 comentário:

ANTONIO NAHUD disse...

É um dos melhores filmes do mestre Hitch. Já o vi umas dez vezes. Mas você tem toda razão: Granger e Ruth Roman nada acrescentam a obra.
Abração,

www.ofalcaomaltres.blogspot.com