quarta-feira, maio 25, 2022

Cinememórias

 

  Finalmente o Rato Cinéfilo vai ver editado o seu primeiro livro! Chama-se "Cinememórias" e contém muita coisa já lida aqui pelo blogue, outras reescritas e várias novidades. A editora, ALÂNTICO / PRIMEIRO CAPÍTULO, vai comercializar o livro simultâneamente em Portugal e no Brasil. Se clicarem no nome poderão descobrir desde já as livrarias onde a obra vai-se encontrar à venda ou poderá ser encomendada.
  O livro terá um total de 492 páginas e dezenas de fotografias a preto e branco no interior. Sendo um livro de memórias, é precisamente delas que fala: memórias de filmes, memórias de salas de exibição antigas que já só existem nas nossas lembranças e também de algumas memórias pessoais, sempre relacionadas com o cinema. O preço de venda ao público será de 20€ em Portugal e de 50 Reais no Brasil. A paginação já está concluída e o livro vai em breve para a gráfica. Será publicado na última quinzena de Julho. Eu depois aviso! Entretanto, fica aqui o respectivo índice:
O CINEMA E EU ...........................................................................................14
FILMES CASEIROS .......................................................................................17
THE LITTLE TRAMP .....................................................................................18
LUZES DA CIDADE ......................................................................................24
O TEATRO VARIETÁ EM L .M. ..................................................................27
VIAGEM À GRÉCIA ..................................................................................... 30
OS “PIOLHOS” DE JOHANNESBURG.................................................... 34
O MEU PRIMEIRO HITCHCOCK ..............................................................36
UM DIA MUITO CANSATIVO ...................................................................41
A TERRÍFICA TRILOGIA DE ROMAN POLANSKI .............................. 46
O TEATRO MANUEL RODRIGUES ..........................................................58
O MELODRAMA DOS MELODRAMAS .................................................63
O MONTE DOS VENDAVAIS ................................................................... 66
O FILME QUE ME OBRIGOU IR A LONDRES ..................................... 70
UMA CUSPIDELA NO TEU TÚMULO .....................................................77
A VINGANÇA DE UMA MULHER ............................................................81
UM PLANETA ÀS AVESSAS ...................................................................... 84
DRUGSTORE APOLO 70 ............................................................................ 89
UM FILME DE CULTO ...................................................................................91
A DUPLA-MARAVILHA DO MUSICAL AMERICANO ........................95
SOMOS JOVENS , APAIXONADOS E ROUBAMOS BANCOS!........97
A PRIMEIRA NOITE ....................................................................................103
E O OSCAR VAI PARA ... ...........................................................................108
A IDADE DA INOCÊNCIA ........................................................................ 110
PARIS , TEXAS ............................................................................................. 116
THAT ’ S THE WAY IT IS ........................................................................... 118
COMBOIOS E MAIS COMBOIOS ...........................................................120
OS SAPATOS VERMELHOS ......................................................................126
PERMESSO? AVANTI!.................................................................................130
MONSIEUR HULOT ....................................................................................136
ADEUS BERLIM ...........................................................................................139
O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA .................................................145
E DERAM-LHE UMA ESPINGARDA ... .................................................149
CINEMA PARADISO ..................................................................................153
UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE .................................................... 161
O APARTAMENTO .....................................................................................164
ESPLENDOR NA RELVA ...........................................................................169
YO SOY AQUEL ..........................................................................................177
JUDAH E MESSALA ..................................................................................180
OS CINEMAS DA ALAMEDA .................................................................189
A MAGIA DO AMOR .............................................................................. 191
A DESFORRA DO PATINHO FEIO ........................................................197
OS AMANTES DE VERONA ...................................................................201
A SOCIEDADE DE CLASSES ..................................................................204
AS NOITES DE DOSTOIÉVSKI ............................................................. 206
UM DUELO SUI GENERIS ......................................................................210
E A MORTE ALI TÃO PERTO .................................................................216
THE SWINGING LONDON .................................................................. 222
CHARLY ...................................................................................................... 227
O AMOR SACRIFICADO ...................................................................... 229
PRAZERES NÃO SATISFEITOS ........................................................... 232
4 SALAS , 4 FILMES .............................................................................. 236
A FORÇA E A SEDUÇÃO ..................................................................... 238
O HOMEM DE KIEV .............................................................................. 243
O MONOLITO NEGRO ........................................................................ 246
PÁSSAROS , PÁSSAROS E MAIS PÁSSAROS ............................... 257
REGRESSOS AO PASSADO ................................................................ 266
O MEU PRIMEIRO BERGMAN .......................................................... 276
O HOMEM É DONO DO SEU ESPAÇO ...........................................281
YURI E LARA ........................................................................................... 288
THIS IS CINERAMA .............................................................................. 293
SEMENTES DE VIOLÊNCIA ............................................................... 298
A SAGA DO PADRINHO .................................................................... 302
O CINEMA PORNO ..............................................................................317
UMA FAMÍLIA LUCANESA .................................................................319
CINEMA ANTI-SISTEMA ................................................................... 324
AMOR NAS ESTRELAS ........................................................................332
EXPLORADOS E EXPLORADORES ................................................. 339
L DE LEONE ........................................................................................... 343
MONUMENTAL CRIME SEM CASTIGO ........................................355
L’AMOUR-FOU ..................................................................................... 358
OS FILMES DE BREL ........................................................................... 365
EXCESSOS GASTRONÓMICOS ...................................................... 378
O MELHOR MUSICAL DE SEMPRE ................................................381
O FANTASMA DO PARAÍSO ............................................................ 392
O CINEMA-CATÁSTROFE.................................................................. 395
FESTA DE LOUCOS ..............................................................................400
O SONHO AMERICANO ...................................................................404
AVENIDA DE ROMA .......................................................................... 411
AS TIME GOES BY ................................................................................417
ZONA DE PERIGO ...............................................................................421
O DRIVE-IN DE L .M. ........................................................................ 424
O FILME DE GUERRA ....................................................................... 425
A VÍTIMA DO MEDO ....................................................................... 434
O PASSAGEIRO DA CHUVA .......................................................... 437
E TUDO O VENTO LEVOU ..............................................................441
KUBRICK E O SÉCULO XVIII ......................................................... 450
O FIM DE UMA GERAÇÃO ........................................................... 457
OS MEUS 50 FILMES DA VIDA ....................................................464
AS ÚLTIMAS SESSÕES EM LOURENÇO MARQUES ............ 467
ERAM ASSIM, AS IDAS AO CINEMA ....................................... 470
O DESAPARECIMENTO DO FIM................................................. 473
LISTA DE FILMES COMENTADOS ............................................. 477
BIBLIOGRAFIA SELECTIVA ............................................................486
NOTAS FINAIS ..................................................................................488
BIOGRAFIA . ......................................................................................489

terça-feira, janeiro 04, 2022

LE JEU (2018)

NADA A ESCONDER

Um filme de Fred Cavayé


Com Bérénice Bejo, Stéphane De Groodt, Suzanne Clément, Roschdy Zem, Vincent Elbaz, Doria Tillier, Fleur Fitoussi

FRANÇA-BÉLGICA / 90 m /

 COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia em FRANÇA: 5/9/2018

A ideia original para este filme foi concebida por Paolo Genovese, que realizou a versão original italiana em 2016: o filme chamou-se "Perfetti Sconosciuti" ("Perfeitos Desconhecidos"), foi premiado um pouco por todo o lado e estreou-se em Portugal a 4/5/2017 com o título meio idiota de "Amigos Amigos, Telemóveis à Parte". Ao contrário, esta versão francesa nunca se estreou nas salas portuguesas, encontrando-se no entanto disponível na Netflix. A história original já vai em 18 adaptações, em várias línguas e diversos países, incluindo Espanha, Turquia, México, Coreia do Sul, Grécia, China ou Rússia, o que lhe permitiu uma entrada no Guinness Book of World Records. 


Nunca vi o original (nem qualquer dos outros filmes), pelo que apenas posso comentar esta versão francesa. E ela é, a todos os níveis, brilhante! Mas vamos ao enredo: Vincent (Stéphane De Groodt) e Marie (Bérénice Bejo) convindam para jantar no seu elegante e espaçoso apartamento de Paris, três casais de amigos (uma amizade já com bastantes anos, sobretudo os homens, que se conhecem desde os tempos do liceu). Os primeiros a chegar são Marco (Roschdy Zem) e Charlotte (Suzanne Clément), logo seguidos por Thomas (Vincent Elbaz) e Léa (Doria Tillier). O anfitrião é também o cozinheiro de serviço, que vai ultimando os seus pratos, mais ou menos inventados, que não irão fazer as delícias gustativas dos convidados, muito pelo contrário. Os três casais esperam impacientes a chegada de Ben (Grégory Gadebois), porque este ficou de trazer a nova namorada, que os restantes ainda não conhecem. Mas Ben acabará por chegar sózinho, alegando que a companheira adoeceu com uma gastrite, ficando assim impedida de comparecer ao jantar.


Na televisão, o locutor de serviço anuncia um eclipse total da Lua para aquela noite: «Atenção: não sejam supersticiosos. Há lendas que dizem que, durante os eclipses lunares, coisas incríveis podem ocorrer. No momento exato em que toda a Lua é encoberta, diz-se que o tempo pára e seus pecados mais profundos serão perdoados. Sua alma é condenada a um limbo pelo resto da eternidade. Mas tudo isso são apenas lendas, é claro.» Para o espectador menos atento convém reter esta comunicação, porque mesmo no final do filme são palavras importantes para se entender melhor o significado da reviravolta que o filme irá ter. É claro que não vou aqui revelar tal desfecho (radical!), para que os espectadores iniciantes possam usufruir do filme em toda a sua plenitude.


Lá pelo meio do jantar, entre críticas mais ou menos veladas à qualidade gastronómica, Marie, a dona da casa, propõe um pequeno jogo de grupo, à semelhança do que faziam quando eram mais novos, um tipo de "Verdade ou Consequência". A ideia é simples: colocarem todos os respectivos telemóveis no centro da mesa e depois responderem, em voz alta, a todos os telefonemas, emails ou mensagens que apareçam. Aqui chegado, apetece-me parafrasear o meu amigo brasileiro Sérgio Vaz, no seu comentário a este filme: «É claro, é óbvio, não há dúvida nenhuma: dá merda. Mas não é pouca, não – é muita merda. É uma quantidade explosiva de merda. Nenhum relacionamento ficará de pé depois daquela exposição de segredos até então muito bem guardados.» À medida que os telefones vão tocando, as máscaras começam a caír, colocando a nu algumas das histórias mais íntimas dos sete convivas. As situações mais embaraçosas sucedem-se e tudo teria ainda um epílogo mais trágico se não fosse aquela reviravolta final.


"Le Jeu" é inteiramente rodado no interior do apartamento (tirando duas ou três sequências nas escadas e no exterior do prédio), mas o seu enorme interesse transcende em muito esse limite cénico. A mise-en-scène é fabulosa, o que só vem realçar a grande qualidade dos actores. Trata-se da quinta longa-metragem de Fred Cavayé, argumentista e realizador francês, nascido em Rennes, em 1967, tendo anteriormente trabalhado como fotógrafo de moda. A sua ainda pequena filmografia (que este filme me deu a enorme vontade de conhecer), resume-se a mais 5 títulos: "Pour Elle" (2008), "À Bout Portant" (2010), "Mea Culpa" (2014), "Radin" (2016) e "Adieu Monsieur Haffmann" (2021), para só citar as longas-metragens.

quinta-feira, dezembro 23, 2021

DET SJUNDE INSEGLET (THE 7TH SEAL) (1957)

O SÉTIMO SÊLO
Um Filme de INGMAR BERGMAN



Com Max Von Sydow, Gunnar Björnstrand, Bibi Andersson, Bengt Ekerot, etc.

SUÉCIA / 96 min / PB / 4X3 (1.37:1)

Estreia na SUÉCIA a 16/2/1957
Estreia em PORTUGAL a 23/10/1963





Foi com 18 anos que o cinema de Ingmar Bergman começou a fazer parte da minha vida. O filme, já datado de quinze anos, foi "O Sétimo Sêlo". Nomeado para a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1957, viria a ganhar o Prémio Especial do Júri em parceria com o filme "Kanal", de Andrzej Wajda. Era o segundo filme de Bergman a ser conhecido para além das fronteiras do seu país natal, a Suécia. O primeiro tinha sido o "Sorrisos duma Noite de Verão" no ano anterior, que inaugurou também o cinema de Bergman em solo português: estreou-se no cinema Império, em Lisboa, no dia 17 de Fevereiro de 1960. Mas voltando ao "Sétimo Sêlo": vi-o em Lourenço Marques, no Estúdio 222 (anexo ao cinema Dicca), a 18 de Junho de 1971, uma sexta-feira à noite. O impacto que o filme teve nessa altura nos neurónios da minha geração, foi avassalador! Os jovens cinéfilos que grande parte de nós nos considerávamos, ávidos de coisas diferentes do habitual, sentiram de repente que estavam diante de algo muito especial e transcendental. Afinal o cinema não era só entretenimento, as grandes questões podiam ser também equacionadas face ao que nos era mostrado no grande écran: Deus e o Diabo, a Morte ou o Sentido da Vida. Foi um filme que, no meu caso pessoal, serviu de rastilho para começar a ver outros tipos de filmes e, sobretudo, a começar a ler tudo o que me aparecia pela frente sobre o cinema e o modo como os filmes eram feitos. Nunca mais parei...

Antonius Block: «Who are you?»
Death: «I am Death»
Antonius Block: «Have you come for me?»
Death: «I have long walked by your side»
Antonius Block: «I know»
Death: «Are you prepared?»
Antonius Block: «My body is frightened, but I am not»

“Det Sjunde Inseglet” (o título original em sueco) é, ainda hoje, um dos filmes mais conhecidos de Ingmar Bergman. Aclamado como uma obra-prima cinematográfica, o filme é uma alegoria magistral do homem à procura do significado da vida. Um cavaleiro, Antonius Block (Max Von Sydow), retorna das Cruzadas para casa e encontra o seu mundo destruído pela peste negra. A Morte aparece para levá-lo, mas Block recusa-se a morrer sem ter entendido o sentido da vida. Propõe então um jogo de xadrez, numa derradeira tentativa de enganar o grande ceifador. Apercebendo-se de que está em desvantagem Block tenta enganar a Morte virando o tabuleiro. Mas a Morte reconstitui o jogo, e o cavaleiro é obrigado a continuar a jogar. 




Ao longo dos anos os críticos têm procurado respostas de todo o tipo, tentando explicar a profusão de alusões e alegorias que o filme encerra. O próprio Bergman referiu que o filme o ajudou a ultrapassar a angústia perante a morte, falando dele como uma superação: «Tinha medo daquele enorme vazio, mas a minha opinião pessoal é que quando morremos, morremos, e passamos de um estado de qualquer coisa para o estado do nada absoluto; e não acredito nem por um segundo que haja alguma coisa acima ou para além, ou como se queira dizer; e isso enche-me de segurança».


Obcecado pela representação da Morte nos frescos da Idade Média, Bergman insere aqui esse tema tantas vezes tratado nos seus filmes, inscrevendo-o num contexto religioso, que está na própria origem da sua obsessão. Mas a questão é posta por um homem moderno, retomando assim a atitude dos artistas e pensadores da Renascença, isto é, de uma época em que o espírito começou a derrubar as barreiras dogmáticas e místicas na procura do conhecimento. Essa procura do conhecimento levou o cavaleiro Block até à Terra Santa como era natural que acontecesse com um espírito inquieto daquela época. Voltou sem ter encontrado a resposta desejada. E a partida de xadrez é a última tentativa feita por Block para tentar descobrir os segredos da Vida e da Morte.




"O Sétimo Sêlo", meditação sobre a morte, é, paradoxalmente, a vitória da vida sancionada pelo amor. E o amor torna-se, assim, uma resposta a todas as interrogações. Os puros, os inocentes, são aqueles que amam. Basta tomarmos consciência deste facto para que essa Vida, ainda que absurda, visto conduzir ao nada, possa ser vivida plenamente. Bergman mostra-nos como o homem moderno se priva a si próprio da felicidade, teimando em procurar o irracional, e como também ele se torna masoquista por receio da morte e do que virá após ela. À humanidade do século XX, minada pela angústia de uma guerra atómica, tal como a humanidade da Idade Média o era pela peste apocalíptica, Bergman dá uma lição de vida, sem no entanto afirmar ou negar seja o que for. Como escreveu Eric Rohmer, «"O Sétimo Sêlo" é antes de tudo um filme onde o que vale não é tanto a originalidade da filosofia de Bergman... como a maneira precisa como ele conseguiu exprimir na tela todos os seus cambiantes.»




É particularmente significativo que Bergman tenha situado “O Sétimo Sêlo” num mundo tão marcado pela presença (“opressiva”, de várias maneiras) da religião, como era o mundo medieval. Voltando a citar o realizador, «a ideia de um Deus cristão tem algo de destrutivo e terrivelmente perigoso. Ele faz emergir um sentimento de risco iminente, e por consequência traz à luz forças obscuras e destrutivas». Enquanto vai descobrindo os aspectos mais hediondos do fervor religioso, Block toma quatro pessoas sob a sua proteção: o ateu Squire Jons, um casal de jovens saltimbancos, Mia e Jof, mais o seu bebé. Alguns críticos associam os nomes e a presença quase imune à morte do casal à Sagrada Família. No fim, como seria inevitável, Antonius Block perde a partida de xadrez. A Morte toma-o, a ele e aos seus, para os lançar numa dança macabra à qual o casal de actores consegue escapar. Através da representação do actor Bengt Ekerot, Bergman criou a mais célebre “encarnação” da morte de toda a história do Cinema. “O Sétimo Sêlo” é mesmo indissociável dessa figuração, que se fixou no imaginário colectivo do século XX. Este é o “filme da morte”, este é o “filme do jogo de xadrez”!

domingo, dezembro 12, 2021

LE NOTTI BIANCHE (1957)

 AS NOITES BRANCAS

Um filme de LUCHINO VISCONTI



Com Marcello Mastroianni, Maria Schell, Jean Marais, Marcella Rovena, Maria Zanoli, etc.


ITÁLIA-FRANÇA/102 m / P&B / 16X9 (1.66:1)



Estreia em ITÁLIA, no Festival de Veneza: 6/9/1957

Estreia em PORTUGAL: 13/5/1959



Mario: «God bless you for the moment of happiness you gave me. 
Even a moment's worth can last a lifetime»



Falecido com 69 anos (nasceu em Milão a 2/11/1906, morreu em Roma a 17/3/1976), Luchino Visconti filmou apenas 14 longas-metragens, desde "Obsessão" (1943), até "O Intruso" (1976). A grande maioria são obras fundamentais do Cinema. Mas existe uma espécie de tradição quando se fala da sua filmografia, em separar os "grandes filmes" dos "filmes menores". Entre estes, "Noites Brancas", baseado num conto de Fiódor Dostoiévski, encontra-se quase sempre presente. Verdade seja dita que há alguma razão neste juízo de valor: basta lembrarmo-nos de monumentos como "Sentimento", "Rocco e Seus Irmãos", "O Leopardo", "Os Malditos" ou "Morte em Veneza", quer na dimensão bruta do empreendimento quer pela maior repercussão crítica que alcançaram. Mas, como diria Einstein, tudo é relativo. E as "Noites Brancas" ainda hoje é um filme belissimo, um enorme prazer para os olhos dos espectadores.

Sem dúvida, pode censurar-se a "Noites Brancas" uma certa incompreensão de Dostoiévski, do seu clima especial - mas a fidelidade ao original nunca é critério. O próprio Visconti sabia a dificuldade na adaptação de uma obra de Dostoiévski, como referiu numa entrevista da altura em que realizou o filme: «Procurámos muito, entre escritores de todo o mundo. Foi Emilio Cecchi a sugerir-nos as "Noites Brancas". Por mim, devo dizer, agarrei-me a esta pequena história (muito grande em Dostoiévski, pequena no meu filme), agarrei-me a ela precisamente por oferecer essa possibilidade de evasão da realidade, pelo contraste entre o despertar, em que todas as coisas são desagradáveis, e essas quatro horas da noite passadas com uma rapariga que se torna uma espécie de sonho, algo de irreal, de quase impossível. Foi isso, foi esse jogo que me atraiu.»


"As noites de San Petersburgo" era realmente um pequeno mas belo conto de Dostoiévski, que já tinha servido de base a uma interessante adaptação soviética em 1934 (mais tarde haveriam de ser feitas muitas outras versões, quer para cinema quer para televisão. Aliás, toda a obra do genial escritor russo foi sempre um grande manancial de adaptações). Visconti extrai dele um filme todo em matizes românticas e nostálgicas, mantendo incólume toda a solidão dos personagens. Uma elegia amaneirada, um romantismo de neve, neblina e encontros ao luar nas pontes dum canal tomaram uma posição dominante. Foi esse afastar do "neo-realismo" (de que Visconti nem era sequer um dos expoentes máximo, exceptuando-se talvez o filme "La Terra Treme") que os seus detractores mais expressaram as suas críticas. Mas no contexto cultural italiano de então, sabia-se muito bem que Visconti de modo algum estava amarrado a uma concepção estreita do realismo: as suas encenações teatrais tinham-no demonstrado.


Hoje, longe das querelas, podemos ver as "Noites Brancas" como um desses contos fantásticos e românticos que nunca envelhecem. E os actores que incarnam as personagens principais, Mastroianni (nunca o vimos tão vulnerável num filme) e a bela Maria Schell, conseguiram ser um dos pares mais sentimentais do cinema, ao exporem ao público o que ia na alma dos personagens. A título de curiosidade refira-se que a actriz austríaca aprendeu a língua italiana para poder entrar no filme sem ser dobrada por outra, como então era costume nas co-produções. Rodado em 1957, ano do apogeu do rock 'n' roll, o filme não se escusa em mostrar uma longa sequência passada num bar frequentado por jovens, que dançam freneticamente os novos ritmos da moda. Espectacular!


Para terminar, não resisto a transcrever um excerpto da introdução de Margarida Rebelo Pinto à edição de 2013 do livro em Portugal, que practicamente define o filme: «O romantismo exacerbado é ridículo apenas para aqueles que nunca viveram a vertigem de um amor total e ao mesmo tempo impossível, no qual o arrebatamento nos eleva a um estado de graça que nunca mais esquecemos. A busca do amor pelo amor pode sobrepor-se por vezes à própria existência, por nos levar mais longe e mais alto do que alguma vez imaginámos chegar. Tal como as noites que imitam o dia, o sonho também imita a vida e a ficção não é mais do que um pálido reflexo da realidade. É verdade que todos precisamos de sonhar, mas também todos precisamos de acordar. E embora nos pareça impossível acordar sem dor nem perda, afinal nem sempre é mau, porque a vida é sempre outra coisa, diferente do que imaginámos. Os sonhos servem para isso mesmo: perdermo-nos através deles para nos voltarmos a encontrar.»

sábado, dezembro 04, 2021

AI NO KORIDA (IN THE REALM OF THE SENSES) (1976)

O IMPÉRIO DOS SENTIDOS
Um filme de NAGISA OSHIMA



Com Tatsuya Fuji e Eiko Matsuda

JAPÃO - FRANÇA / 109 min / 
COR / 4X3 (1.50:1)

Estreia em CANNES a 15/5/1976
Estreia em PORTUGAL: Outubro 1976




Kichizo: «You want to make love all the time, huh?»
Sada: «You don't think it's wrong, do you?»
Kichizo: «I think it's wonderful. You're beautiful»
Sada: «I was afraid of not being like others. I was so worried about it, 
I even went to see a doctor. 
He said I was sensitive where sex was concerned»
Kichizo: «Sensitive? I hope it's incurable. Because I adore your oversensitivity»

A década de 70 assistiu, nos países mais desenvolvidos, a uma libertação dos costumes, que originou uma forte atenuação da censura. O cinema erótico pôde então expandir-se desde a forma mais soft até ao chamado "hard-core", ou seja, pornográfico. Nagisa Oshima nada tem de pornógrafo: os seus filmes atestam pelo contrário uma personalidade exigente, inimiga, é certo, de qualquer forma de conformismo, mas que não transige nem os seus ideais estéticos, nem políticos. Em "O Império dos Sentidos", Oshima aborda o erotismo numa perspectiva quase mística, à maneira de Georges Bataille ou de Sade (a quem o nome da heroína - SADA - faz curiosamente referência). Causará surpresa saber que o argumento (da autoria do próprio Oshima) segue de muito perto um episódio autêntico, que abalou os anais judiciários nipónicos antes da guerra (e fez da jovem castradora uma pioneira dos movimentos feministas!). É este caso que Oshima recupera da história e da memória popular para o transportar para o cinema, fazendo dele uma das mais belas histórias de "amor louco".


O filme é uma co-produção França-Japão, tendo sido exibido na chamada Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de Maio de 1976. Não ganhou qualquer prémio, mas começou aí a sua polémica em torno do que era ou não considerado "pornográfico". Depois da família, do Estado e de um certo número de problemas do Japão daqueles tempos, Oshima decidiu atacar um dos últimos tabus da sociedade japonesa, o sexo: «Não é a primeira vez que abordo o problema do sexo, mas foi neste filme que tive ocasião de ir até ao fim, e como sou mais velho, parece-me também que conheço um pouco melhor o mundo do sexo! Se o filme fosse uma produção inteiramente japonesa não teria sem dúvida podido projectá-la como o fiz», afirmou Oshima numa entrevista da época. Em Portugal o filme estreou-se pouco depois, em Outubro de 1976. Ultrapassado que foi o choque inicial da palavra "castração", "O Império dos Sentidos" fez acorrer muita gente às salas de Lisboa onde estava a ser exibido (Estúdio, Quarteto e Apolo 70), muito provavelmente pelas piores razões, onde certamente predominava um certo voyeurismo por tudo quanto era proibido no nosso país apenas dois anos antes. Mas a crítica teve na altura um papel muito importante ao desmistificar o conteúdo do filme, para além de lhe atribuirem em geral o maior nº de estrelas possíveis. Recordemos alguns excertos dos comentários surgidos na imprensa e em revistas da especialidade:


«A castração, essa posse definitiva por parte da mulher, corresponde no filme a um absoluto, a um momento de libertação. Daí, o carácter subversivo da obra, numa sociedade de sujeição milenária da mulher ao homem. "O Império dos Sentidos" é um filme decididamente anti-machista, nele é a mulher que desempenha o papel mais activo e toma a iniciativa do amor.» ... «O prazer é uma coisa séria. Tão séria como a morte. Se a carne existe, e é susceptível de fornecer prazer, nada impede que se procure atingir um limite que só pode ser a morte.» (André de Oliveira e Sousa)

«Muitas das cenas consideradas "chocantes" mostram relações sexuais directas, evidentes em pormenor, com uma franqueza que não assusta embora possa impressionar a quem está habituado a uma pornografia barata e a um cinema erótico de pacotilha, Oshima não recua diante de nada mas, subjacente a essa visão crua da intimidade sexual, insinua-se a violência progressiva que explodirá na castração final, a violência simbólica que vem dizer-nos isto muito simplesmente: viver dos sentidos até à volúpia total leva à morte, como a fêmea do insecto que devora o macho depois do acto. Lágrimas e sangue enchem pouco a pouco o leito dos amantes, retirando-lhe progressivamente aquilo que a sua razão muito bem sabe constituir o cerne da verdadeira condição humana: o amor.» (Luís de Pina)



«É sempre a morte que reina. Um velho mendigo, uma velha geisha "consumida" em violência edipiana; uma faca; um nastro por fim, instrumento de orgasmo total e último. É então que, gasto o percurso numa viagem em busca do absoluto, parece nada mais restar do que a satisfação última de um amor sublime: a morte num suicídio-entrega-a-dois. Justamente o que os dois amantes recusam. A mulher sobreviverá ao acto final, após castração e apropriação dos órgãos genitais do seu amante.» ... «"O Império dos Sentidos" não é um filme de demissão como pode parecer. É antes um filme-acto-de-amor em busca dos valores absolutos que se esgotam no homem. É uma viagem ao âmago dos corpos, percorrendo com prazer o prazer do sexo, num sublime exercício de amar. Feito em grandes planos, quase todos fixos e longos, pintado a uma côr onde o vermelho de pungente erotismo abunda, evita o voyeur vulgar, porque o provoca, porque o persegue, porque o cansa, porque o destrói. Demonstração definitiva de como o olhar da câmara (não sendo neutro) insinua muito mais do que mostra, jogando com a sensualidade do décor envolvente captando o prazer em acção, evitando a pornografia em que outro artesão de segunda inevitavelmente caíria. Aposta última na sensibilidade de cada um. No delírio de um orgasmo que se busca no infinito. Num hino memorável à mulher e à sua força libertadora.» (Mário Damas Nunes)



«De uma sumptuosidade majestática no rigor dos enquadramentos, de um colorido sensual que rasga o écran, "O Império dos Sentidos" demonstra ainda a inteligência de Oshima na escolha dos enquadramentos, na utilização do guarda-roupa e dos cenários. Não só para definir espaços e figuras, como na própria progressão dramática. Quando Sada e Kichi um ao outro se assimilam, ambos trocam de quimónos. Sada leva consigo o quimóno de Kichi, que funcionará como fétiche durante uma viagem de comboio. Outras vezes é ainda o quimóno que revela as personagens, quando o branco do exterior é trocado pelo vermelho do interior dos forros. Cores e formas, subjugando o espectador, arrastam-no então para uma viagem de amor e loucura, cujo trajecto se encontra, desde início, ponteado por sinais irreversíveis, cuja meta se descobre fatal. De amor se morre...» (Lauro António)


«"O Império dos Sentidos" é anti-real, como será também anti-erótico, anti-pornográfico, anti-todas as classificações que lhe têm querido atribuir. Diríamos mesmo que se trata de um filme mítico, como se Oshima procurasse contar-nos uma fábula. Que não exclui a habitual moralidade: quem escolhe viver apenas pelos sentidos terá forçosamente de aceitar a morte como regra do jogo. Num mundo que caminha para a total materialização ("solidificação") só resta ir até ao limite dos sentidos, como em "La Grande Bouffe".» ... «Oshima revela-se, portanto, como um fabuloso recriador de mitos (e nisso é um bom japonês), um artista moderno do seu país, onde a velha arte da gravura foi substituída pela sofisticada arte do cinema.» (António Carlos Carvalho)



ALGUMAS CURIOSIDADES:

- Após a estreia na Alemanha, o filme foi confiscado e acusado de pornografia. Contudo, 18 meses mais tarde um tribunal federal permitiu a sua exibição sem quaisquer cortes.

- A versão original, de 109 minutos, foi encurtada pelo produtor Anatole Dauman (com a anuência de Oshima) para 102 minutos. Foi esta a versão que foi distribuida na maioria dos países onde o filme não foi proibido. Actualmente, na edição francesa em DVD, podem ver-se as duas versões, enquanto que na edição da Criterion (americana) os minutos cortados são apresentados como "extra". Ler mais aqui.

- A cena onde Sada puxa o pénis de uma criança como punição a um mau comportamento foi opticamente re-enquadrada em Inglaterra, de modo a não se ver os órgãos genitais. Este procedimento manteve-se na edição em DVD do filme (Região 2). Nos EUA a mesma cena (cerca de 56 segundos) foi totalmente cortada.

- O grande sucesso do filme (crítica e público) levou Oshima a dar-lhe uma continuação livre, em que o fantástico tomou o lugar do erotismo: "O Império da Paixão" (1978).





sexta-feira, dezembro 03, 2021

SLEEPLESS IN SEATTLE (1993)

SINTONIA DE AMOR
Um filme de NORA EPHRON

Com Tom Hanks, Meg Ryan, Bill Pullman, Ross Malinger, Rita Wilson, Rob Reiner, Rosie O’Donnell, Victor Garber, Barbara Garrick, etc.

EUA / 105 min / COR / 
16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: 25/6/1993
Estreia em PORTUGAL: Lisboa (cinema São Jorge), 19/11/1993


Tu vieste

E acordas todas as horas
Preenches todos os minutos
Acendes todas as fogueiras
Escreves todas as palavras
(Joaquim Pessoa)

Estamos a 3 de Dezembro de 1993, uma sexta-feira. Conforme o combinado, vou ter contigo ao Hotel Jerónimos, ali para os lados de Belém, frente ao alçado nascente do mosteiro homónimo, pelas 19:00 horas. Sou pontual, como sempre, mas tenho de ficar à tua espera no hall da recepção. Nos altifalantes soa uma canção que conheço muito bem: é "I Will Always Love You", cantada pela Whitney Houston. Chegas finalmente e ficamos um pouco à conversa. Não temos muita fome mas temos de ir comer qualquer coisa. Saímos, atravessamos a rua dos eléctricos e vamos jantar a um restaurante ali perto chamado "Caseiro". Quando acabamos, reparamos nas horas, e damo-nos conta de que ainda podemos ir ao cinema. Chamamos um táxi, que nos conduz rapidamente ao cinema São Jorge, na Av. da Liberdade. O filme em cartaz é o "Sleepless in Seattle", que eu já tinha visto (estreara-se a 19 de Novembro), mas apetecia-me imenso vê-lo outra vez, e desta vez contigo. 


Na cumplicidade do escuro da sala trocamos de mãos. Sabe bem estar ali de novo, bem junto a ti, pois a última vez que tal tinha acontecido fora já há 22 anos. Nessa altura fomos a uma matiné de domingo (era o 26 de Setembro de 1971), eu tinha 18 e tu 16 anos, e o cinema era outro: o antigo Vox, ali para os lados da Av. de Roma. Dessa sessão ainda conservo os bilhetes (ficámos na fila G, nºs 11 e 13) e o filme era o "Love Story". Acabada a sessão apanhamos novo táxi para nos levar de regresso ao Hotel. Subimos ao teu quarto e ficamos ainda um bocado a tagarelar. Estás cansada e com sono, sem disposição para prolongar as emoções do dia. Depeço-me de ti e vou para casa. No futuro ainda faríamos muitas coisas juntos, mas em relação ao cinema, nunca mais vimos um filme lado a lado. "Sleepless in Seattle" foi a nossa última sessão de cinema.


Dr Marcia Fieldstone: «What are you going to do?»

Sam Baldwin: «Well, I’m gonna get out of bed every morning… breathe in and out all day long. Then, after a while, I won’t have to remind myself to get out of bed every morning and breathe in and out… and, then after a while, I won’t have to think about how I had it great and perfect for a while.»

Dr. Marcia Fieldstone: «Tell me what was so special about your wife?»

Sam Baldwin: «Well, how long is your program? Well, it was a million tiny things that, when you added them all up, they meant we were supposed to be together… and I knew it. I knew it the very first time I touched her. It was like coming home… only to no home I’d ever known… I was just taking her hand to help her out of a car and I knew. It was like… magic!»

Foi uma noite muito especial, aquela de sexta-feira, a que “Sleepless In Seattle” adicionou um pequeno toque de magia, como se por umas horas tivéssemos regredido no tempo. Sim, porque é disso que o filme trata, dos "acordes perfeitos" que por vezes se estabelecem entre duas pessoas, tornando esses momentos inesquecíveis. 



O filme inicia-se por um funeral: o de Maggie, a jovem esposa de Sam Baldwin (Tom Hanks), que deixa este naturalmente abatido e revoltado com a vida. Sam é arquitecto, vive em Chicago, e tem um filho de 8 anos, Jonah (Ross Malinger), que dali em diante passará a ser a sua única companhia. Mudam-se para Seattle, uma cidade portuária no noroeste dos Estados Unidos, junto à fronteira com o Canadá. Ano e meio depois, Sam continua com dificuldades em dormir, apesar de ter voltado a trabalhar. Na véspera de Natal, Jonah liga para um desses programas da rádio que têm o hábito de se meterem na vida das pessoas, resgatando histórias pessoais para deleite dos seus ouvintes. Como presente de Natal, pede uma nova mulher para o pai, e consegue que este, muito contrariado, aceda a falar com a responsável do programa, uma tal Drª Marcia Fieldstone (ver diálogo acima transcrito). Entre as muitas mulheres que ouvem a história de Sam e por isso anseiam conhecê-lo, encontra-se Annie Reed (Meg Ryan), uma jornalista de Baltimore, que está prestes a casar-se com Walter (Bill Pullman), um homem adorável (apesar das alergias), que tem tudo para a fazer feliz. Mas a história ouvida na rádio torna-se uma obsessão para ela, a ponto de viajar para Seattle (Baltimore, lembre-se, fica na costa oposta do continente americano) no intuito de conhecer pessoalmente quem inexplicavelmente lhe tomou conta de todos os pensamentos. Alguém que nunca viu na vida, que nem sabia que existia, mas que, quem sabe, seja a "tal alma gémea" .

Todo este preâmbulo tem como objectivo presentear o espectador com a pungente sequência final, passada em Nova Iorque, nomeadamente no topo do Empire State Building. Estou até convencido que a filmagem desse epílogo, um dos mais emocionantes da história do cinema (assim, de repente, lembro-me de apenas mais dois com igual índice de intensidade: o do "Cinema Paradiso" e o do "City Lights"), foi a razão primeira pela qual "Sleepless In Seattle" foi escrito. Tendo como reminiscências o clássico de Cary Grant e Deborah Kerr (“An Affair To Remember”, 1957), filme várias vezes citado (e visualizado), Nora Ephron (1941-2012), responsável também pelo argumento (melhor do que directora, ela foi uma argumentista notável), reinventa o filme de Leo McCarey, adaptando-o para a modernidade. Sem ponta de ironia, e utilizando a ingenuidade e a sinceridade dos melodramas da década de 50, Nora Ephron mostra-nos que o amor, afinal, não muda muito ao longo dos tempos, sendo reconhecido, quase sempre, por aquele pequeno frisson entre duas pessoas, que por causa disso se tornam especiais: «Existem amores, vagos e fugidios, que duram apenas três dias. Mas há outros, raros e preciosos, que o tempo e a saudade alimentam e que duram toda a vida». A tal "magia" de que o filme fala.


ALGUMAS CURIOSIDADES:

- A hilariante cena entre Tom Hanks e Victor Garber, evocando cenas do filme "The Dirty Dozen", foi completamente improvisada.

- O papel de Annie foi recusado por actrizes muito conhecidas, nomeadamente Julia Roberts, Kim Basinger, Michelle Pfeiffer, Jennifer Jason Leigh e Jodie Foster. Nicole Kidman e Demi Moore foram também equacionadas para o papel.

- Foi o segundo de três filme em que Meg Ryan e Tom Hanks trabalharam juntos. O primeiro foi "Joe Versus The Volcano" (1990) e o terceiro, "You've Got Mail" (1998).

- Nora Ephron escreveu o argumento de "When Harry Met Sally" (1989), também com Meg Ryan, filme dirigido por Rob Reiner, o qual participa como actor neste "Sleepless In Seattle".

- Em Junho de 2008, o American Film Institute colocou "Sleepless In Seattle" na lista das 10 melhores comédias românticas de sempre. Ver lista completa aqui.

- O filme teve duas nomeações para os Óscars de Hollywood, nas categorias de argumento original (Nora Ephron, David S. Ward e Jeff Arch) e melhor canção: "A wink and a smile" (música de Marc Shaiman e letra de Ramsey McLean), interpretada por Harry Connick Jr. Mais três nomeações para os Globos de Ouro: melhor comédia ou musical; actriz principal (Meg Ryan) e actor principal (Tom Hanks). Ver aqui outros prémios.

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