quarta-feira, abril 12, 2023

PHENOMENA (1985)

PHENOMENA
Um filme de DARIO ARGENTO


Com Jennifer Connelly, Donald Pleasence, Daria Nicolodi, Dalila Di Lazzaro, Patrick Bauchau, Fiore Argento, etc.

ITÁLIA-SUIÇA / 116 min / 
COR / 16X9 (1.66:1)

Estreia em Itália: 31/1/1985
Estreia em Portugal: Fevereiro 1986 (Fantasporto)

 




De entre toda a sua filmografia, que actualmente é constituída por cerca de trinta títulos, desde “O Pássaro das Plumas de Cristal” (1970) até “Occhiali Neri” (2022), Dario Argento, um dos percursores do chamado giallo italiano (a par de Mario Bava), tem por este filme uma especial simpatia, a ponto de o considerar por vezes o seu filme favorito. Jennifer Connelly, que o realizador conheceu durante a rodagem de “Era Uma Vez na América”, de Sergio Leone, desempenha aqui o papel principal de uma jovem americana, filha de um actor de cinema, que se encontra hospedada temporariamente num internato de elite para raparigas na Suiça. Jennifer Corvino, assim se chama a nossa heroína, tem duas particularidades que a distinguem das demais: é sonâmbula e tem uma afeição especial por insectos, a ponto de conseguir comunicar com eles. Aqui entramos já no campo do sobrenatural, que vai coexistir, ao longo do filme, com o assassínio de algumas jovens da região, conhecida como a “Transilvânia Suiça”. As vítimas do mais que provável serial killer são sempre horrivelmente desmembradas.



Como é característica dominante nos filmes de Dario Argento, a atmosfera ameaçadora impõe-se em “Phenomena”, filmada sempre com grande mestria e assente num apelativo fundo musical, que aqui recorre a temas de bandas de heavy metal: Goblin, Iron Maiden, Motörhead ou Andi Sex Gang. Registo ainda para a participação do Rolling Stone Bill Wyman e ainda de Claudio Simonetti, que escreve e interpreta o tema principal do filme. Pelo meio vão aparecendo os desempenhos mais ou menos caricatos dos intérpretes ou ainda a pobreza dos diálogos, algo infelizmente também comum nos filmes de Argento. Mas os fans parecem desculpar sempre estes aspectos menos conseguidos, trocando-os alegremente pelo tal clima único que só nos filmes de Argento se é capaz de respirar. Eu próprio pertenço a esse clube restrito, que identifica à primeira visão todos os maneirismos do realizador, os quais, embora toscos, têm o condão de nos fascinar. Vá-se lá saber porquê.



ALGUMAS CURIOSIDADES:

- Jennifer Connelly teve sempre uma relação problemática com a chimpanzé do filme, que inclusive a chegou a morder, arrancando-lhe parte de um dedo, o que a levou de urgência ao hospital.

- Dario Argento resolveu escrever o argumento (de parceria com Franco Ferrini) e realizar “Phenomena” porque soube que os insectos são usados às vezes durante as investigações de assassinatos.

- Filme rodado originalmente na língua inglesa e só depois dobrado para italiano.

- Quando “Phenomena” foi comprado pela New Line Cinema para exibição nos EUA, foram cortados 29 minutos, tendo sido criado outro título – “Creepers” – com o qual o filme se estreou em território americano. Foi esta mesma versão a que foi lançada no Reino Unido, na primavera de 1986.

domingo, abril 09, 2023

 

Título original: “How to Watch a Movie” (2015)
Editora: Bertrand (Maio 2016)
Tradução de Mónica Galeão
Capa de Rui Rodrigues
Dimensões: 147 X 233 X 18 mm
Nº de páginas: 240
ISBN: 978-972-253-129-9

David Thomson (Londres, 1941) é um reconhecido crítico de cinema, historiador e autor. Reside em São Francisco, nos EUA, onde colabora regularmente com The New York Times, tendo também escrito para The Guardian e The Independent. A sua escrita passa naturalmente pelos guiões cinematográficos, mas confessa que prefere os livros e por isso mesmo já publicou mais de 20 obras que vão da biografia à novela. Segundo Leon Wieseltier, «uma das grandes bênçãos da nossa cultura é a paixão de David Thompson pelo cinema.» Efectivamente, “Como Ver um Filme” lê-se de um só fôlego, quer sejamos cinéfilos quer não entendamos patavina do que realmente é o cinema! Ou seja, qualquer que seja o tipo de público, este livro vai cimentar a paixão pela 7ª Arte ou, por outro lado, esclarecer os apenas curiosos por essas coisas chamadas filmes.

quarta-feira, abril 05, 2023

ONCE UPON A TIME IN AMERICA (1984)

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA
Um filme de SERGIO LEONE

Com Robert De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Jennifer Connelly, Treat Williams, Tuesday Weld, Burt Young, Joe Pesci, Danny Aiello, William Forsythe, James Hayden, Larry Rapp, etc.

EUA-ITÁLIA / 229 min / 
COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia em França (Festival de Cannes): 20/5/1984
Estreia em Portugal: 7/2/1986 (Lisboa)

Noodles: «You see, Mr Secretary… I have a story also, a little simpler than yours. Many years ago, I had a friend, a dear friend. I turned him in to save his life, but he was killed. But he wanted it that way. It was a great friendship. But it went bad for him, and it went bad for me too. Good night, Mr Bailey.»

«Quis fazer um filme sobre aquela América magicamente suspensa entre o cinema e a história, entre a política e a literatura, que condicionou e condiciona ainda a vida intelectual de muitas gerações de homens, como uma espécie de mito grego moderno e mirabolante» (Sergio Leone)


Das sete longas metragens de Sergio Leone, estreadas entre 1961 e 1984, existem dois filmes que podem ser consideradas obras-primas absolutas da 7ª Arte: “Aconteceu no Oeste” (1968) e este “Era Uma Vez na América”, que o realizador italiano começou a rodar a 14 de Junho de 1982 (as filmagens chegariam ao seu termo a 22 de Abril de 1983). Baseado no romance semi-autobiográfico “The Hoods”, de Harry Grey (o verdadeiro “Noodles”), e argumento escrito a seis mãos, “Era Uma Vez na América” é a concretização do sonho de juventude de Leone e o seu filme testamentário. A 30 de Abril de 1989 o seu coração pararia de bater, enquanto assistia na televisão, na companhia da mulher Carla, ao filme “I Want to Live” (1958), de Robert Wise. Tinha 60 anos. Durante o funeral, na Basílica de San Paolo Fuori le Mura, Ennio Morricone tocaria o tema principal de “Aconteceu no Oeste”.

“Era Uma Vez na América”, como filme de gangsters, só pode ser comparado, em importância e grandiosidade, à obra de Francis Ford Coppola, “O Padrinho”. Leone assina aqui um monumento de quase quatro horas, entrelaçando três épocas distintas (1921, 1933 e 1968), para contar a história de quatro rapazes judeus, Noodles, Max, Cockeye e Patsy, num bairro pobre de Nova Iorque. Brincadeiras, matreirices e descobertas próprias da adolescência, começam a cimentar uma amizade que se irá prolongar no tempo, sobretudo entre Noodles (Robert De Niro) e Max (James Woods), que traça toda a estrutura narrativa do filme. Nesse primeiro tempo existe ainda um quinto elemento, Dominic, que é morto por um elemento de um gangue rival. Ao reagir, desvairado, ao seu assassínio, Noodles acaba por matar o autor do crime, vindo ainda a esfaquear um polícia, o que o leva à prisão. Sai doze anos depois, na época da Lei Seca, e constata que os amigos fizeram fortuna, gerindo agora um cabaret.


Para além do núcleo masculino da história existe Deborah (Jennifer Connelly, primeiro, Elizabeth McGovern depois), a irmã de Fat Moe, pela qual Noodles se enamora desde criança. Ela encarna a imagem fantasmagórica da América, uma imagem literalmente intocável (quando tenta fazer amor com ela, Noodles acaba por só conseguir violá-la), apenas passível de contemplação à distância. A sequência do bailado no armazém (“Amapola”) presenciado por Noodles a partir de uma pequena fresta na casa de banho do restaurante é o momento onírico que marca a alternância entre as diferentes idades dos protagonistas. Uma das últimas e mais belas sequências do filme é quando Noodles, já idoso, reencontra Deborah no seu camarim de artista, que se desmaquilha frente ao espelho. Na parede, um cartaz de “António e Cleópatra”, de William Shakespeare, proporciona a Noodles a citação do escritor: «O tempo não a poderia envelhecer…» «Aquilo foi escrito para ti», acrescenta. Atrás da máscara branca surge o rosto da jovem que, ao contrário das outras personagens do filme, pouco ou nada envelheceu. Para Noodles, que tanto a amou, a sua beleza permaneceu intacta. Ao cair, a máscara de Deborah revela a essência do cinema de Sergio Leone: «A América foi o primeiro amor dos italianos que cresceram nos anos 30. Nunca se esquece o primeiro amor, mesmo que o nosso ponto de vista mude consideravelmente mais tarde.»



No final da sequência atrás citada, Noodles revela a Deborah as duas razões que o levaram a procurá-la: constatar se realmente tinha valido a pena a separação entre os dois para que ela pudesse triunfar nas suas ambições; e pedir-lhe conselho sobre se deveria aceitar um convite para uma festa oferecida pelo secretário de estado Bailey, figura que pessoalmente nunca conhecera, e que por isso despertava a sua curiosidade. Deborah avisa-o: «Só nos restam as recordações. Se fores no sábado a essa recepção, vais estragá-las.» Mas o mistério aguça o interesse de Noodles, que acaba mesmo por aceitar o estranho convite. O secretário Bailey não é outro senão Max, o antigo companheiro de Noodles, que este julgava morto há mais de 30 anos, devido a uma emboscada da qual ele tinha sido o delator, e que por isso o tinha feito afastar-se de tudo e de todos naquele longo período.



O confronto final entre os dois homens tem características opostas. Max quer que Noodles o mate por lhe ter roubado tudo, incluindo Deborah, a única mulher que ele sempre amou, e assim poder salvar pelo menos a honra. Mas Noodles recusa chamá-lo pelo seu nome verdadeiro, como se a pessoa que agora tem diante de si não fosse o homem pelo qual ele tinha sacrificado a vida há mais de trinta anos. Noodles substitui a realidade decepcionante do mundo que descobre nos anos 60 (a amizade suja, a América corrompida, os amores perdidos) por um mundo ideal mas já extinto (os anos trinta). Esta vontade de manter à distância a experiência do real e de preservar a antiga inocência constitui a melancolia do filme e explica por que o mundo isolado que representa o vício de fumar ópio é o local instintivo de Noodles e a base da narração. O último trocar de olhares entre Max e Noodles manifesta esta indecisão temporal.



Depois é a cena já no exterior da residência, em que Noodles olha para um camião do lixo que passa. Como analogia com tudo quanto existe de putrefacto, o veículo afasta-se lentamente na profundeza do campo e fica reduzido a duas luzes vermelhas, perdidas na noite. De seguida, reaparecem outras luzes, agora brancas, de uma viatura cheia de jovens ruidosos. A presença na imagem do olhar do velho Noodles e desta visão surgida dos anos 30 abrange a explicação de um filme do qual o tema principal é a união impossível: entre os sonhos das crianças e o mundo dos adultos, entre a América fabricada por Hollywood e a América real. O filme acaba, tal como começa, com a música “God Bless America”, de Irving Berlin. Leone não parou de fantasiar com uma América mitológica, cinematográfica e universal que, no fundo, só existiu aos seus olhos deslumbrados de menino. “Era Uma Vez na América” conta a história desta desilusão.



Após ter finalizado a rodagem, Leone viu-se nas mãos com cerca de 9 horas de filme. Ele e o editor Nuno Baragli reduziram a metragem total para cerca de 6 horas, pensando poder apresentar a obra em dois filmes separados, com cerca de 3 horas cada um, à semelhança do que Bernardo Bertolucci tinha já feito com “Novecento”. Mas os produtores recusaram tal ideia e Leone teve de reduzir ainda mais o filme, para pouco menos de 4 horas. Foi assim que “Era Uma Vez na América” estreou no Festival de Cannes de 1984, onde teve uma recepção entusiástica, com 15 minutos de contínuos aplausos. Mas o pior ainda estava para vir. Como sempre avessos a filmes muito extensos, os exibidores americanos (Ladd Company) reduziram drasticamente a obra para cerca de duas horas e um quarto, versão essa que foi a que passou em todos os cinemas dos Estados Unidos, tornando-se certamente incompreensível para todo o público norte-americano e originando por isso mesmo uma enxurrada de más críticas. Como consequência da leviandade americana, que, diga-se, tem um longo e nefasto historial, o filme não obteve qualquer nomeação para os Óscares, tendo tido apenas duas nomeações para os Globos de Ouro (Sergio Leone e Ennio Morricone). Em contrapartida, a versão original conseguiu 5 nomeações para os BAFTA ingleses (incluindo realização, cinematografia e actriz secundária – Tuesday Weld), vencendo em duas categorias: Guarda-Roupa (Gabriella Pescucci) e Banda-Sonora (Ennio Morricone). 


ALGUMAS CURIOSIDADES:

- A ponte de Manhattan, tal como aparece no poster do filme, pode ser vista a partir de Washington Street, em Brooklyn.

- Foi o primeiro filme de Jennifer Connelly. Completou 12 anos no dia 12 de Dezembro de 1982. O seu desempenho chamou a atenção do realizador italiano Dario Argento, que tinha trabalhado com Leone em “Aconteceu no Oeste”. Em 1985, Argento deu-lhe o papel principal em “Phenomena”.

- A partitura musical de Ennio Morricone encontrava-se já pronta no início das filmagens, o que permitiu tocá-la simultaneamente com a rodagem de algumas cenas.

- Sergio Leone recusou a oferta de dirigir “O Padrinho” dez anos antes. Uma decisão que mais tarde lamentou, e que o incentivou ainda mais a realizar “Era Uma Vez na América”.

- Leone baseou o estilo visual do filme em pinturas de artistas como Reginald Marsh, Edward Hopper, Norman Rockwell ou Edgar Degas, este último para as cenas de dança de Deborah.

- Al Pacino e Jack Nicholson não aceitaram o papel de “Noodles”. Quanto ao papel de Deborah, o mesmo foi recusado por Jodie Foster e por Daryl Hannah.

- A música “Deborah’s Theme” foi mais tarde adaptada a uma canção de Céline Dion (“I Knew I Loved You”) e a outra interpretada por Andrea Bocelli e Ariana Grande (“E Più Ti Penso / The More I Think of You”)

- Único filme de Leone a ser falado em inglês. Mas quando se estreou em Itália, os diálogos foram dobrados para italiano.