quarta-feira, outubro 19, 2011

1 ANO PRÓ FALCÃO

O blogue “O FalcãoMaltês”, da autoria de Antonio Nahud Jr., celebrou agora o primeiro ano de existência. Ainda um catraio, dirão alguns, mas a verdade é que os amantes do cinema clássico (o verdadeiro, o que vale a pena ser visto, revisto, apreciado e idolatrado), já não dispensa uma passagem semanal por aquele lugar. Nahud teve uma excelente ideia para comemorar esta data festiva: convidou 10 blogueiros a fazerem-lhe um conjunto de três perguntas cada um e depois respondeu a tudo, com muita franqueza e paixão cinéfila. O Rato Cinéfilo transcreve de seguida bocados dessa grande entrevista (quem a quiser ler na íntegra basta dar um salto ao “Falcão Maltês”):


- Nota-se a exposição de um vasto repertório em “O Falcão Maltês”, seja de fotos ou de informação sobre filmes, diretores e estrelas do cinema. O material é pesquisado apenas na web, ou você tem um arquivo pessoal? Fale mais sobre esse repertório apresentado, sobretudo referente aos filmes e estrelas do passado.
ANJ - Não deixo de pesquisar na web, Adalberto, mas boa parte do material postado neste blog vem do meu arquivo pessoal. Desde garoto, quando via os primeiros filmes, eu ia para casa rabiscar em cadernos sobre eles, completando essas anotações ingênuas com imagens recortadas em revistas ou jornais. Eu sempre li muito. Desde muito cedo. E comecei a gostar de cinema na mesma época, misturando tudo na minha cabeça. Logo passei a colecionar revistas de cinema, cartazes, figurinhas, livros etc. Até fazia ficha de filmes. Perdi muita coisa nessa minha vida cigana, morando em tantas cidades e países diferentes, mas ainda restou um farto acervo, do qual realmente me orgulho. Preservo uma coleção de cerca de três mil filmes, mais de uma centena de livros sobre cinema, inúmeras revistas e trilhas sonoras, além de pastas-arquivos abarrotadas de recortes.

"Rocco e Seus Irmãos", de Luchino Visconti
- Comparando-se o cinema de hoje ao do passado, você acredita que ainda há lugar para a arte e a invenção?
ANJ - Nos últimos anos, como sabemos, a sensibilidade cultural caiu barbaramente, tornando ainda mais difícil a sobrevivência da arte inteligente e sofisticada, predominando o tolo, o perecível. O cinema também mergulhou nessa crise, mas alternativas positivas existem, mesmo com essa aparentemente irreversível decadência cultural. Já não há aquela efervescência cinematográfica em busca de um estilo, um movimento, ou mesmo da “obra perfeita”.  Os cineastas de hoje não estão interessados em qualidade, mas em ganhar dinheiro e fama. São raros os que fogem dessa tendência. O que vale hoje é a cultura da celebridade, da vulgaridade televisiva. A mediocridade domina o mundo.

"O Sétimo Sêlo", de Ingmar Bergman
- Quais os cinco melhores filmes na sua opinião afetiva?
ANJ - Tenho percebido que sempre que ouso listar os melhores de sempre, os filmes não são os mesmos das listas anteriores. Talvez eu seja meio volúvel, hoje Visconti, amanhã Bergman. Mas vamos lá. Fico com “Rocco e seus Irmãos / Roco e i Suoi Fratelli” (1960), de Luchino Visconti; “Rashomon / Idem” (1950), de Akira Kurosawa; “A Marca da Maldade / Touch of Evil” (1958), de Orson Welles; “Fausto / Faust – Eine Deutsche Volkssage” (1926) de F. W. Murnau; e “O Sétimo Selo / Det Sjunde Inseglet” (1956), de Ingmar Bergman.

"A Sede do Mal", de Orson Welles

- Qual o pior cinéfilo, aquele metido a crítico, que observa cada detalhe para somente criticar cada um dele baseado em alguma regra cinematográfica (e ai de você se discordar dele) ou aquele que torce o nariz quando você lhe fala sobre um filme com mais de 10 anos de idade sem nem ao menos pensar se seria uma boa experiência vê-lo?
ANJ - Eu não entendo o cinéfilo que vive só de modismos ou blockbusters, esnobando o cinema clássico. É o mesmo que gostar de música e não ouvir jazz, bossa-nova, samba canção. Essa desinformação limita, não abre caminhos, não se sustenta. Tampouco compreendo o cinéfilo metido a crítico de cinema, analisando rigorosamente cada filme que vê sem qualquer preparo. Sei que não existe uma escola de crítica, onde se sai crítico de cinema, mas tal profissão não é fácil como muita gente pensa. O crítico deve ter, antes de mais nada, um repertório muito extenso da cinematografia e a capacidade de contextualizar os filmes no universo sócio-político-cultural em que eles se inserem. Ele também precisa investir na inteligência do leitor, despertando o interesse por textos elaborados. O que vejo em abundância nada mais é do que o triunfo da preguiça intelectual, o superficial que não satisfaz.

"Aconteceu no Oeste", de Sergio Leone
- Tendo vivido na Europa, o que você acha do spaghetti-western?
ANJ - Tenho até vergonha de confessar, mas sinceramente não suporto o spaghetti-western, mesmo vendo talento em Giuliano Gemma, Franco Nero, Gian Maria Volonté e em alguns diretores como Sergio Corbucci ou Damiano Damiani. Toda a sua embalagem me parece primária, rude, improvisada, sem verdade ou emoção. Por achar o spaghetti-western tão oportunista e descartável, terminei por separar o Sergio Leone dessa febre cult sem estilo. “Era Uma Vez no Oeste / C’era una Volta Il West” (1968) é uma obra-prima memorável e o Leone, magistral. Ele não merece seguidores tão chinfrins.

"Do Céu Caíu Uma Estrela", de Frank Capra
- Cite três filmes que influenciaram a sua vida
ANJ - “O Sétimo Selo”, de Bergman, tornou-me consciente da fragilidade da vida e do desequilíbrio humano. “A Felicidade Não se Compra / It’s a Wonderful Life” (1946), de Frank Capra, me fez crer na inocência e na generosidade como bens preciosos e em extinção. “A Noite / La Notte” (1961), de Antonioni, revelou-me que a solidão e a falta de comunicação são estigmas incontornáveis da humanidade.

"A Noite", de Michelangelo Antonioni
- Diga o filme e a personagem (masculina ou feminina) que você mais gostaria de ter desempenhado no cinema e porquê.
ANJ - Gosto do Rick Blaine de Humphrey Bogart em “Casablanca” (1942), mesmo não me interessando muito pelo filme num todo. Acho comovente esse quarentão independente, rebelde, deslocado, solitário, sem esperanças, vivendo num país que não é o seu, percebendo a loucura generalizada e estrangulando-se emocionalmente pela recordação de um amor impossível. Cai como uma luva no meu estilo de vida.

"Casablanca", de Michael Curtiz
- Acredito que o cinema, tal como o conhecemos durante as nossas vidas, tem os dias contados e não vai sobreviver no futuro. Imagine que você dispõe de uma máquina do tempo e pode ir ao ano 5000 dar uma palestra sobre o que era essa coisa da “Sétima Arte” dos séculos XX e XXI. Quais os cinco filmes que você levaria debaixo do braço para exemplificar o que era o Cinema nas suas diversas vertentes?
ANJ - Êta, amigo, tá complicado... Contar a história do cinema em cinco filmes não é fácil não... Vamos ver... Começaria com “Tempos Modernos / Modern Times” (1936), de Chaplin. Saltaria para “O Boulevard do Crime / Les Enfants Du Paradis” (1945), de Marcel Carné. Continuaria com o neo-realista “Ladrões de Bicicleta / Ladri di Biciclette” (1948), de Vittorio De Sica. Depois “2001 – Uma Odisséia no Espaço / 2001: A Space Odyssey” (1968), de Kubrick, e por fim, “Apocalipse Now / Idem” (1979), de Coppola.

- Se  você tivesse que usar três substantivos para descrever "cinema"... quais usaria?
ANJ - Preto-e-branco, coração, memória.

"O Destino Bate à Porta", de Tay Garnett
- Nós, muitas vezes, temos gostos completamente opostos em questão de atores/atrizes... Explique-me... por que Lana Turner?
ANJ - A questão da atração/afeição é inexplicável, misteriosa. Cada um tem os seus fetiches e sensações privadas. O mesmo acontece em relação ao universo cinematográfico. Muitas vezes nos encantamos por certos atores/atrizes sem nenhum talento especial e sem qualquer motivo aparente. Por exemplo, gosto demais do Tyrone Power e da Rita Hayworth, dois atores de talento limitado. Já outros - embora tenha consciência do talentos deles -, não consigo engolir, até incomodam, fico sempre pensando: "Esse personagem ficaria melhor na pele de tal ator. O filme cresceria muito mais". É o que sinto em relação a Jimmy Stewart, Doris Day, Tony Curtis, Julie Andrews, Sidney Poitier, John Wayne, June Allyson, Joan Collins, Dean Martin, entre outros. A Lana não faz parte do meu círculo de seletos, mas aprecio sua beleza sensual, o porte de diva, a trajetória perene e apaixonada. O autógrafo que tenho dela aconteceu mais por impulso. Ela estava no Festival de San Sebastian e eu a seguia com os olhos, procurando desvendar o mito. De repente, a estrela sorriu para mim, eu me aproximei e timidamente pedi um autógrafo. Na época, meu inglês era limitado e nem deu para confessar como sou fã de alguns de seus filmes.

"Amarcord", de Federico Fellini
- Uma das minhas memória prediletas... você se lembra da primeira vez que entrou num cinema? Descreva sua sensação...
ANJ - A primeira vez realmente não me recordo. Nas defasadas matinês do cinema da minha cidade interiorana só exibiam reprises de filmes de Jerry Lewis, Elvis Presley, épicos (Hercules, Maciste etc.) e westerns italianos. Eu ia semanalmente assisti-los como quem ia à missa, bastante entediado. Tudo realmente começou na minha primeira sessão noturna, em um cinema de arte. Eu tinha doze anos e fui com meu pai assistir “Amarcord”. Fiquei enfeitiçado, estarrecido. Ainda mais que não havia nenhuma outra criança presente, somente adultos. Passei o resto da noite sem dormir, literalmente seduzido pela magia do bom cinema.

"Tempos Modernos", de Charles Chaplin

4 comentários:

Fábio Henrique Carmo disse...

Já havia visto a entrevista no próprio Falcão. Excelente!

Rato, seu comentário lá no Cinema com Pimenta sobre "O Homem Elefante" simplesmente sumiu depois que autorizei a postagem. Mais um dos tilts do Blogger. Se quiser respostar, fique à vontade. Até mais!

M. disse...

O Falcão Maltês é tão bom e tão bem escrito que a gente pensa que ele tem bem mais tempo na blogosfera do que a gente imagina. Longa vida ao blog!

Billy Rider disse...

Também sou fã do blogue do Nahud. E por tua culpa, caro Rato, pois foi a partir daqui que lá fui ter. A entrevista está de facto um mimo de se ler, foi uma ideia bastante original dele. Mas todas as fotos deste post são magníficas também.

Um abraço

ANTONIO NAHUD disse...

Grato pela gentileza, caro Rato. Gostei muito. E as imagens estão sensacionais.

O Falcão Maltês