domingo, julho 16, 2023
quarta-feira, abril 12, 2023
PHENOMENA (1985)
Com Jennifer
Connelly, Donald Pleasence, Daria Nicolodi, Dalila Di Lazzaro, Patrick Bauchau,
Fiore Argento, etc.
COR / 16X9 (1.66:1)
Estreia em Portugal: Fevereiro 1986 (Fantasporto)
De entre toda a sua filmografia, que actualmente é constituída por cerca de trinta títulos, desde “O Pássaro das Plumas de Cristal” (1970) até “Occhiali Neri” (2022), Dario Argento, um dos percursores do chamado giallo italiano (a par de Mario Bava), tem por este filme uma especial simpatia, a ponto de o considerar por vezes o seu filme favorito. Jennifer Connelly, que o realizador conheceu durante a rodagem de “Era Uma Vez na América”, de Sergio Leone, desempenha aqui o papel principal de uma jovem americana, filha de um actor de cinema, que se encontra hospedada temporariamente num internato de elite para raparigas na Suiça. Jennifer Corvino, assim se chama a nossa heroína, tem duas particularidades que a distinguem das demais: é sonâmbula e tem uma afeição especial por insectos, a ponto de conseguir comunicar com eles. Aqui entramos já no campo do sobrenatural, que vai coexistir, ao longo do filme, com o assassínio de algumas jovens da região, conhecida como a “Transilvânia Suiça”. As vítimas do mais que provável serial killer são sempre horrivelmente desmembradas.
Como é característica dominante nos filmes de Dario Argento, a atmosfera ameaçadora impõe-se em “Phenomena”, filmada sempre com grande mestria e assente num apelativo fundo musical, que aqui recorre a temas de bandas de heavy metal: Goblin, Iron Maiden, Motörhead ou Andi Sex Gang. Registo ainda para a participação do Rolling Stone Bill Wyman e ainda de Claudio Simonetti, que escreve e interpreta o tema principal do filme. Pelo meio vão aparecendo os desempenhos mais ou menos caricatos dos intérpretes ou ainda a pobreza dos diálogos, algo infelizmente também comum nos filmes de Argento. Mas os fans parecem desculpar sempre estes aspectos menos conseguidos, trocando-os alegremente pelo tal clima único que só nos filmes de Argento se é capaz de respirar. Eu próprio pertenço a esse clube restrito, que identifica à primeira visão todos os maneirismos do realizador, os quais, embora toscos, têm o condão de nos fascinar. Vá-se lá saber porquê.
ALGUMAS CURIOSIDADES:
- Jennifer Connelly teve sempre uma relação problemática com
a chimpanzé do filme, que inclusive a chegou a morder, arrancando-lhe parte de
um dedo, o que a levou de urgência ao hospital.
- Dario Argento resolveu escrever o argumento (de parceria
com Franco Ferrini) e realizar “Phenomena” porque soube que os insectos são
usados às vezes durante as investigações de assassinatos.
- Filme rodado originalmente na língua inglesa e só depois
dobrado para italiano.
- Quando “Phenomena” foi comprado pela New Line Cinema para
exibição nos EUA, foram cortados 29 minutos, tendo sido criado outro título – “Creepers”
– com o qual o filme se estreou em território americano. Foi esta mesma versão a que
foi lançada no Reino Unido, na primavera de 1986.
domingo, abril 09, 2023
Editora: Bertrand (Maio 2016)
Tradução de Mónica Galeão
Capa de Rui Rodrigues
Dimensões: 147 X 233 X 18 mm
Nº de páginas: 240
ISBN: 978-972-253-129-9
David Thomson (Londres, 1941) é um reconhecido
crítico de cinema, historiador e autor. Reside em São Francisco, nos EUA, onde colabora regularmente com The New York Times, tendo
também escrito para The Guardian e The Independent. A sua escrita passa
naturalmente pelos guiões cinematográficos, mas confessa que prefere os livros
e por isso mesmo já publicou mais de 20 obras que vão da biografia à novela.
Segundo Leon Wieseltier, «uma das grandes bênçãos da nossa cultura é a paixão
de David Thompson pelo cinema.» Efectivamente, “Como Ver um Filme” lê-se de um
só fôlego, quer sejamos cinéfilos quer não entendamos patavina do que realmente
é o cinema! Ou seja, qualquer que seja o tipo de público, este livro vai cimentar
a paixão pela 7ª Arte ou, por outro lado, esclarecer os apenas curiosos por essas
coisas chamadas filmes.
quarta-feira, abril 05, 2023
ONCE UPON A TIME IN AMERICA (1984)
Um filme de SERGIO LEONE
Com Robert
De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Jennifer Connelly, Treat Williams, Tuesday Weld, Burt
Young, Joe Pesci, Danny Aiello, William Forsythe, James Hayden, Larry Rapp,
etc.
COR / 16X9 (1.85:1)
Estreia em Portugal: 7/2/1986 (Lisboa)
Noodles: «You see, Mr Secretary… I
have a story also, a little simpler than yours. Many years ago, I had a friend,
a dear friend. I turned him in to save his life, but he was killed. But he
wanted it that way. It was a great friendship. But it went bad for him, and it
went bad for me too. Good night, Mr Bailey.»
«Quis fazer um filme sobre aquela América magicamente suspensa entre o cinema e a história, entre a política e a literatura, que condicionou e condiciona ainda a vida intelectual de muitas gerações de homens, como uma espécie de mito grego moderno e mirabolante» (Sergio Leone)
Das sete longas metragens de Sergio Leone, estreadas entre
1961 e 1984, existem dois filmes que podem ser consideradas obras-primas
absolutas da 7ª Arte: “Aconteceu no Oeste” (1968) e este “Era Uma Vez na
América”, que o realizador italiano começou a rodar a 14 de Junho de 1982 (as
filmagens chegariam ao seu termo a 22 de Abril de 1983). Baseado no romance
semi-autobiográfico “The Hoods”, de Harry Grey (o verdadeiro “Noodles”), e
argumento escrito a seis mãos, “Era Uma Vez na América” é a concretização do
sonho de juventude de Leone e o seu filme testamentário. A 30 de Abril de 1989
o seu coração pararia de bater, enquanto assistia na televisão, na companhia da
mulher Carla, ao filme “I Want to Live” (1958), de Robert Wise. Tinha 60 anos. Durante
o funeral, na Basílica de San Paolo Fuori le Mura, Ennio Morricone tocaria o
tema principal de “Aconteceu no Oeste”.
“Era Uma Vez na América”, como filme de gangsters, só
pode ser comparado, em importância e grandiosidade, à obra de Francis Ford
Coppola, “O Padrinho”. Leone assina aqui um monumento de quase quatro horas,
entrelaçando três épocas distintas (1921, 1933 e 1968), para contar a história
de quatro rapazes judeus, Noodles, Max, Cockeye e Patsy, num bairro pobre de
Nova Iorque. Brincadeiras, matreirices e descobertas próprias da adolescência,
começam a cimentar uma amizade que se irá prolongar no tempo, sobretudo entre
Noodles (Robert De Niro) e Max (James Woods), que traça toda a estrutura
narrativa do filme. Nesse primeiro tempo existe ainda um quinto elemento,
Dominic, que é morto por um elemento de um gangue rival. Ao reagir, desvairado,
ao seu assassínio, Noodles acaba por matar o autor do crime, vindo ainda a
esfaquear um polícia, o que o leva à prisão. Sai doze anos depois, na época da
Lei Seca, e constata que os amigos fizeram fortuna, gerindo agora um cabaret.
Para além do núcleo masculino da história existe Deborah
(Jennifer Connelly, primeiro, Elizabeth McGovern depois), a irmã de Fat Moe,
pela qual Noodles se enamora desde criança. Ela encarna a imagem fantasmagórica
da América, uma imagem literalmente intocável (quando tenta fazer amor com ela,
Noodles acaba por só conseguir violá-la), apenas passível de contemplação à
distância. A sequência do bailado no armazém (“Amapola”) presenciado por
Noodles a partir de uma pequena fresta na casa de banho do restaurante é o
momento onírico que marca a alternância entre as diferentes idades dos
protagonistas. Uma das últimas e mais belas sequências do filme é quando
Noodles, já idoso, reencontra Deborah no seu camarim de artista, que se
desmaquilha frente ao espelho. Na parede, um cartaz de “António e Cleópatra”,
de William Shakespeare, proporciona a Noodles a citação do escritor: «O tempo
não a poderia envelhecer…» «Aquilo foi escrito para ti», acrescenta. Atrás da
máscara branca surge o rosto da jovem que, ao contrário das outras personagens
do filme, pouco ou nada envelheceu. Para Noodles, que tanto a amou, a sua
beleza permaneceu intacta. Ao cair, a máscara de Deborah revela a essência do
cinema de Sergio Leone: «A América foi o primeiro amor dos italianos que
cresceram nos anos 30. Nunca se esquece o primeiro amor, mesmo que o nosso
ponto de vista mude consideravelmente mais tarde.»
No final da sequência atrás citada, Noodles revela a Deborah
as duas razões que o levaram a procurá-la: constatar se realmente tinha valido
a pena a separação entre os dois para que ela pudesse triunfar nas suas
ambições; e pedir-lhe conselho sobre se deveria aceitar um convite para uma
festa oferecida pelo secretário de estado Bailey, figura que pessoalmente nunca
conhecera, e que por isso despertava a sua curiosidade. Deborah avisa-o: «Só
nos restam as recordações. Se fores no sábado a essa recepção, vais estragá-las.»
Mas o mistério aguça o interesse de Noodles, que acaba mesmo por aceitar o estranho
convite. O secretário Bailey não é outro senão Max, o antigo companheiro de Noodles,
que este julgava morto há mais de 30 anos, devido a uma emboscada da qual ele
tinha sido o delator, e que por isso o tinha feito afastar-se de tudo e de
todos naquele longo período.
O confronto final entre os dois homens tem características opostas. Max quer que Noodles o mate por lhe ter roubado tudo, incluindo Deborah,
a única mulher que ele sempre amou, e assim poder salvar pelo menos a honra.
Mas Noodles recusa chamá-lo pelo seu nome verdadeiro, como se a pessoa que agora
tem diante de si não fosse o homem pelo qual ele tinha sacrificado a vida há
mais de trinta anos. Noodles substitui a realidade decepcionante do mundo que
descobre nos anos 60 (a amizade suja, a América corrompida, os amores perdidos)
por um mundo ideal mas já extinto (os anos trinta). Esta vontade de manter à
distância a experiência do real e de preservar a antiga inocência constitui a
melancolia do filme e explica por que o mundo isolado que representa o vício de
fumar ópio é o local instintivo de Noodles e a base da narração. O último
trocar de olhares entre Max e Noodles manifesta esta indecisão temporal.
Depois é a cena já no exterior da residência, em que Noodles
olha para um camião do lixo que passa. Como analogia com tudo quanto existe de
putrefacto, o veículo afasta-se lentamente na profundeza do campo e fica
reduzido a duas luzes vermelhas, perdidas na noite. De seguida, reaparecem outras
luzes, agora brancas, de uma viatura cheia de jovens ruidosos. A presença na
imagem do olhar do velho Noodles e desta visão surgida dos anos 30 abrange a
explicação de um filme do qual o tema principal é a união impossível: entre os
sonhos das crianças e o mundo dos adultos, entre a América fabricada por
Hollywood e a América real. O filme acaba, tal como começa, com a música “God
Bless America”, de Irving Berlin. Leone não parou de fantasiar com uma América
mitológica, cinematográfica e universal que, no fundo, só existiu aos seus
olhos deslumbrados de menino. “Era Uma Vez na América” conta a história desta
desilusão.
Após ter finalizado a rodagem, Leone viu-se nas mãos com cerca de 9 horas de filme. Ele e o editor Nuno Baragli reduziram a metragem total para cerca de 6 horas, pensando poder apresentar a obra em dois filmes separados, com cerca de 3 horas cada um, à semelhança do que Bernardo Bertolucci tinha já feito com “Novecento”. Mas os produtores recusaram tal ideia e Leone teve de reduzir ainda mais o filme, para pouco menos de 4 horas. Foi assim que “Era Uma Vez na América” estreou no Festival de Cannes de 1984, onde teve uma recepção entusiástica, com 15 minutos de contínuos aplausos. Mas o pior ainda estava para vir. Como sempre avessos a filmes muito extensos, os exibidores americanos (Ladd Company) reduziram drasticamente a obra para cerca de duas horas e um quarto, versão essa que foi a que passou em todos os cinemas dos Estados Unidos, tornando-se certamente incompreensível para todo o público norte-americano e originando por isso mesmo uma enxurrada de más críticas. Como consequência da leviandade americana, que, diga-se, tem um longo e nefasto historial, o filme não obteve qualquer nomeação para os Óscares, tendo tido apenas duas nomeações para os Globos de Ouro (Sergio Leone e Ennio Morricone). Em contrapartida, a versão original conseguiu 5 nomeações para os BAFTA ingleses (incluindo realização, cinematografia e actriz secundária – Tuesday Weld), vencendo em duas categorias: Guarda-Roupa (Gabriella Pescucci) e Banda-Sonora (Ennio Morricone).
- A ponte de Manhattan, tal como aparece no poster do filme,
pode ser vista a partir de Washington Street, em Brooklyn.
- Foi o primeiro filme de Jennifer Connelly. Completou 12 anos
no dia 12 de Dezembro de 1982. O seu desempenho chamou a atenção do realizador
italiano Dario Argento, que tinha trabalhado com Leone em “Aconteceu no Oeste”.
Em 1985, Argento deu-lhe o papel principal em “Phenomena”.
- A partitura musical de Ennio Morricone encontrava-se já
pronta no início das filmagens, o que permitiu tocá-la simultaneamente com a
rodagem de algumas cenas.
- Sergio Leone recusou a oferta de dirigir “O Padrinho” dez
anos antes. Uma decisão que mais tarde lamentou, e que o incentivou ainda mais
a realizar “Era Uma Vez na América”.
- Leone baseou o estilo visual do filme em pinturas de artistas como Reginald Marsh, Edward Hopper, Norman Rockwell ou Edgar Degas, este último para as cenas de dança de Deborah.
- Al Pacino e Jack Nicholson não aceitaram o papel de “Noodles”.
Quanto ao papel de Deborah, o mesmo foi recusado por Jodie Foster e por Daryl
Hannah.
- A música “Deborah’s Theme” foi mais tarde adaptada a uma
canção de Céline Dion (“I Knew I Loved You”) e a outra interpretada por Andrea
Bocelli e Ariana Grande (“E Più Ti Penso / The More I Think of You”)
- Único filme de Leone a ser falado em inglês. Mas quando se
estreou em Itália, os diálogos foram dobrados para italiano.
domingo, outubro 09, 2022
MORTE A VENEZIA (1971)
Com Dirk Bogarde, Romolo Valli, Mark Burns, Nora Ricci, Marisa Berenson, Carole André, Björn Andresen, Silvana Mangano, etc.
COR / 16X9 (2.35:1)
A memória cinéfila, pelo contrário, é muito mais verdadeira. Recordamos cenas ou sequências de determinado filme, tal qual ficaram no nosso cérebro. E se essa recordação se encontra porventura um tanto ou quanto embaciada, basta voltarmos ao filme e rever tudo de novo. A única diferença é que, naturalmente, revemos as mesmas imagens mas com outros olhos, porque à medida que crescemos nos vamos transformando em pessoas completamente diferentes. Ou seja, envelhecemos. E esta hipótese é mesmo a única maneira de um filme se poder alterar, adquirindo um novo significado, e não ser sempre igual a si mesmo. Porque no processo de envelhecimento, sempre que revemos um filme que amamos, vamos-lhe dando também um pouco de nós mesmos, numa natural relação amorosa. É que o amor não é um fenómeno quotidiano, necessita de um tempo de assimilação e reconhecimento. E esse tempo traduz-se em cada contacto com o filme amado, em cada olhar, em cada lembrança que ele nos impõe. Estes dois exercícios da nossa mente, o olhar primeiro, a lembrança depois, são imortais e, se esquecidos, sobrevivem no nosso inconsciente.
É por isso que o tempo é o juiz supremo da qualidade de um filme. O entendimento que temos dele é diferente consoante a idade com que o vemos. Daí o não ter já muita paciência com a maioria dos críticos actuais que, por um qualquer filme parecer destacar-se da maioria, o adjectivam logo de "obra-prima", não entendendo sequer o mundo actual, onde a arte cinematográfica se tornou numa indústria mais do que qualquer outra coisa. Como não entendem que o cinema, o verdadeiro cinema, tem por veículo ideal a imagem e não a palavra. Penso mesmo que se poderia dividir os filmes em duas categorias: aqueles em que predomina o argumento e aqueles em que predominam as imagens; o que corresponde quase a dizer: os que são medíocres e os que são belos. No dia em que o grande público consiga ver imediatamente essa diferença entre um filme que se desenvolve pelas imagens e um filme que se desenvolve pelo argumento, nesse dia conseguirá compreender o significado do cinema. Mas temo, sinceramente, que esse dia nunca irá chegar, uma vez que a tendência geral continua cada vez mais ser a utilização da palavra em detrimento da imagem.
Hoje em dia, para se encontrar um bom filme (já não falo no superlativo "excelente") é como encontrar uma agulha em palheiro. O mercado, de há uns bons anos para cá, encontra-se saturado de obras medíocres, onde se destacam de um modo geral os chamados blockbusters, os filmes de animação e um conjunto sem fim de "super-heróis", fabricados em fábricas Marvel, cada um mais estupidificante que o outro, mas que, pelos vistos, se tornou moda e uma ameaça real de continuidade. Salvo raras excepções, o cinema de autor há muito que se esgotou e agora a concorrência é feita ferozmente entre as principais produtoras de filmes, usando técnicas cada vez mais agressivas e sofisticadas da publicidade, como dando razão ao que um dia o cineasta Jean-Luc Godard declarou numa entrevista: «La pub? Ohhhh... Mais ça c'est le fascisme de demain!» É por isso que considero tão importante a memória cinéfila, que nos permite recordar e voltar a ver e a rever obras intemporais, fazendo-nos regressar a uma época onde podíamos escolher entre, por exemplo, um Kubrick, um Truffaut, um Fellini, um Hitchcock, um Bergman ou, neste caso, um Visconti.
Este
filme representa na perfeição o que atrás referi. Vi-o pela primeira vez no dia
17 de Setembro de 1971, na sessão da noite do cinema Monumental, após ter
jantado na cervejaria Portugália da Almirante Reis (nessa altura era a única
que existia), com a minha namorada de então. Ela tinha 16 anos e eu 18 e ambos
detestámos o filme. Hoje consigo entender na perfeição a razão base dessa
rejeição: um par de jovens daquelas idades não pode entender o significado deste
filme, onde se fala de tudo quanto é oposto ao universo particular que
caracteriza quem ainda tem uma vida inteira pela frente, quem por isso mesmo se
sente imortal. Mas tratando-se do grande Luchino
Visconti, fui dando ao filme outras oportunidades ao longo da vida. E em
cada uma dessas oportunidades fui cimentando o fascínio que "Morte em Veneza" começou
depois a exercer em mim, ao ponto de hoje o considerar um dos mais belos filmes
de sempre sobre o envelhecimento e a morte. Mas lá está... Tive de envelhecer
para olhar o filme com uma mentalidade completamente diferente.
"Morte em Veneza" baseia-se no encontro entre dois seres, entre dois mundos, a partir do olhar que lançam um sobre o outro. Visconti, no apogeu da sua carreira artística, inventa uma escrita indissociável da intenção a que serve de expressão. Nenhum diálogo: a comunicação estabelece-se para lá das palavras. Aschenbach (Dirk Bogarde), compositor já contestado pelo seu habitual público e pelos seus discípulos, tão certo das suas verdades, de uma vida onde os conceitos se encontram meticulosamente arrumados, onde se propagandeia uma visão idealista da beleza, encontra o seu anjo da morte, Tadzio (Björn Andresen), num hotel luxuoso do Lido de Veneza, habitado por uma despreocupada grande burguesia.