domingo, outubro 09, 2022

MORTE A VENEZIA (1971)

MORTE EM VENEZA
Um Filme de LUCHINO VISCONTI


Com Dirk Bogarde, Romolo Valli, Mark Burns, Nora Ricci, Marisa Berenson, Carole André, Björn Andresen, Silvana Mangano, etc.

ITÁLIA-FRANÇA / 130 min / 
COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia em Itália a 5/3/1971
Estreia em Portugal a 14/9/1971 
(Lisboa, Cinema Monumental)


AS IMAGENS DA MEMÓRIA

Antes de me debruçar sobre a obra-prima de Visconti, gostava de tecer algumas considerações sobre aquilo a que chamo "As imagens da memória", uma vez que relaciono directamente este filme com esse conceito. A memória é uma coisa estranha. Não recordamos exactamente o que ocorreu em cada momento do nosso passado, mas, uma vez por outra, capturamos uma impressão, uma ideia geral. E na hora de recordar é o nosso cérebro que preenche as lacunas, mas de um modo que não é em geral o mais correcto. Ou seja, tendemos a embelezar esses buracos da memória em detrimento dos factos menos agradáveis. 

A memória cinéfila, pelo contrário, é muito mais verdadeira. Recordamos cenas ou sequências de determinado filme, tal qual ficaram no nosso cérebro. E se essa recordação se encontra porventura um tanto ou quanto embaciada, basta voltarmos ao filme e rever tudo de novo. A única diferença é que, naturalmente, revemos as mesmas imagens mas com outros olhos, porque à medida que crescemos nos vamos transformando em pessoas completamente diferentes. Ou seja, envelhecemos. E esta hipótese é mesmo a única maneira de um filme se poder alterar, adquirindo um novo significado, e não ser sempre igual a si mesmo. Porque no processo de envelhecimento, sempre que revemos um filme que amamos, vamos-lhe dando também um pouco de nós mesmos, numa natural relação amorosa. É que o amor não é um fenómeno quotidiano, necessita de um tempo de assimilação e reconhecimento. E esse tempo traduz-se em cada contacto com o filme amado, em cada olhar, em cada lembrança que ele nos impõe. Estes dois exercícios da nossa mente, o olhar primeiro, a lembrança depois, são imortais e, se esquecidos, sobrevivem no nosso inconsciente.

É por isso que o tempo é o juiz supremo da qualidade de um filme. O entendimento que temos dele é diferente consoante a idade com que o vemos. Daí o não ter já muita paciência com a maioria dos críticos actuais que, por um qualquer filme parecer destacar-se da maioria, o adjectivam logo de "obra-prima", não entendendo sequer o mundo actual, onde a arte cinematográfica se tornou numa indústria mais do que qualquer outra coisa. Como não entendem que o cinema, o verdadeiro cinema, tem por veículo ideal a imagem e não a palavra. Penso mesmo que se poderia dividir os filmes em duas categorias: aqueles em que predomina o argumento e aqueles em que predominam as imagens; o que corresponde quase a dizer: os que são medíocres e os que são belos. No dia em que o grande público consiga ver imediatamente essa diferença entre um filme que se desenvolve pelas imagens e um filme que se desenvolve pelo argumento, nesse dia conseguirá compreender o significado do cinema. Mas temo, sinceramente, que esse dia nunca irá chegar, uma vez que a tendência geral continua cada vez mais ser a utilização da palavra em detrimento da imagem.

Hoje em dia, para se encontrar um bom filme (já não falo no superlativo "excelente") é como encontrar uma agulha em palheiro. O mercado, de há uns bons anos para cá, encontra-se saturado de obras medíocres, onde se destacam de um modo geral os chamados blockbusters, os filmes de animação e um conjunto sem fim de "super-heróis", fabricados em fábricas Marvel, cada um mais estupidificante que o outro, mas que, pelos vistos, se tornou moda e uma ameaça real de continuidade. Salvo raras excepções, o cinema de autor há muito que se esgotou e agora a concorrência é feita ferozmente entre as principais produtoras de filmes, usando técnicas cada vez mais agressivas e sofisticadas da publicidade, como dando razão ao que um dia o cineasta Jean-Luc Godard declarou numa entrevista: «La pub? Ohhhh... Mais ça c'est le fascisme de demain!» É por isso que considero tão importante a memória cinéfila, que nos permite recordar e voltar a ver e a rever obras intemporais, fazendo-nos regressar a uma época onde podíamos escolher entre, por exemplo, um Kubrick, um Truffaut, um Fellini, um Hitchcock, um Bergman ou, neste caso, um Visconti.



Gustav von Aschenbach: «You must never smile like that. 
You must never smile like that at anyone»

Este filme representa na perfeição o que atrás referi. Vi-o pela primeira vez no dia 17 de Setembro de 1971, na sessão da noite do cinema Monumental, após ter jantado na cervejaria Portugália da Almirante Reis (nessa altura era a única que existia), com a minha namorada de então. Ela tinha 16 anos e eu 18 e ambos detestámos o filme. Hoje consigo entender na perfeição a razão base dessa rejeição: um par de jovens daquelas idades não pode entender o significado deste filme, onde se fala de tudo quanto é oposto ao universo particular que caracteriza quem ainda tem uma vida inteira pela frente, quem por isso mesmo se sente imortal. Mas tratando-se do grande Luchino Visconti, fui dando ao filme outras oportunidades ao longo da vida. E em cada uma dessas oportunidades fui cimentando o fascínio que "Morte em Veneza" começou depois a exercer em mim, ao ponto de hoje o considerar um dos mais belos filmes de sempre sobre o envelhecimento e a morte. Mas lá está... Tive de envelhecer para olhar o filme com uma mentalidade completamente diferente.

"Morte em Veneza" baseia-se no encontro entre dois seres, entre dois mundos, a partir do olhar que lançam um sobre o outro. Visconti, no apogeu da sua carreira artística, inventa uma escrita indissociável da intenção a que serve de expressão. Nenhum diálogo: a comunicação estabelece-se para lá das palavras. Aschenbach (Dirk Bogarde), compositor já contestado pelo seu habitual público e pelos seus discípulos, tão certo das suas verdades, de uma vida onde os conceitos se encontram meticulosamente arrumados, onde se propagandeia uma visão idealista da beleza, encontra o seu anjo da morte, Tadzio (Björn Andresen), num hotel luxuoso do Lido de Veneza, habitado por uma despreocupada grande burguesia.

Confrontado com uma beleza que o perturba, com uma juventude que tenta desesperadamente agarrar e reconquistar, Aschenbach entrará em guerra consigo próprio, iniciando assim a sua lenta mas inexorável agonia. Com Tadzio surge a certeza de que nenhuma verdade é eterna, de que nenhum momento é tranquilo, de que nenhum passado, ainda que feliz, é intocável. Conforme o próprio Visconti refere, «Tadzio resume o que constitui um pólo da vida de Aschenbach, um pólo que, representando a vida – como alternativa e antítese do universo rigidamente intelectual, dessa vida “sublimada” em que Aschenbach se encerrou – desemboca na morte. Tadzio, à semelhança da prostituta Esmeralda, não representa apenas a vida, mas a sua dimensão específica, perturbante, contaminadora, que é a beleza. Mann costumava citar Platão, dizendo “quem com os próprios olhos contemplou a beleza está condenado à morte”. Gostaria, de resto, que esta frase fosse a frase de lançamento do filme, pois contém o seu sentido mais profundo.»

A decadência física já se apoderou de Aschenbach e é essa debilidade progressiva do corpo e dos sentidos que o impede de contrabalançar o esforço intelectual que ainda o habita. O peso inexorável do tempo consome-o cada vez mais, criando uma espécie de barreira invisível entre ele e os outros. A câmara de Visconti, esgueirando-se por detrás das colunas da cidade ou contornando os objectos que povoam as salas do hotel, busca uma cumplicidade com esta sensação de progressivo afastamento do mundo, até à inevitável separação final. A última visão a que Aschenbach desesperadamente se tenta agarrar é a da silhueta de Tadzio que se recorta, ao longe, no esplendor duma tarde que desaparece no mar. Visconti, encenador de génio e um aristocrata do cinema, soube, talvez melhor do que ninguém, pintar o crepúsculo duma classe e o fim de uma época. É com Visconti que compreendemos que o romantismo também não escapa à morte.

No livro de Thomas Mann, onde o filme é baseado, Aschenbach era um escritor e não um músico. Interrogado sobre o porquê de tal mudança, Visconti retorquiu que «no cinema um músico é um ser mais “representável” do que um homem de letras, pois sempre é possível fazer ouvir a música de um compositor, ao passo que para um escritor se é obrigado a recorrer a expedientes fastidiosos e pouco expressivos como a voz-off. Além disso, Mann inspirou-se de facto na figura concreta de um músico, Gustav Mahler. Aliás, o encontro de Mann com Mahler, embora fugaz e sem continuidade, levou-o a definir o compositor, num bilhete que lhe dirigiu pouco depois, como o homem “em que se incarna a vontade artística mais sagrada e mais rigorosa do nosso tempo”. E foi ainda Mann a afirmar que, enquanto se agarrava à redacção de “Morte em Veneza”, ia tomando conhecimento dos relatórios médicos sobre a agonia do compositor, e que em seguida a notícia da sua morte o tocou profundamente. Decerto não é por acaso que o nome próprio de Aschenbach é Gustav, tal como o de Mahler»



Filme muito belo onde a sensualidade se encontra no olhar, “Morte em Veneza”, com um admirável acompanhamento do Adagietto da Quinta Sinfonia de Mahler, vai-nos revelando o Amor na sua forma mais pura, mais filosófica, resultando numa das mais profundas interrogações de um artista sobre a sua vida e o significado do seu universo: «Pois que a beleza, e só ela, é digna de ser amada e visível ao mesmo tempo. Ela é a única forma do espiritual que recebemos através dos sentidos e que podemos suportar pelos sentidos», como escreve Mann no seu pequeno livro. Ou ainda a constatação de que a nossa “ordem” não passa, tantas vezes, de um refúgio, vulnerável e inseguro, contra o caos libertador e criativo.

CURIOSIDADES:

- “Morte em Veneza” é normalmente citada como a segunda parte da “trilogia alemã” de Visconti. “Os Malditos”, de 1969 e “Luís da Baviera”, de 1972, são os outros dois filmes.

- Um dia, durante uma pausa das filmagens, Björn Andresen perguntou a Dirk Bogarde qual a canção dos Beatles que ele preferia. O actor inglês não foi capaz de responder.

- O filme ganhou o Oscar do melhor gurda-roupa (Piero Tosi) e 4 BAFTAS ingleses: Cinematografia, Direcção Artística, Guarda-Roupa e Banda Sonora.


quarta-feira, maio 25, 2022

Cinememórias

 

  Finalmente o Rato Cinéfilo vai ver editado o seu primeiro livro! Chama-se "Cinememórias" e contém muita coisa já lida aqui pelo blogue, outras reescritas e várias novidades. A editora, ALÂNTICO / PRIMEIRO CAPÍTULO, vai comercializar o livro simultâneamente em Portugal e no Brasil. Se clicarem no nome poderão descobrir desde já as livrarias onde a obra vai-se encontrar à venda ou poderá ser encomendada.
  O livro terá um total de 492 páginas e dezenas de fotografias a preto e branco no interior. Sendo um livro de memórias, é precisamente delas que fala: memórias de filmes, memórias de salas de exibição antigas que já só existem nas nossas lembranças e também de algumas memórias pessoais, sempre relacionadas com o cinema. O preço de venda ao público será de 20€ em Portugal e de 50 Reais no Brasil. A paginação já está concluída e o livro vai em breve para a gráfica. Será publicado na última quinzena de Julho. Eu depois aviso! Entretanto, fica aqui o respectivo índice:
O CINEMA E EU ...........................................................................................14
FILMES CASEIROS .......................................................................................17
THE LITTLE TRAMP .....................................................................................18
LUZES DA CIDADE ......................................................................................24
O TEATRO VARIETÁ EM L .M. ..................................................................27
VIAGEM À GRÉCIA ..................................................................................... 30
OS “PIOLHOS” DE JOHANNESBURG.................................................... 34
O MEU PRIMEIRO HITCHCOCK ..............................................................36
UM DIA MUITO CANSATIVO ...................................................................41
A TERRÍFICA TRILOGIA DE ROMAN POLANSKI .............................. 46
O TEATRO MANUEL RODRIGUES ..........................................................58
O MELODRAMA DOS MELODRAMAS .................................................63
O MONTE DOS VENDAVAIS ................................................................... 66
O FILME QUE ME OBRIGOU IR A LONDRES ..................................... 70
UMA CUSPIDELA NO TEU TÚMULO .....................................................77
A VINGANÇA DE UMA MULHER ............................................................81
UM PLANETA ÀS AVESSAS ...................................................................... 84
DRUGSTORE APOLO 70 ............................................................................ 89
UM FILME DE CULTO ...................................................................................91
A DUPLA-MARAVILHA DO MUSICAL AMERICANO ........................95
SOMOS JOVENS , APAIXONADOS E ROUBAMOS BANCOS!........97
A PRIMEIRA NOITE ....................................................................................103
E O OSCAR VAI PARA ... ...........................................................................108
A IDADE DA INOCÊNCIA ........................................................................ 110
PARIS , TEXAS ............................................................................................. 116
THAT ’ S THE WAY IT IS ........................................................................... 118
COMBOIOS E MAIS COMBOIOS ...........................................................120
OS SAPATOS VERMELHOS ......................................................................126
PERMESSO? AVANTI!.................................................................................130
MONSIEUR HULOT ....................................................................................136
ADEUS BERLIM ...........................................................................................139
O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA .................................................145
E DERAM-LHE UMA ESPINGARDA ... .................................................149
CINEMA PARADISO ..................................................................................153
UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE .................................................... 161
O APARTAMENTO .....................................................................................164
ESPLENDOR NA RELVA ...........................................................................169
YO SOY AQUEL ..........................................................................................177
JUDAH E MESSALA ..................................................................................180
OS CINEMAS DA ALAMEDA .................................................................189
A MAGIA DO AMOR .............................................................................. 191
A DESFORRA DO PATINHO FEIO ........................................................197
OS AMANTES DE VERONA ...................................................................201
A SOCIEDADE DE CLASSES ..................................................................204
AS NOITES DE DOSTOIÉVSKI ............................................................. 206
UM DUELO SUI GENERIS ......................................................................210
E A MORTE ALI TÃO PERTO .................................................................216
THE SWINGING LONDON .................................................................. 222
CHARLY ...................................................................................................... 227
O AMOR SACRIFICADO ...................................................................... 229
PRAZERES NÃO SATISFEITOS ........................................................... 232
4 SALAS , 4 FILMES .............................................................................. 236
A FORÇA E A SEDUÇÃO ..................................................................... 238
O HOMEM DE KIEV .............................................................................. 243
O MONOLITO NEGRO ........................................................................ 246
PÁSSAROS , PÁSSAROS E MAIS PÁSSAROS ............................... 257
REGRESSOS AO PASSADO ................................................................ 266
O MEU PRIMEIRO BERGMAN .......................................................... 276
O HOMEM É DONO DO SEU ESPAÇO ...........................................281
YURI E LARA ........................................................................................... 288
THIS IS CINERAMA .............................................................................. 293
SEMENTES DE VIOLÊNCIA ............................................................... 298
A SAGA DO PADRINHO .................................................................... 302
O CINEMA PORNO ..............................................................................317
UMA FAMÍLIA LUCANESA .................................................................319
CINEMA ANTI-SISTEMA ................................................................... 324
AMOR NAS ESTRELAS ........................................................................332
EXPLORADOS E EXPLORADORES ................................................. 339
L DE LEONE ........................................................................................... 343
MONUMENTAL CRIME SEM CASTIGO ........................................355
L’AMOUR-FOU ..................................................................................... 358
OS FILMES DE BREL ........................................................................... 365
EXCESSOS GASTRONÓMICOS ...................................................... 378
O MELHOR MUSICAL DE SEMPRE ................................................381
O FANTASMA DO PARAÍSO ............................................................ 392
O CINEMA-CATÁSTROFE.................................................................. 395
FESTA DE LOUCOS ..............................................................................400
O SONHO AMERICANO ...................................................................404
AVENIDA DE ROMA .......................................................................... 411
AS TIME GOES BY ................................................................................417
ZONA DE PERIGO ...............................................................................421
O DRIVE-IN DE L .M. ........................................................................ 424
O FILME DE GUERRA ....................................................................... 425
A VÍTIMA DO MEDO ....................................................................... 434
O PASSAGEIRO DA CHUVA .......................................................... 437
E TUDO O VENTO LEVOU ..............................................................441
KUBRICK E O SÉCULO XVIII ......................................................... 450
O FIM DE UMA GERAÇÃO ........................................................... 457
OS MEUS 50 FILMES DA VIDA ....................................................464
AS ÚLTIMAS SESSÕES EM LOURENÇO MARQUES ............ 467
ERAM ASSIM, AS IDAS AO CINEMA ....................................... 470
O DESAPARECIMENTO DO FIM................................................. 473
LISTA DE FILMES COMENTADOS ............................................. 477
BIBLIOGRAFIA SELECTIVA ............................................................486
NOTAS FINAIS ..................................................................................488
BIOGRAFIA . ......................................................................................489

terça-feira, janeiro 04, 2022

LE JEU (2018)

NADA A ESCONDER

Um filme de Fred Cavayé


Com Bérénice Bejo, Stéphane De Groodt, Suzanne Clément, Roschdy Zem, Vincent Elbaz, Doria Tillier, Fleur Fitoussi

FRANÇA-BÉLGICA / 90 m /

 COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia em FRANÇA: 5/9/2018

A ideia original para este filme foi concebida por Paolo Genovese, que realizou a versão original italiana em 2016: o filme chamou-se "Perfetti Sconosciuti" ("Perfeitos Desconhecidos"), foi premiado um pouco por todo o lado e estreou-se em Portugal a 4/5/2017 com o título meio idiota de "Amigos Amigos, Telemóveis à Parte". Ao contrário, esta versão francesa nunca se estreou nas salas portuguesas, encontrando-se no entanto disponível na Netflix. A história original já vai em 18 adaptações, em várias línguas e diversos países, incluindo Espanha, Turquia, México, Coreia do Sul, Grécia, China ou Rússia, o que lhe permitiu uma entrada no Guinness Book of World Records. 


Nunca vi o original (nem qualquer dos outros filmes), pelo que apenas posso comentar esta versão francesa. E ela é, a todos os níveis, brilhante! Mas vamos ao enredo: Vincent (Stéphane De Groodt) e Marie (Bérénice Bejo) convindam para jantar no seu elegante e espaçoso apartamento de Paris, três casais de amigos (uma amizade já com bastantes anos, sobretudo os homens, que se conhecem desde os tempos do liceu). Os primeiros a chegar são Marco (Roschdy Zem) e Charlotte (Suzanne Clément), logo seguidos por Thomas (Vincent Elbaz) e Léa (Doria Tillier). O anfitrião é também o cozinheiro de serviço, que vai ultimando os seus pratos, mais ou menos inventados, que não irão fazer as delícias gustativas dos convidados, muito pelo contrário. Os três casais esperam impacientes a chegada de Ben (Grégory Gadebois), porque este ficou de trazer a nova namorada, que os restantes ainda não conhecem. Mas Ben acabará por chegar sózinho, alegando que a companheira adoeceu com uma gastrite, ficando assim impedida de comparecer ao jantar.


Na televisão, o locutor de serviço anuncia um eclipse total da Lua para aquela noite: «Atenção: não sejam supersticiosos. Há lendas que dizem que, durante os eclipses lunares, coisas incríveis podem ocorrer. No momento exato em que toda a Lua é encoberta, diz-se que o tempo pára e seus pecados mais profundos serão perdoados. Sua alma é condenada a um limbo pelo resto da eternidade. Mas tudo isso são apenas lendas, é claro.» Para o espectador menos atento convém reter esta comunicação, porque mesmo no final do filme são palavras importantes para se entender melhor o significado da reviravolta que o filme irá ter. É claro que não vou aqui revelar tal desfecho (radical!), para que os espectadores iniciantes possam usufruir do filme em toda a sua plenitude.


Lá pelo meio do jantar, entre críticas mais ou menos veladas à qualidade gastronómica, Marie, a dona da casa, propõe um pequeno jogo de grupo, à semelhança do que faziam quando eram mais novos, um tipo de "Verdade ou Consequência". A ideia é simples: colocarem todos os respectivos telemóveis no centro da mesa e depois responderem, em voz alta, a todos os telefonemas, emails ou mensagens que apareçam. Aqui chegado, apetece-me parafrasear o meu amigo brasileiro Sérgio Vaz, no seu comentário a este filme: «É claro, é óbvio, não há dúvida nenhuma: dá merda. Mas não é pouca, não – é muita merda. É uma quantidade explosiva de merda. Nenhum relacionamento ficará de pé depois daquela exposição de segredos até então muito bem guardados.» À medida que os telefones vão tocando, as máscaras começam a caír, colocando a nu algumas das histórias mais íntimas dos sete convivas. As situações mais embaraçosas sucedem-se e tudo teria ainda um epílogo mais trágico se não fosse aquela reviravolta final.


"Le Jeu" é inteiramente rodado no interior do apartamento (tirando duas ou três sequências nas escadas e no exterior do prédio), mas o seu enorme interesse transcende em muito esse limite cénico. A mise-en-scène é fabulosa, o que só vem realçar a grande qualidade dos actores. Trata-se da quinta longa-metragem de Fred Cavayé, argumentista e realizador francês, nascido em Rennes, em 1967, tendo anteriormente trabalhado como fotógrafo de moda. A sua ainda pequena filmografia (que este filme me deu a enorme vontade de conhecer), resume-se a mais 5 títulos: "Pour Elle" (2008), "À Bout Portant" (2010), "Mea Culpa" (2014), "Radin" (2016) e "Adieu Monsieur Haffmann" (2021), para só citar as longas-metragens.

segunda-feira, janeiro 03, 2022

THE GODFATHER TRILOGY (1972 - 1974 - 1990)


O PADRINHO
Um filme de FRANCIS FORD COPPOLA

Com Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Richard S. Castellano, Diane Keaton, Talia Shire, Sterling Hayden, Al Lettieri, John Marley, John Cazale, etc.

USA / 180 m / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: 11/3/1972 (NY)
Estreia em Portugal: 24/10/1972 (Lisboa, cinemas Berna, Tivoli e Vox)
Estreia em Moçambique: 14/1/1973 (LM, teatro Manuel Rodrigues)


«I'm gonna make him an offer he can't refuse»


O PADRINHO – Parte II
Um filme de FRANCIS FORD COPPOLA

Com Al Pacino, Robert De Niro, Robert Duvall, Diane Keaton, John Cazale, Talia Shire, Lee Strasberg, Michael V. Gazzo, G.D. Spradlin, etc.

USA / 220 m / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: 3/12/1974 (San Francisco)
Estreia em Portugal: 14/10/1977 (Lisboa, cinema Eden)

«Keep your friends close, but your enemies closer»


O PADRINHO – Parte III
Um filme de FRANCIS FORD COPPOLA


Com Al Pacino, Diane Keaton, Talia Shire, Andy Garcia, Eli Wallach, Joe Mantegna, Sofia Coppola, George Hamilton, Bridget Fonda, Raf Vallone, etc.

USA / 162 m / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: 20/12/1990 (California)
Estreia em Portugal: 15/03/1991


«Real power can't be given. It must be taken»



No ano em que se vão celebrar os 50 anos da estreia internacional de "The Godfather" - 11 de Março de 1972, em New York; 24 de Outubro em Portugal Continental - o canal televisivo AXN passou ontem, logo no primeiro dia do ano e numa maratona de cerca de 9 horas (como sempre tiveram o despudor de cortar os créditos finais), a trilogia completa. Meio século é muito tempo, uma vida inteira, mas está longe de se esgotar. A cada visionamento (e eu já levo algumas dezenas), há sempre algo a descobrir. É assim o cinema dos grandes mestres, é assim o cinema de Francis Ford Coppola: rico, profundo, atravessado por mil matizes, que têm sempre o condão de nos encantar. Com o passar dos anos, a saga do "Padrinho" ultrapassou o simples estatuto fílmico para se enraizar como um ícone na cultura americana do século XX e não só. Um pouco por todo o lado se escreveram, e continuam a escrever, críticas, livros, teses sobre os filmes e sobre o impacto e influência por eles desencadeados. As citações e alegorias são permanentes e não é preciso ser-se cinéfilo para se sentir uma admiração sem limites por estas obras de arte de Coppola.



A minha estreia pessoal ocorreu no Cine 1000, em Johannesburg, no dia 6 de Outubro de 1972, uma sexta-feira. Apesar de não ter entendido muita coisa (dadas as minhas limitações da língua inglesa na altura), ficou-me desde logo a força das imagens na retina. Passados três meses revi o filme no Teatro Manuel Rodrigues, em Lourenço Marques (a 19 de Janeiro de 1973), agora já devidamente legendado. «I believe in America. America has made my fortune». Assim começa, com estas palavras que vêm do escuro, "The Godfather". A longa sequência inicial do filme é uma das introduções mais inquietantes da história do cinema, sobretudo para quem vê o filme pela primeira vez. Alternando entre a luz aberta dos exteriores e o tom rembrandtiano dos interiores, essa longa sequência, a do casamento da filha de Don Vito Corleone, tem uma concepção musical cujo movimento mais intensamente emotivo é o do encadeado que nos faz passar da pose de fotografia de família ao plano em que Don Vito conduz a noiva para a pista de baile, num gesto que prefigura já a dança.


"The Godfather" está povoado destes pequenos instantes em que se parece sentir a elevação poética das coisas domésticas. Coppola põe neles a mais romântica sinceridade emocional. Mas o cineasta sente-se obrigado a disfarçar o que seja emoção subjectiva. Deve, portanto, universalizar as emoções, atribuindo-lhes um prolongamento metafísico ou racional: vai, por isso, procurar convencer-nos de que a mola real destes rituais, dos beijos que os homens trocam, das mãos que se afloram provocando o rubor dos pintores renascentistas, só pode ser a ambição do poder. "The Godfather" transforma-se então num Macbeth moderno, em que recorrem as mesmas imagens: sangue e morte, escuridão e insónia. Lembro ao acaso: a aterradora impertinência da cabeça do cavalo sob um lençol; a genial montagem do atentado contra Don Vito; o assassínio retórico de Sony; o lúgubre deslizar do personagem de Michael para o sonambulismo, depois da vigília ao pai no hospital.


"The Godfather, Part II" não tem essa poesia escandalosamente simples, como se tivesse deixada lá por acaso. É o filme de um cineasta que acaba de perder a juventude e chegou à idade da experiência. Não admira que nele a poesia ceda o lugar ao ensaio: "The Godfather, Part II" quer ser a análise do percurso implacável e brutal de um homem obsessionado com o seu próprio poder. Mas mesmo este modo de o definir é ainda uma concessão ao romanesco. Não é só o conceito do Poder ou o exercício pragmático da autoridade, mas igualmente uma teia de fundo de corrupção política e as estruturas económicas e sociais do capitalismo, que o filme toma por objecto.


"The Godfather, Part II" começa no grande plano do rosto de Michael. Começa onde acabava o primeiro filme, no beijo de vassalagem que alguém depõe na mão de Michael. Depois, os personagens saem e fica, soberana, a imagem da cadeira vazia. Todo o posterior desenvolvimento está, em potência, nesta imagem-conceito. Do primeiro para o segundo filme assiste-se a uma mudança (melhor seria dizer, ao aparecimento) da perspectiva moral. Num jogo de rigorosas equivalências, de um filme a outro passa-se de um tempo antigo, esplendidamente anacrónico e afectivo, a um tempo moderno, em que a vontade domina, mesmo quando a mecânica de conspiração em que nele assentam as relações humanas nos faça lembrar o que fictícia ou autenticamente tenha sido o pior do Império Romano.


Na teia dessas conspirações, a solidão é menos do que humana e não pára de se expandir. Não há exemplo mais acabado de loner na obra de Copolla do que Michael Corleone. Em "The Godfather" o assunto era a morte do pai. Em "The Godfather, Part II" é o espectáculo da solidão do filho: uma solidão que pretende demonstrar pelo absurdo a inutilidade do poder, uma solidão que exprime, como o auto-retrato de Van Gogh, um profundo desejo de comunicação com os seus semelhantes.



Por norma, existe a tendência de se considerar a 3ª parte como o “patinho feio” da trilogia. Nada de mais erróneo. Sem esse epílogo ficaria sempre um vazio, a sensação da história incompleta. E basta recordar aquela montagem final, ao som da Cavalleria Rusticana (vinte minutos que deveriam constar do programa curricular de qualquer curso de cinema), para compreendermos estar em presença de uma jóia rara. À semelhança, aliás, do que já acontecia nas duas primeiras partes, nomeadamente na segunda (talvez a mais perfeita de todas), em que a técnica do flashback é elevada à arte suprema de bem contar uma história, a qual vai alternando a actualidade (fim dos anos 50, durante a pré-revolução cubana) com os anos 20 (inícios da imigração maciça italiana para os EUA). Vamos assistindo à tomada do poder por parte de Michael Corleone (Al Pacino), enquanto, paralelamente, nos é mostrada a ascendência do pai, Vito Corleone (Robert De Niro), que no primeiro episódio da saga (localizado entre 1945 e 1955) seria, como se sabe, interpretado por Marlon Brando. Coppola chegou a afirmar que a razão base de ter feito o segundo filme foi exactamente o desejo de mostrar as vivências de um pai e de um filho em simultâneo, como se elas acontecessem na mesma época.


O filme de 1972 iria constituir um êxito sem precedentes, que ajudou a catapultar as carreiras de Coppola e Al Pacino, ao mesmo tempo que Brando voltava a ocupar o lugar que por mérito próprio sempre lhe pertencera: o do melhor actor da sua geração. Até Mario Puzo, que tinha escrito o romance original, não escondeu que o tinha feito a pensar em Brando na personagem de Vito Corleone. Os produtores, no entanto, não lhe queriam dar ouvidos, uma vez que o célebre actor tinha recentemente acumulado uma série de reveses comerciais, já para não falar na sua personalidade, difícil e conflituosa. Avançaram com vários nomes, entre os quais os de Edward G. Robinson e de Laurence Olivier, mas Coppola convenceu Brando a sujeitar-se a um teste, cujo resultado acabou de vez com as reservas dos homens da Paramount, os quais, ainda assim, exigiram que Brando trabalhasse por um pequeno cachet (100 mil dólares) e uma percentagem dos lucros. Uma decisão que se tornaria extremamente lucrativa para o actor, que posteriormente viria a usufruir de mais de 15 milhões de dólares, dado o grande êxito do filme.


A família siciliana, retratada por Puzo e filmada por Coppola, vai mais além da tradicional família ligada por laços sanguíneos. Nela são de igual modo englobados os chamados “afilhados”, pessoas com problemas sobretudo do foro legal, a quem falha a ajuda das instituições. É por isso que procuram Don Vito, um homem poderoso, com as mesmas origens e raízes culturais, com o qual estabelecem laços de vassalagem, originando desse modo a coesão social tipicamente italiana, baseada na ajuda mútua e tráfico de influências. Mas ao redor da família Corleone existem outras famílias de idênticas características, todas elas interessadas em tomar as rédeas do poder e serem mais poderosas umas do que outras. E será essa rivalidade que estará na origem dos ajustes de contas sangrentos que irão ocorrer ao longo de toda a saga.


Contrariamente ao que possa parecer, a personagem central da trilogia não é Vito Corleone, mas sim o filho mais novo, Michael Corleone. É ele o real protagonista da obra, é à roda dele que tudo gira. Começa timidamente, como o herói de guerra que não se quer envolver nos negócios da família, mas o passar dos anos vai-lhe pouco a pouco moldando a personalidade. É forçado a defender o pai, a matar por ele e, contra todas as expectativas e ambições pessoais, a suceder-lhe na defesa intransigente da família, sempre colocada acima de tudo e de todos. Com uma excepção, a do irmão Fredo (John Cazale), o qual não será perdoado pelo facto de se ter envolvido em negócios contra os interesses familiares, que quase resultariam no assassinato do próprio Michael Corleone. 


Estamos já no segundo filme, com um Michael cada vez mais duro, mais insensível e mais obstinado na expansão e consolidação do império da família Corleone, mesmo que isso se traduza na desagregação dos principais elementos dessa mesma família. Michael vai perdendo tudo à sua volta: a mãe, por razões naturais; a mulher, que aborta apenas com o intuito de interromper a linhagem familiar; o irmão, que ele próprio manda assassinar. Apenas a irmã, Connie (Talia Shire), parece estar firme junto dele, mas provavelmente mais por medo do que por amor fraternal. A segunda parte de “The Godfather” termina envolvida num manto de tristeza, com um Michael sentado no jardim, sózinho, absorto nos seus pensamentos, que mais não são do que os seus próprios fantasmas.



Inicialmente concebida para se chamar “A morte de Michael Corleone” (título que desagradou aos produtores), a 3ª parte do “Padrinho” foi realizada 16 anos depois, com Coppola a defini-la mais como um epílogo aos dois primeiros filmes. Vamos encontrar um Michael Corleone precocemente envelhecido, mais sereno, embora carregando o peso do seu passado, que tenta de novo assumir uma posição de legitimidade, e ao mesmo tempo encontrar a redenção dos seus pecados junto à Igreja católica. Com esse intuito delega no sobrinho Vincent (Andy Garcia) toda a responsabilidade, em troca dele renunciar aos encantos da filha Mary (Sofia Coppola). Vincent torna-se assim o novo Don, com direito ao beija-mão e a plenos poderes, os quais não hesita em usar para levar a cabo um novo ajuste de contas com todos os que se lhe atravessam no caminho.  Michael Corleone, uma vez mais, não consegue alterar o seu destino e no fim é a tragédia que se abate sobre os seus entes queridos, lançando-o em definitivo na solidão, que o acompanhará até ao fim dos seus dias.



Falta mencionar outra grande referência da trilogia: a sua magnífica banda sonora. Poucos filmes serão de imediato identificados ao som das primeiras notas musicais dos diferentes temas musicais: “Love Theme”, “The Godfather Waltz”, “Apollonia”, “Connie’s Wedding”, etc. Nino Rota (3/12/1911 – 10/4/1979), o compositor fétiche de Fellini e Carmine Coppola (11/6/1910 – 26/4/1991), o pai do realizador, criaram uma partitura musical para a eternidade. Ao nível das canções destaca-se “I Have But One Heart”, interpretada por Al Martino (a personagem de Johnny Fontane) no primeiro filme e sobretudo a belissima “Promise Me You’ll Remember”, interpretada por Harry Connick Jr. na última parte.



CURIOSIDADES:

- Francis Ford Coppola achava que apenas dois actores poderiam interpretar Don Vito Corleone, Laurence Olivier e Marlon Brando, que considerava serem os dois maiores actores do mundo, em especial o segundo, que chegou a apelidar de “meu herói”. Opinião contrária tinham os produtores que preferiam entregar o papel principal a outros actores, casos de Orson Welles ou Anthony Quinn.

- Talia Shire, que interpreta Connie Corleone, filha de Don Vito, é irmã de Francis Ford Coppola.

- Antes de Coppola, Sergio Leone foi convidado para dirigir o filme, mas recusou, pois achava que uma história que glorificava a máfia não era interessante o suficiente. Mais tarde, Leone arrependeu-se de o não ter dirigido e acabou fazendo seu próprio filme de gangsters, “Era Uma Vez na América”. Peter Bogdanovich também se recusou a dirigir o filme.

- Marlon Brando queria que o rosto da sua personagem se parecesse com o de um buldogue, pelo que resolveu encher a boca de algodão ao interpretar o teste que Coppola lhe pediu. Para as gravações, foram usadas peças feitas por um dentista, que hoje estão em exposição num museu em Nova York.


- Nos ensaios para a célebre cena com a cabeça de cavalo, foi usada uma cabeça falsa. No entanto, para as filmagens, a produção conseguiu uma cabeça verdadeira, que foi adquirida numa fábrica de alimentos para cães. Segundo o actor John Marley, os seus gritos de susto foram autênticos, porque não sabia que seria usada uma cabeça verdadeira.

- Como era seu hábito, Marlon Brando não conseguiu decorar a maioria das suas falas do filme, tendo espalhado cartões por todo o set com o texto que deveria interpretar.

- O gato que Vito Corleone segura foi encontrado por Brando no estúdio e não fazia parte dos planos do filme tê-lo em cena.

- Apesar de ter ficado conhecida por interpretar Mary Corleone na última parte da trilogia, Sofia Coppola, filha de Francis e hoje também cineasta, participou do primeiro filme. Ela era o bebê de Connie e Carlo (Michael Rizzi), que é baptizado por Michael Corleone.

- A famosa voz rouca de Don Vito é inspirada no mafioso Frank Costello, um dos gangsters mais poderosos da história dos EUA. Marlon Brando viu-o na TV na década de 50 e resolveu imitá-lo.



- Sylvester Stallone chegou a fazer testes para interpretar os personagens Paulie Gatto e Carlo Rizzi, mas não foi aprovado. Anos depois, viria a trabalhar com Talia Shire no clássico “Rocky”. Também Martin Sheen fez testes para interpretar Michael Corleone, mas não foi aprovado. Ele acabou trabalhando com Coppola e Brando em “Apocalypse Now”, em 1979.

- Warren Beatty, Jack Nicholson e Dustin Hoffman foram convidados para interpretar Michael Corleone, mas recusaram. Alain Delon, Burt Reynolds e Robert Redford foram de igual modo sugeridos, mas Coppola recusou aceitá-los.

- Os avós maternos de Al Pacino emigraram da cidade de Corleone, na Sicília, para os Estados Unidos, assim como Don Vito.

- Na cena do atentado a Don Corleone, é possível ver um poster do lutador Jake LaMotta numa janela. O boxeur foi interpretado por Robert De Niro em “Ragging Bull”, de Martin Scorsese, em 1980.

- O nome do tradicional chapéu da Sicília, como os que foram usados pelos guarda-costas de Michael Corleone, é coppola.


 - O actor que interpreta Luca Brasi, Lenny Montana, estava tão nervoso por contracenar com Marlon Brando que errou parte da sua fala. A cena em que ele treina o que vai dizer a Don Corleone, não fazia parte do filme, mas foi incluída na montagem final, pois Coppola gostou do nervosismo verdadeiro do actor.

- O beijo que Vito Corleone dá em Johnny Fontane não estava no argumento e foi improvisado por Marlon Brando. Segundo James Caan, a reacção confusa do actor Al Martino foi real, pois foi apanhado de surpresa.

- O último trabalho que Marlon Brando fez antes de morrer foi a dobragem do seu personagem Don Corleone para o vídeo-game “The Godfather”, que foi lançado em 2006, dois anos após a morte do actor.

- As filmagens de “The Godfather” duraram seis meses, mas as cenas com Marlon Brando foram gravadas em apenas 35 dias, para que ele pudesse cumprir a sua agenda e actuar em “Last Tango In Paris”, de Bernardo Bertolucci.

- Mario Puzo negou que o personagem Johnny Fontane foi inspirado em Frank Sinatra. O cantor ficou furioso na época em que o livro foi lançado e chegou a ofender Puzo quando o encontrou num restaurante. Mais tarde, Sinatra teria pedido a Coppola para interpretar Don Corleone no filme, mas o cineasta já tinha a certeza de que o papel seria de Marlon Brando.


- Coppola enfrentou tantas dificuldades e críticas durante a rodagem que achou que o filme seria um fracasso; e, na época do lançamento, viajou com a família para Paris, afim de não presenciar a decepção que seria nos cinemas. Finalmente, foi convencido por amigos a voltar para os Estados Unidos, pois o filme havia sido um sucesso.

- “The Godfather” pode ser considerado o primeiro blockbuster do cinema. Antes dele, os filmes eram lançados apenas num cinema e nenhuma outra sala num raio de 80 km poderia exibir o mesmo filme. A partir dele, várias salas próximas começaram a lançar filmes simultaneamente.

- Numa reunião com a Paramount, Coppola pediu um Mercedes 600 como prémio, caso o filme atingisse a marca de 15 milhões de dólares. Os executivos prometeram o carro apenas se o filme alcançasse os 50 milhões nas bilheterias. Quando o filme facturou 100 milhões de dólares, Coppola e George Lucas foram a uma concessionária da Mercedes, compraram o carro e enviaram a conta para a Paramount.


- Relativamente a distinções, e falando apenas dos Óscares de Hollywood, a trilogia obteve um total de 29 nomeações, das quais 19 se revelaram vencedoras. Assim, em 1973, “The Godfather” obteve 7 Óscares (Filme, Realizador, Actor principal: Marlon Brando, Argumento adaptado, Actores secundários: Al Pacino, James Caan e Robert Duvall), tendo sido nomeado para mais 4 categorias (Guarda-Roupa, Montagem, Som e Música original). Dois anos depois foi a vez de “The Godfather, Part II” arrecadar um total de 8 Óscares (Filme, Realizador, Actor principal: Al Pacino, Actores secundários: Robert De Niro e Michael V. Gazzo, Argumento adaptado, Direcção artística e cenários, e Música original), tendo concorrido em mais 3 categorias (Actor secundário: Lee Strasberg, Actriz secundária: Talia Shire, e Guarda-Roupa). “The Godfather, Part III” teria um total de 7 nomeações (menos 4 que os filmes anteriores): Filme, Realizador, Actor secundário (Andy Garcia), e ainda Montagem, Música Original e Direcção artística e cenários. Não ganhou nenhum Óscar.


- Na cerimónia de 1973, Marlon Brando recusou a estatueta do Oscar em protesto à discriminação contra os índios americanos feita pela indústria do cinema. O actor enviou uma atriz que se passou por uma índia apache e recusou o prémio em seu nome durante a cerimónia.

- Para se preparar para o seu papel, Robert De Niro viveu na Sicília durante 3 meses, onde aprendeu a falar o dialecto siciliano.

- Em algumas cenas que tinham lugar nos anos 20, os actores usaram calças com zippers. Alguém reparou nesse pormenor (o zipper ainda não tinha sido inventado nessa altura) e essas cenas tiveram de ser filmadas de novo.

- Quando o pequeno Vito chega a Ellis Island, é marcado com um X dentro de um círculo. Isto acontecia realmente, mas apenas quando se suspeitava que o imigrante tinha um qualquer defeito mental.

- A data de nascimento de Vito Corleone é 7 de Dezembro de 1891. Os acontecimentos descritos na trilogia têm lugar entre 1901 e 1997, ano da morte de Michael Corleone.

- Raf Vallone interpreta o Papa João Paulo I, que governou a Santa Sé apenas durante 33 dias: entre 26 de Agosto e 28 de Setembro de 1978 (data da sua morte, em circunstâncias pouco esclarecedoras, de que aliás o último filme dá conta).



- Pela sua interpretação em “The Godfather, Part III”, Sofia Coppola foi “distinguida”, por larga maioria (65% dos votos), com 2 Razzie Awards (Actriz secundária e Nova actriz), prémios atribuídos aos piores filmes do ano.

- Depois da rodagem do primeiro filme, em 1972, Al Pacino e Diane Keaton tiveram um romance durante alguns anos. A relação acabou pelo facto de Pacino não se querer comprometer oficialmente. Essa ligação teve relevância na actuação dos dois actores em “The Godfather, Part III”, devido às suas personagens também se encontrarem separadas há longos anos.

- A personagem de Tom Hagen, interpretada por Robert Duvall nos dois primeiros filmes, era para ser mantida na terceira parte. Mas a Paramount não acedeu à exigência do actor (que pediu 5 milhões de dólares para retomar o seu papel), e criou um novo Consiglieri, o advogado B.J. Harrison, que seria interpretado por George Hamilton. Numa linha de diálogo, explicava-se que Hagen tinha falecido alguns anos antes.

- Os actores Alec Baldwin, Matt Dillon, Val Kilmer, Charlie Sheen, Billy Zane e Nicolas Cage, foram todos equacionados para o papel de Vincent Mancini, que acabou por ser entregue a Andy Garcia.


- A celebridade dos filmes da trilogia deveu-se também, em grande parte, à excelência dos diálogos e sobretudo a algumas expressões:

Bonasera: «I believe in America. America has made my fortune»

Don Corleone: «You look terrible. I want you to eat, I want you to rest well. And a month from now this Hollywood big shot's gonna give you what you want»
Johnny Fontane: «Too late. They start shooting in a week»
Don Corleone: «I'm gonna make him an offer he can't refuse. Okay? I want you to leave it all to me. Go on, go back to the party»

Michael: «My father is no different than any powerful man, any man with power, like a president or senator»
Kay: «Do you know how naive you sound, Michael? Presidents and senators don't have men killed»
Michael: «Oh. Who's being naive, Kay?»

Clemenza: «Leave the gun. Take the cannoli»

Carlo: «In Sicily, women are more dangerous than shotguns»

Michael: [speaking to Carlo] «Only don't tell me you're innocent. Because it insults my intelligence and makes me very angry»

Michael: «My father taught me many things here - he taught me in this room. He taught me: keep your friends close, but your enemies closer»


Michael: «I know it was you, Fredo. You broke my heart. You broke my heart!»

Connie: «Michael, I hated you for so many years. I think that I did things to myself, to hurt myself so that you'd know - that I could hurt you. You were just being strong for all of us the way Papa was. And I forgive you. Can't you forgive Fredo? He's so sweet and helpless without you. You need me, Michael. I want to take care of you now»

Michael: «Never hate your enemies. It affects your judgment»

Vincent: «I am your son. Command me in all things»
Michael: «Give up my daughter. That is the price you pay for the life you choose»

Michael: «Never let anyone know what you are thinking»

Mary: «I'll always love you»
Vincenti: «Love somebody else»

Michael: «Goodbye my old friend. You could have lived a little longer, I could be closer to my dream»

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