sábado, abril 07, 2012

Entrevista com GRETA GARBO (Março de 1929)


Greta Garbo (1905-1990), actriz sueca naturalizada americana, nasceu Greta Lovisa Gustafsson em Estocolmo, onde foi educada. Depois de trabalhar por um breve período como vendedora de uma boutique de roupas, ela conquistou o primeiro lugar num concurso de beleza em trajes de banho. Feita miss, decidiu ingressar na escola do Real Teatro Dramático da Suécia. Trabalhou em um único filme no seu país antes de viajar para os EUA, em 1925. Garbo concedeu esta entrevista um ano antes da sua carreira explodir, com o filme "Anna Christie". Seguiram-se diversos clássicos de Hollywood dos anos 30 – "Rainha Cristina", "Anna Kerenina", "Camille" e "Ninotchka". Em 1941, abandonou o cinema e passou a viver reclusa o resto da vida, num apartamento de Nova Iorque. É desta época sua frase célebre: «I won't to be left alone.»  
De volta da Suécia desde o dia anterior, a feiticeira das telas, Greta Garbo, estava no Hotel Marguery, na Park Avenue, quarta-feira passada. Só a presença dela já parecia  impressionar o camareiro, uma vez que a maior parte da comunicação era feita através de sussurros ou sinais. Mesmo que estivessem se dirigindo a algum visitante poderoso, os representantes da Metro-Goldwyn-Mayer não se mostrariam mais respeitosos, pois a senhorita Garbo, como Charlie Chaplin ou sir James M. Barrie, transforma-se numa delicada violeta quanto se trata de dar uma entrevista. Quando o telefone tocou, o silêncio do quarto foi quebrado e o camareiro ergueu um dedo como um sinal para o ascensorista de que a senhorita Garbo receberia um representante do The New York Times. Logo a porta do apartamento da senhorita Garbo se abriu e a figura sinuosa da fascinante actriz surgiu como um raio de sol. Num tom de voz baixo que combinava com o seu comportamento, ela cumprimentou o visitante, cujos olhos se desviaram do seu rosto para um bouquet de flores sobre a mesa e deste para o chão.

- «O senhor não quer se sentar?», perguntou ela.
Os olhos do visitante, mais uma vez, correram o risco de uma reacção imprevista dela, observando-a e percebendo, em seguida, que a senhorita Garbo usava um chapéu preto parecido com um barrete, de onde escapavam duas mechas de cabelo de cada lado. Depois de algumas perguntas, ficou claro que a senhorita Garbo tinha um magnetismo impressionante tanto na tela quanto fora dela. Como Pola Negri, que ela tanto admira. Greta Garbo é natural e diverte-se, ao invés de ficar constrangida com os seus parcos conhecimentos da língua inglesa. Ela usava um suéter rosa e uma saia curta de veludo preto, e anéis de fumaça do cigarro que ela segurava entre os longos dedos, subiam até tecto. Quando ela aqui esteve pela última vez, há três anos e meio, a senhorita Garbo não falava quase nada em inglês; mas agora ela consegue expressar-se bastante bem, e, apesar dos lapsos ocasionais, que são muito cativantes, declarou que gostaria muito de actuar num filme falado. Que papel gostaria ela de desempenhar nas telas? Ela jogou a cabeça para trás, baixou os olhos e dignou-se a responder:

- «Joana D’Arc. Mas é provável que não me saísse muito bem. Eu gostaria de fazer algo diferente, algo que ainda não tenha feito. Queria sair do lugar comum. Não vejo nada de especial nas tolas histórias de amor. Gostaria de fazer algo que ninguém mais esteja fazendo. Se eu conseguisse o Von Stroheim! Ele não é óptimo?»
A senhorita Garbo disse que o filme em que acuou de que mais gostou foi a adaptação para a tela de "Green Hat", de Arlen, que se chamou "The woman of Affairs". O seu primeiro filme, um dos dois que fizera na Suécia, foi a versão filmada de "The legend of Gosta Berting", que foi exibido aqui em 1928. Na época, ela tinha 17 anos e, de acordo com a sua própria descrição, era «uns cinco ou dez quilos mais gorda.» O povo foi recebê-la quando ela voltou para a Suécia da última vez. Não se impressionou muito com a recepção, mas admitiu que havia uma multidão esperando-a em Gotenburgo. Agora que estava nos EUA, ela não sabia dizer se tivera saudades. Em Estocolmo, disse que adorava passear pelas ruas, olhando as montras das pequenas lojas, e depois ir jantar depois de trocar de roupa. Os seus olhos acinzentados se iluminam quando ela disse isso. Quando perguntei se muitas pessoas a reconheciam nesta cidade, ela respondeu, como de costume: «Não sei.»
- «E o que fez na sua primeira noite em Nova Iorque?»
- «Jantei sózinha»
- «Completamente só?»
- «Foi, e adorei olhar para os – como vocês chamam? -  arranca-céus – Não, como é mesmo? Ah sim, arranha-céus. Não vamos falar sobre mim, vamos falar sobre Nova Iorque e os arranha-céus; eles parecem tão bonitos vistos desta janela. É verdade que eu fui convidada para jantar no campo, na casa onde o capitão Lundborg está hospedado. Ele, como o senhor sabe, é o homem que voou até Nobile, e trouxe-o de volta. Mas, como já disse, eu jantei sozinha e não parei de olhar para os maravilhosos e incríveis arranha-céus – eu falei certo?»
Essa suposta solitária admite conhecer muito pouca gente em Hollywood. Às vezes joga tênis e só tem um carro, mas conduz o carro dos amigos. Foi necessário falar de novo na Suécia, quando perguntei à senhorita Garbo se ela já tinha actuado no teatro. Ela disse que não, mas que um amigo pediu que ela encenasse "Resurrection" quando estava em Estocolmo. Ela, claro que irrefletidamente, concordou. Chegou ao ponto de decorar as suas falas e estudar o papel. Estava confiante, mas na noite anterior ao ensaio geral, começou a ficar muito nervosa e não conseguiu dormir. Pediu ao amigo que fosse até a sua casa e disse-lhe que não poderia fazer a peça. Ninguém conseguiu convencê-la. Ela simplesmente não conseguia aparecer diante dos projectores.

Qualquer um poderia jurar onde quer que a senhorita Garbo vá, ela não se diverte. Mas isso parece impossível. Ela demora umas seis semanas para fazer um filme e já actuou em oito produções de Hollywood. Estuda a história antes de aparecer em frente às câmeras.

- «E quando a senhorita vai voltar para Hollywood?»
- «Não sei. Amanhã, talvez.»
A conversa então passou para os filmes, e a senhorita Garbo disse:
- «Se eles querem que eu fale, eu vou falar. Adoraria actuar num bom filme falado, mas os que vi são horríveis. Não tem graça olhar para uma sombra e ouvir uma voz que vem de algum lugar fora do cinema.»
Perguntei-lhe se conhecia Charles Chaplin e ela respondeu que o conhecia «muito pouco.» Não há mais um círculo social sueco em Hollywood, pois Victor Sjöstrom já não está mais lá. Lars Hanson voltou para a terra natal, para onde também retornaram outros menos famosos. A senhorita Garbo sente uma profunda admiração por Pola Negri. Ela disse que adorava a maneira como a senhorita Negri mantinha o ar do Velho Mundo: «Ninguém é tão bom quanto Pola Negri», disse ela. «É tão engraçada. E é sempre divertido encontrá-la.» Para a senhorita Garbo, divertido é interessante e, ao mesmo tempo, estimulante. Ela repetiu «encantada em conhecê-lo», e voltou a cabeça para os seus queridos arranha-céus.

Entrevista conduzida por Mordaunt Hall, publicada originalmente no The New York Times, de 24/03/1929, e republicada no livro: Altman, Fábio. A Arte da Entrevista, Fábio Altman (São Paulo, 1995)

1 comentário:

ANTONIO NAHUD disse...

Uma entrevista curiosa. Já conhecia (publiquei-a no Falcão).
Parabéns pelo novo visual. Ficou muito bom.

O Falcão Maltês