Um filme de JEAN RENOIR
Com Catherine Hessling, Pierre Lestringuez, Jacqueline Forzane, Werner Krauss, Jean Angelo, etc.
FRANÇA / 150 min / P&B /
4X3 (1.20:1)
Estreia em FRANÇA a 27/4/1926
(Paris, Moulin Rouge)
Estreia nos EUA a 9/12/1926
(New York)
Nana, actriz modesta, tem ambições. Após
alguns êxitos em papéis truculentos, experimenta um insucesso total ao
interpretar o papel de uma mulher distinta. Decide, então, ser apenas pega, por
conta de vários amantes, que leva mais ou menos ao suicídio. Morre de bexigas
doidas. Para Renoir, “Nana”
é o primeiro dos seus filmes «de que vale a pena falar». Custou exactamente um
milhão e, embora tenha sido projectado com um certo êxito, foi um desastre
financeiro. Tinha, na altura da estreia, 2700 metros. É a primeira vez em que,
com Renoir, o “jogo” se sobrepõe à
acção e à “plástica”. “Nana” foi realizado sob a
influência directa de “Folies de Femmes”
(“Foolish Wives”, de Eric Von
Stroheim); provavelmente por isso, é a cupidez da heroína tão realçada. É
também, pela mesma razão, o único filme de Renoir
onde o dinheiro tem tanta importância.
Mas
o que neste filme há de novo e de muito pessoal, é o constante paralelismo
entre os criados e os patrões: Renoir
lembrar-se-á de “Nana” ao filmar “La
Règle du Jeu” e, depois, “Le Journal
d’une Femme de Chambre”. Por reacção, provavelmente, à “ênfase” do seu
filme precedente, Renoir aproxima-se
aqui dos personagens, filmados constantemente em planos americanos, encostados
a tal ponto às paredes que é necessário um dos quatro longos travellings, efectuados sobre o chassis
de um velho Ford de pneus vazios, para nos darmos conta do luxo e da amplidão
dos cenários, por vezes trucados, concebidos por Claude Autant-Lara.
Encontra-se em “Nana” o que virá a ser a temática de Renoir: o amor do espectáculo, a mulher que se engana na sua
vocação, a comediante que se procura, o apaixonado que morre vítima da sua
sinceridade, o politiqueiro desesperado, o homem criador de espectáculos. Em
suma, Nana rima com Elena.
François Truffaut
Esta
segunda obra de Jean Renoir (se não
contarmos com “Une Vie Sans Joie”,
cuja realização foi atribuída em exclusivo a Albert Dieudonné, depois de um
longo litígio nos tribunais) é, ainda hoje, de um pessimismo sombrio, cuja crueldade
chega a roçar o fantástico. A imagem que o cineasta nos dá da mulher (não só de
Nana mas de todo o género feminino) é quase assustadora. E a sua dimensão,
abissal, varia na proporção inversa do comportamento dos homens,
invariavelmente fracos e submissos. Com influências marcantes de “Foolish
Wives”, de Stroheim, como refere Truffaut (filme pelo qual Renoir era
obsessivo), “Nana” transcende o
realismo da obra de Zola transmitindo-nos um ambiente extremamente estilizado,
a que não será alheia a constante presença de Catherine Hessling, na altura
mulher de Renoir (ver comentário mais abaixo de Andre Bazin), e que faz da sua
interpretação um frenético caleidoscópio de maneirismos gestuais.
Ela
é a diva idolatrada, o caminho mais curto para a perdição, a doença contra a qual os homens não têm qualquer
imunidade. O artificialismo da personagem, mostrado através de uma maquilhagem
intencionalmente excessiva, dispara em todas as direcções, dizimando e
humilhando tudo à sua volta. Mas apesar de todos os excessos interpretativos e
da longa duração do filme (duas horas e meia!) “Nana”, que só agora
tive ocasião de ver pela primeiríssima vez, conseguiu seduzir-me, vindo
confirmar algo que já sabia há muitos anos, o facto de Jean Renoir ter sido um cineasta muito criativo, de raros e
multifacetados talentos.
A
obra muda de Renoir é dominada pela
sua principal intérprete, Catherine
Hessling, primeira mulher do cineasta francês. Foi para ela, em torno da
sua extraordinária personalidade, que Renoir realizou, após “Une Vie Sans
Joie”, “La Fille de l’Eau”, “Nana”, “Charleston” e “La Petite Marchande
d’Allumettes”. Haverá que compartilhar da admiração de Renoir por aquela que foi sua mulher e ao mesmo tempo a sua musa
inspiradora? É verdade que essa admirável rapariga de grandes olhos claros,
sombreados de carvão, rosto de boneca provocante, corpo imperfeito mas
estranhamente articulado, como o das mulheres em certos quadros impressionistas
(não esqueçamos que Catherine foi
modelo de Auguste Renoir), amalgamava de forma perturbadora o mecânico e o
vivente, o feérico e o sensual, numa insólita encarnação de feminilidade.
Mas
parece-me que Renoir a vê menos como
realizador do que como pintor. Seduzido, subjugado pela graça original desse
corpo e desse rosto, preocupa-se menos em dirigir a sua intérprete em função do
personagem e da economia dramática da cena do que em contemplá-la no máximo de
atitudes. Esta intenção, mais ou menos consciente, vislumbra-se claramente em “Charleston”, cujo argumento frágil e
fantasista não passa de um pretexto para uma extraordinária e incoerente
exibição de Catherine Hessling. De
modo que a actriz pode muito bem ter ajudado Renoir a revelar a si próprio o que permanece essencial na sua
arte, ao retardar a passagem necessária da direcção de actores à realização
propriamente dita.
Andre Bazin
1 comentário:
Nem conhecia, mas parece interessante.
http://onarradorsubjectivo.blogspot.pt/
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