16X9 (1.85:1)
Estreia em ITÁLIA a 16/8/1976
Com Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings, John Williams, Anthony Dawson, etc.
EUA / 88 min / COR / 4X3 (1.66:1)
Com Anthony Quinn, Anna Magnani, Virna Lisi, Hardy Krüger, Giancarlo Giannini, Sergio Franchi, Patrizia Valturri, etc.
EUA / 139 min / COR / 16X9 (2.35:1)
Italo Bombolini: There is no wine!
Stanley Kramer (1913-2001) nunca foi um nome consensual junto dos críticos de cinema.
Na verdade, foram poucos, muito poucos os elogios recebidos ao longo da sua
carreira de realizador, apesar dos 24 prémios que recebeu em diversos festivais
de cinema. Nunca ganhou o Óscar, é certo, mas foi nomeado 3 vezes como director
pela Academia. Kramer começou por ser produtor, tendo aliado essa faceta à
de director nos meados dos anos 50, mais concretamente com o filme “Not As a
Stranger”, em 1955, que teve como consequência a apresentação de obras, muito
do agrado do público. Relembramos alguns títulos: “O Julgamento de Nuremberga”
(1961), “O Mundo Maluco” (1963), “A Nave dos Loucos” (1965), “Adivinha Quem Vem
Jantar” (1967) ou este “O Segredo de Santa Vitória” (1969), deixaram na década
de sessenta a sua indelével marca.
Uma
constante na maioria dos seus filmes foi a presença de actores e actrizes cuja
qualidade esteve sempre bem acima da média. Aliás, lembro-me ainda que filme
com a sua assinatura era sinónimo quase sempre de grandes representações. “O
Segredo de Santa Vitória” não é excepção. Temos direito a uma das mais
brilhantes interpretações de Anthony Quinn (num papel que lhe serviu que nem uma
luva), muito bem coadjuvado pela tempestuosa Magnani, a bela Virna Lisi ou
Hardy Krüger, o meu alemão favorito de tantos e tantos filmes.
“O Segredo
de Santa Vitória” começa logo após a substituição de Mussolini no poder, em 1943. As
forças aliadas ainda não tinham começado a invasão de Itália, pelo que se seguiu um período de anarquia, em que a Guerra estava irremediavelmente perdida. O
exército alemão começa aos poucos a retirar-se de Itália, mas, como acontece
nestes casos, os invasores querem sempre lucrar e levar consigo tudo quanto
possam carregar. Vão por isso andar de aldeia em aldeia à procura de eventuais
proveitos. Santa Vitória é uma aldeia pobre como tantas outras, em que os seus moradores viviam do
que a terra lhes dava. Só que neste caso particular a grande maioria das
plantações eram vinhas a perder de vista e os aldeões tinham muito orgulho nas
suas magníficas castas, que davam até para exportação. Quando sabem da vinda
dos alemães, tratam de esconder cerca de 1 milhão de garrafas usando uns túneis
romanos que depois serão convenientemente selados.
Bombolini
(grande, grande Anthony Quinn) é um dos bêbados da cidade, que é casado com a
temível Rosa (Anna Magnani numa personagem bem característica da sua longa
carreira). Por ter ousado subir ao topo do moinho para apagar uma inscrição que
refere que “Mussolini tem sempre razão”, Bambolini, que alguns meses antes a tinha
lá escrito, é ovacionado pelos seus conterrâneos, que lhe conferem o cargo de
prefeito da vila. Ou seja, um bêbado inveterado, que de um momento para o
outro se vê pela primeira vez na vida como alguém de responsabilidade, que pode efectivamente ajudar os seus conterrâneos. Após algumas ideias falhadas, a solução encontrada é o transporte das garrafas mão a mão em quatro longuíssimas filas.
Depois da nova garrafeira bem apetrechada e melhor guardada, começa a segunda parte do filme, com a chegada dos alemães. Hardy Krüger é o oficial responsável e de início tudo corre bem no meio de muita galhofa. Mas a boa disposição dos aldeões não se ajusta ao facto de terem fornecido aos alemães cerca de 300 mil garrafas e Van Prum (a personagem de Krüger) começa a desconfiar que está a ser enganado, que existirão muitas mais garrafas escondidas. Mas onde? Começa assim o jogo do gato e do rato, ao qual dois oficiais da temível SS vêm dar a sua autoritária ajuda. Mas será que a unidade de gente simples consegue enganar os poderosos alemães? É óbvio que sim, ou o filme não faria qualquer sentido. “O Segredo de Santa Vitória” perdeu um pouco da sua originalidade ao longo dos anos, mas, sobretudo para quem nunca o viu, permanece um bom entertenimento e sobretudo a possibilidade de ver em acção grandes actores do passado.
CURIOSIDADES:
- A cidade italiana de Santa Vitória, na vida real, não pôde ser usada para este filme porque se modernizou demais desde o período da Segunda Guerra Mundial, em que a história do filme se passa. Um total de 169 cidades italianas foram pesquisadas até que a ideal fosse encontrada: Anticoli Corrado. Este é um município da província de Roma, na região mais ampla do Lácio. A comuna está situada a cerca de 40 km a nordeste de Roma.
- A equipa
italiana ficou tão perturbada com o assassinato de Robert F. Kennedy, ocorrido
durante as filmagens, que dedicou uma hora extra de trabalho em sua memória. A
carta do sindicato dos trabalhadores italianos dizia: «A melhor maneira de
honrar a memória de um homem de acção é pela acção». O produtor e director
Stanley Kramer respondeu com o seguinte: «A decisão da equipa
italiana de dedicar uma hora extra de trabalho à memória de Robert Kennedy não
tem paralelo na história do cinema. A equipa americana em Anticoli Corrado
sente-se profundamente honrada em conhecê-lo e privilegiada por ser sua colega
de trabalho.»
- Segundo o filme, a estimativa exata de garrafas de vinho que o município de Santa Vitória possuía era de 1.317.000. A publicidade e o boca a boca frequentemente aproximavam esse número de um milhão de garrafas. No entanto, um dos principais posters do filme afirmava que, na verdade, havia 1.184.611 garrafas de vinho.
- Durante a cena de luta, quando Anna Magnani literalmente expulsa Anthony Quinn de casa, ela dá-lhe um pontapé com tanta força que ele quebrou o pé. O produtor e director Stanley Kramer comentou sobre isso na sua autobiografia "A Mad, Mad, Mad Mad World: A Life in Hollywood": «Ele e Magnani não se davam nada bem. É um milagre que as cenas deles tenham sido finalizadas. Ela não gostava nem um pouco dele, e na grande cena de luta deles, quando ela deveria literalmente expulsá-lo de casa, ela o fez com tanta força durante as filmagens que quebrou o pé!» Kramer acrescentou: «Ela era uma dama perfeita. Cumprimentou-me com um vestido formal, usou uma boquilha e falava inglês perfeitamente. Contou-me tudo sobre o estúdio de lá, onde faríamos algumas sequências importantes de interiores, e descreveu os aspectos comerciais e artísticos da produção cinematográfica em Roma com muita perspicácia, inteligência e classe. Pensei: "Uau, que dama ela é!" E então deu-me um aviso: "Não coma no refeitório daqui, a comida é uma merda." Foi então que fiquei a saber que ela tinha outra faceta.»
- Durante os
quatro meses de filmagens na pequena vila italiana de Anticoli Corrado, vários
moradores da cidade trabalharam no filme em diferentes funções, como
assistentes de equipa ou como figurantes e artistas de fundo. Alguns
permaneceram e moraram nas suas casas, enquanto outros tiraram férias
remuneradas em troca do uso das casas durante as filmagens principais.
- O produtor
e director Stanley Kramer disse sobre este filme na sua autobiografia "A
Mad, Mad, Mad Mad World: A Life in Hollywood": «Imaginei o filme como uma
celebração de princípios e resistência, enquanto, liderados por seu prefeito pitoresco
prefeito, Bombolini , os habitantes da cidade se recusam a se submeter aos seus
opressores. Eu queria que a história representasse o espírito indomável de uma
cidade».
- "O Segredo de Santa Vitória" foi nomeado para dois Óscares de Melhor Montagem (William A. Lyon e Earle Herdan) e Melhor Banda Sonora (Ernest Gold). O filme ganhou o Globo de Ouro de melhor filme de comédia e foi indicado pelo comité do Globo de Ouro para mais 5 categorias: Director (Stanley Kramer), Actor de Comédia (Anthony Quinn), Actriz de Comédia (Anna Magnani), Banda Sonora Original (Ernest Gold) e Canção Original ("Stay", de Ernest Gold e Norman Gimbel).
Com Julie Christie, Alan Bates, Peter Finch, Terence
Stamp, Fiona Walker, Prunella Ransome, Alison Leggatt, Paul Dawkins, etc.
UK / 168 min / COR / 16X9 (2.35:1)
Após
consultar as notas do meu amigo Sérgio Vaz, vou começar por recuar no tempo e
situar a história de “Longe da Multidão”, o título com que o filme foi exibido
em Portugal. Bathsheba Everdene – a protagonista do romance que Thomas Hardy
começou a escrever em 1873 e foi sendo publicado em capítulos, como uma novela e
anonimamente, na revista Cornhill Magazine em 1874 – é uma personagem
absolutamente fascinante. É tão absolutamente fascinante que chegou ao cinema
pela primeira vez em 1915, quando o autor estava vivo, passando bem e
escrevendo poesia. (Thomas Hardy morreu em 1928, aos 88 anos.) Esta primeira
versão para o cinema de “Far From the Madding Crowd”, de 1915, foi dirigida por
Laurence Trimble, que também escreveu o respectivo argumento. Florence Turner
foi a actriz que interpretou a primeira Bathseba do cinema.
Cinquenta e dois anos
depois, na plenitude da década de sessenta, foi-nos apresentada a segunda
Bathseba, que veio na pele de uma das actrizes mais fascinantes da História,
por quem as gerações nascidas aí digamos entre 1940 e 1955 se apaixonaram –
Julie Christie. A mulher sobre quem François Truffaut escreveu: «Julie é um
coquetel de imperfeições fascinantes: um rosto bem animal, de loba, sobre um
corpo de menina. É preciso acrescentar a sua voz, um pouco em contradição com o
físico. Como se ela tivesse bebido 1.800 uísques, o que não é verdade. Não
fuma, não bebe, mas rói as unhas. Seu físico é feito de contradições.»
Foi uma
produção totalmente britânica; o director, John Schlesinger, já havia dirigido
Julie em “Darling” (1965), e os outros três actores principais davam pelo nome
de Alan Bates, Terence Stamp e Peter Finch. Ou seja, um elenco de luxo! Bathsheba Everdene não era uma dondoca, nem
uma casadoira, nem passava a vida à espera de algum homem ou em função de algum
homem. Era uma mulher forte, de desejos poderosos, que se orgulhava de ser
independente. Uma mulher trabalhadora, capaz de meter a mão na massa e ao mesmo
tempo administrar o trabalho de várias dezenas de pessoas. Uma mulher que
atraiu as atenções e o amor não de um ou dois, mas de três homens.
Isso tudo
tendo sido criado em 1873, em plena Era Victoriana, um tempo de muita
moralidade rígida e muita censura a quem se desviava das regras vigentes. E
criada por um homem que tinha então apenas 33 anos, e portanto não tinha sequer
tido muito tempo para conhecer bem as mulheres (e será que algum homem se pode gabar de o ter conseguido ao longo dos séculos?). Thomas Hardy só viria a casar-se em 1874, o
ano em que “Far From the Madding Crowd” apareceu em forma de folhetim. A moça,
Emma Lavinia Gifford, era cunhada do reitor de uma escola de Cornwall, onde
Hardy foi trabalhar como restaurador – filho de um construtor civil, tornou-se
um requisitado profissional nessa arte, a mesma do personagem central de seu
romance maior, “Judas, o Obscuro”. Esse grande escritor é uma das muitas provas
de que a vida é mesmo cheia de surpresas. Seria extremamente difícil imaginar
que um sujeito da classe média de Dorset, região do extremo Sul da Inglaterra,
rural, sem uma cidade importante ou sequer média, pudesse vir a criar uma
personagem que parece saída da imaginação de uma feminista nova-iorquina pós
anos 1960.
“Far From
the Madding Crowd” é um filme extraordinário que não só faz jus ao romance de
Thomas Hardy, como também ostenta, como já se disse, um elenco soberbo. A personagem-título,
Bathsheba Everdene (Julie Christie), em particular, evita cair no
sentimentalismo, enquanto explora magnificamente as capacidades do seu talento
como actriz. O papel varia de dominadora a insegura, de arrependida a
triunfante. De mulher doce a grande dama de salão. Há também uma figura
trágica: Fanny Robin (a estreante Prunella Ransome), que contribui para a
profundidade do enredo com uma actuação impressionante: é engravidada pelo sargento
Troy (Terence Stamp), e de seguida abandonada. Mais tarde regressa, mas para
morrer, juntamente com o filho ainda dentro do seu ventre.
À medida que
Bathsheba se torna adulta, três candidatos a cercam: o pastor Gabriel Oak (Alan
Bates), que é o primeiro a tentar a sua sorte, logo no início do filme. Mas a
sua proposta é rejeitada, Bathsheba não o ama. Ainda por cima perde todo o seu
rebanho numa noite (que se despenha do alto de uma falésia, guiado por um dos cães de guarda que provavelmente terá enlouquecido para actuar desse modo) e é obrigado a
partir em busca de emprego e melhores dias. Bathsheba, entretanto, herda uma propriedade
de um tio e é lá que Gabriel encontra trabalho. Depois, há o Sr. Boldwood
(Peter Finch), um vizinho rico e mais velho, uma figura patética com fama de
não dar grande importância às questões sentimentais, mas que se apaixona
perdidamente pela sua nova vizinha. De negação em negação, em adiantamentos
sucessivos, Bathsheba vai recusando também as suas propostas de casamento. E
por fim temos o sargento Troy (Terence Stamp), mais novo do que os seus rivais
e que é extremamente popular junto ao sexo oposto. Como quase sempre acontece
na vida real é tal fama que ajuda a compor o ramalhete, juntamente com uma
certa áurea de canalha e cabotino. Bathsheba apaixona-se finalmente e o
casamento vem de facto a acontecer. A favor de Troy pode-se referir a sua
paixão por Fanny, mesmo depois de morta. A famosa cena junto ao caixão é bem
paradigmática, quando Troy profere aquela terrível declaração a Bathsheba: «This woman, even dead, is more to me dear
than you ever were... or are... or could be.»
Não vou contar tudo o que se segue, mas posso adiantar que a batalha com as forças da natureza naturalmente desempenha um papel, mas isso não é um fim em si mesmo: um incêndio, uma tempestade e uma doença num rebanho de ovelhas dão mais ênfase à história, criando no espectador a expectativa de um desenlace mais apropriado e, porque não, um pouco mais feliz. Nunca tendo lido o romance de Thomas Hardy, é de admitir que o mesmo seja mais pormenorizado do que o filme, e que contenha mesmo factos que aqui não são referidos. Mas é o eterno risco que corremos quando um filme é baseado numa obra literária de grandes dimensões e não temos a possibilidade de comparação. Mesmo assim, “Longe da Multidão” é um filme de grande desenvoltura (são quase três horas de projecção), muito agradável de se ver, mesmo passado mais de meio século e no mínimo justifica-se pelo retrato que nos dá do século XIX inglês. Resta ainda falar de uma cinematografia de cortar o fôlego (da autoria do futuro realizador Nicolas Roeg, que se estrearia três anos depois com “Perfomance”), por onde se passeiam as grandes emoções humanas.
CURIOSIDADES:
- Rodado em Dorset
e Wiltshire, o filme ostenta uma autenticidade de época e personagens tão
surpreendente que levou o designer de produção Richard MacDonald a comentar: «fazer
este filme pode ter sido uma das últimas chances de filmar a Inglaterra rural
como ela era em meados do século XIX». Boa parte do crédito vai para os 723
fazendeiros vizinhos e suas famílias, que foram recrutados para as cenas de multidão
e pequenos papéis.
- Na versão
que correu na altura da estreia em Inglaterra, foi abolida a cena da luta de galos por causa da lei
inglesa que proibia mostrar cenas de crueldade com animais. Com cerca de 12
segundos, essa cena foi acrescentada quando o filme foi editado em DVD,
passando, curiosamente, a durar cerca do dobro.
- Este foi o primeiro filme de John Schlesinger após o grande sucesso "Darling", de 1965. Reuniu-se com o produtor Joseph Janni, o argumentista Frederic Raphael e a actriz principal Julie Christie para porem de pé esta adaptação do livro. Raphael, um ávido apreciador dos escritos de Thomas Hardy, pode ter sido fundamental, afirmando posteriormente que, em vez de ser, como "Darling", um filme sobre "pessoas bonitas", seria "um filme sobre pessoas que realmente eram bonitas". O sucesso anterior garantiu à equipa liberdade de ação e também um grande orçamento, que Schlesinger estimou numa entrevista em cerca de 2,750 milhões de dollars. No entanto, o filme provou ser um grande fracasso de bilheteria, e Schlesinger raramente o elogiou, embora tenha gradualmente conquistado uma considerável reputação crítica.