Um filme de BLAKE EDWARDS
Com David Niven, Peter Sellers, Robert Wagner, Capucine, Claudia Cardinale, Fran Jeffries
EUA / 115 min / COR /
16X9 (2.35:1)
Estreia na RFA a 19/12/1963
Estreia na GB a 7/1/1964
Estreia nos EUA a 18/3/1964
Estreia em PORTUGAL a 17/12/1964
Sempre que assisto a este filme é como saborear um delicioso pitéu. Nada de muito condimentado, apenas uma pequena iguaria que serve para me confortar o estômago e deixar saciado (e feliz) para o resto do dia. “The Pink Panther” vê-se com um sorriso permanente nos lábios, independentemente do número de vezes que já acompanhámos as inenarráveis peripécias do desastrado Clouseau. Foi a primeira vez que a hoje célebre personagem foi apresentada ao grande público e o sucesso não poderia ter sido mais inesperado.
Com efeito, quando o filme foi idealizado, a figura principal apontava para Sir Charles Lytton, requintado ladrão de jóias conhecido pelo “Fantasma” (David Niven), cujas aventuras teriam neste filme o seu início. Mas não houve qualquer sequela; e tudo por causa do extraordinário desempenho de Peter Sellers que, não contente em ter roubado as melhores cenas do filme, ainda por cima deu ao mundo do cinema uma das suas personagens mais queridas. O inspector Clouseau tinha vindo para ficar e Sellers vestiu-lhe a pele em mais quatro filmes, de valor cinéfilo variável mas todos eles recheados de cenas de antologia: “A Shot in the Dark” (1964), “The Return of the Pink Panther” (1975), “The Pink Panther Strikes Again” (1976) e “The Revenge of the Pink Panther” (1978).
Em 1982, dois anos após a morte do actor, seria estreado “The Trail of the Pink Panther” em que, numa indecorosa acção de marketing, foram usadas algumas sequências inéditas, rodadas para os anteriores filmes mas que não tinham sido usadas nas montagens finais. O actor Alan Arkin interpretaria também a personagem de Clouseau num filme de 1968 (“Inspector Clouseau”), do mesmo modo que Steve Martin, este já neste século: “The Pink Panther” (2006) e “The Pink Panther 2” (2009), ambos filmes perfeitamente escusados e que só vieram mostrar, uma vez mais, a política oportunista e gananciosa dos estúdios norte-americanos, evidenciada nas duas décadas anteriores com mais dois filmes onde a célebre personagem foi também alvo de uma abusiva apropriação: “The Curse of the Pink Panther” (1983) e “Son of the Pink Panther” (1993).
Mas regressemos a este primeiro e refrescante filme da série. Para além do brilhantismo de Sellers e do bom desempenho de todos os restantes actores (belissima Claudia Cardinale, sensual e desconcertante Capucine e o sempre fleumático David Niven interpretando-se a si próprio) “The Pink Panther” está impregnado de um humor delicioso, com sequências inesquecíveis, que tornaram o filme numa clássica comédia de Hollywood (apesar de rodada inteiramente em Itália) e dos anos 60 em particular. Recordemos apenas duas delas: a passada no quarto de Clouseau e da sua idolatrada Simone, onde diversas peripécias se sucedem a um ritmo de puro vaudeville, a lembrar os antigos filmes dos Irmãos Marx; e a louca perseguição em quatro viaturas (de todos atrás de todos, incluindo gorilas siameses e uma tresloucada zebra) após o baile de máscaras, que culmina num espalhafatoso choque frontal presenciado por um seráfico habitante da praceta local – um momento indescritível de puro nonsense e burlesco.
Foi neste filme que, de um momento para o outro, nasceu a conhecida alquimia entre Sellers e Blake Edwards (um "amor à primeira conversa", entre dois homens que até então nunca se tinham visto, mas que rapidamente descobriram uma infinidade de gostos e paixões comuns), a qual viria a dar frutos no futuro: para lá das sequelas da Pantera cabe aqui referir o hilariante “The Party” (1968), que pessoalmente considero o apogeu da dupla. Neste “The Pink Panther” a revelação Sellers estilhaçou por completo o argumento original, dando azo a um vendaval de improvisações para gáudio de todos os intervenientes nas filmagens, quer fossem actores ou elementos da equipa técnica. Ao mesmo tempo que finalizava o filme, Edwards já se encontrava a reescrever todo o guião de “A Shot in the Dark”, de modo a conferir à personagem de Clouseau o foco principal. É por isso que muita gente considera esse segundo filme como o “verdadeiro” arranque da personagem.
Seja como for, “The Pink Panther” permanece, quase 50 anos depois, uma comédia brilhante e espirituosa em todas as suas variantes (veja-se por exemplo o "número musical" onde Fran Jeffries interpreta em italiano a canção "Meglio Stasera" - ver videoclip abaixo - ou a sensual sequência de Niven e Cardinale, com esta completamente embriagada e deitada no tigre de tapeçaria), que teve a sorte de incluir a comicidade fulgurante de Peter Sellers, evidenciada sobretudo na interacção de Clouseau com os adereços do plateau. É na mímica, na gestão do espaço à sua volta, no sentido de ritmo e sobretudo nos silêncios que o génio do actor melhor se manifesta. Já para não falar na incrível pronúncia, que viria a ser ainda melhor trabalhada nos filmes seguintes (recorda-se que uma das especialidades do actor, desde os tempos da rádio e do Goon Show, programa televisivo transmitido entre 1951 e 1960, era a imitação de vozes de personalidades conhecidas) ou naquela absurda mas indefectível postura, impregnada da maior das dignidades.
De referir ainda a belissima fotografia, que confere a “The Pink Panther” um visual magnífico, sobretudo em toda aquela primeira parte rodada na estância de desportos de inverno da Cortina D’Ampezzo, em Itália - a paisagem coberta de neve confere um atractivo suplementar ao filme, adicionando-lhe um esplenderoso glamour. Bem como a partitura musical, assinada por Henry Mancini, e cujo tema principal se tornou instantaneamente num verdadeiro clássico. Não só como identificativo de toda a série mas sobretudo do desenho animado da pantera cor-de-rosa, que faz a sua estreia absoluta no fabuloso genérico. Tal como Clouseau, que iniciou aqui a sua história, o cartoon criado por Friz Freleng e David H. DePatie ganharia vida própria dando origem a centenas de desenhos animados.
CURIOSIDADES:
- Peter Ustinov foi o actor inicialmente escolhido para interpretar o inspector Clouseau. A sua injustificada ausência nos primeiros dias de filmagens em Roma (que levou os produtores a processá-lo) foi a razão pela qual Peter Sellers conseguiu o papel. Capucine também não foi uma primeira escolha: Ava Gardner e Janet Leigh recusaram entrar no filme – a primeira por desacordo quanto ao salário e a segunda por se ter casado recentemente (pela quarta vez) e não querer interromper a lua-de-mel.
- Claudia Cardinale não sabia falar inglês, pelo que foi dobrada em todas as cenas por Gale Garnett.
- Na cena da banheira com Capucine e Robert Wagner, o forte ingrediente usado para a abundante espuma provocou queimaduras nos dois actores. Wagner, que chega a estar completamente imerso durante longos segundos, acabou por ter problemas de visão, ficando praticamente cego durante cerca de três semanas.
Para os interessados disponibiliza-se aqui a banda-sonora original: