Nascido a 3/6/1922,
em Vannes, França
Falecido a 1/3/2014,
em Paris, França
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Alain Resnais morreu com 91 anos (faria 92 em
Junho), ainda plenamente activos e criativos. O seu último filme, de título
profundamente “vitalista” (“Amar,
Beber e Cantar”), teve a
sua estreia mundial há menos de um mês, no Festival de Berlim. E Resnais
estava, certamente, num dos picos da sua vitalidade criativa, fazendo suceder,
ao longo das últimas duas décadas, uma série de filmes que pareciam cada vez
mais jovens, mais livres, mais irreverentes, mais solitários no caminho que
percorriam mas sempre, sempre, terrivelmente vivos enquanto expressão de um
enorme gozo no acto de fazer (e dar a ver) cinema brincando com as suas convenções.
A obra de Resnais impressiona também por esta
longevidade, mas nisso ele não estava sozinho. Vem de uma geração de cineastas
que, como os pintores, viveu muito tempo: Rohmer ou Marker, mas também entre os
ainda vivos Rivette, Agnès Varda ou Godard, todos actualmente com mais de 80
anos e os dois últimos ainda em plena actividade. A obra de Resnais impressiona
também por isto, dizíamos: os seus filmes testemunharam mais de meio-século,
entre os anos 40 do século XX e a segunda década do século XXI. E num cineasta
que tanto tratou da questão da “memória”, nada parece mais natural do que
ver-se na sua obra, igualmente, uma inscrição da memória, da memória pessoal e
da memória colectiva de um tempo.
Um dos seus filmes fundamentais, pedra angular
de toda uma tradição da modernidade cinematográfica, foi há bem pouco tempo
reavivado pela distribuição portuguesa. Falamos de “Hiroshima,
Meu Amor”, que recentemente voltou às salas em
Portugal, e que em 1959, juntamente com os “400 Golpes” de
François Truffaut, serviu para certificar o nascimento da nouvelle vague -
e isto apesar de a história de Resnais com a nouvelle vague ser
mais uma história paralela do que propriamente o registo de uma presença, ou de
um sentimento de pertença ao eixo central desse movimento.
Como no caso de Chris Marker, teria sempre
havido Alain Resnais mesmo que nunca tivesse havido nouvelle vague.
O seu percurso iniciara-se antes, e segundo coordenadas razoavelmente
diferentes do percurso seguido pelos “cahieristas”, Godard, Truffaut e todos os
outros. E se “Hiroshima”, por todas as razões, foi o primeiro grande
momento da afirmação de Resnais, convém chamar a atenção para a notável série
de curtas ou médias metragens que precederam esse título.
Feitas entre a
segunda metade do anos 40 e os anos 50, lançaram muitas das bases temáticas e
mesmo formais do que seria a obra futura do cineasta. Nelas se encontra, já,
uma consistente aproximação do cinema a outras artes (os filmes sobre pintores
e pintura, Van Gogh, Gauguin, a Guernica...) em cruzamento com questões
propriamente relacionadas com a História e com a memória – é o caso de “Les
Statues Meurent Aussi”, que “revê” o colonialismo à luz da
arte africana; é o caso de “Toute la Mémoire du Monde”,
sobre uma biblioteca como acumulação de saber e do saber, como, justamente,
“toda a memória do mundo”; e é muito especialmente o caso de “Noite
e Nevoeiro”,
feito em 1955, ainda hoje um título absolutamente capital na história do
tratamento cinematográfico do Holocausto, e de Auschwitz em particular.
Resnais foi sempre um experimentador e, como
vimos, alguém interessado em relacionar o cinema com outras disciplinas,
artísticas ou de pensamento científico (o caso evidente de “O
Meu Tio da América”, concebido em referência ao trabalho
teórico do psicólogo Henri Laborit). Uma das expressões mais evidentes desse
interesse foi a sua associação com escritores: Marguerite Duras, logo nessa
primeira longa que foi “Hiroshima”, e logo a seguir Alain
Robbe-Grillet, com quem concebeu outro dos seus títulos lendários, “O
Último Ano em Marienbad”.
Não
se tratava meramente de “adaptar” obras literárias, e de resto Resnais disse
várias vezes que nunca adaptaria um romance ao cinema (promessa que veio, muito
recentemente, a não cumprir, mas o princípio geral manteve-se durante décadas) mas de trazer para o próprio tecido do filme, e para a sua “lógica de fabrico”,
um contributo diferente, não tradicional nem baseado numa tradição de cinema,
com incidências ao nível formal, e muito especialmente no que toca à forma de
narrar – “Hiroshima”, “Marienbad”, o belíssimo “Muriel
ou o Tempo de um Regresso” (há pouco tempo editado em DVD em
Portugal), são filmes que, de facto, inauguram qualquer coisa, e trabalham uma
forma de narrar, de estruturar a narração, com poucos ou nenhuns precedentes
cinematográficos. Convém dizer, até, que foi depois das experiências com
Resnais que quer Marguerite Duras quer Alain Robbe-Grillet se descobriram
também como cineastas em nome próprio, tendo construido, qualquer um deles,
obras fílmicas altamente significativas, em natureza e em extensão.
O trabalho sobre a narração, bem exemplificado
por estas colaborações com escritores (outro foi Jorge Semprun, mais
tardiamente, e talvez com resultados não tão marcantes), é um dos eixos
centrais do cinema de Resnais. E um eixo que se exprime ainda através do seu
interesse em trabalhar sobre formas narrativas eminentemente populares, sobre
lógicas de “género”. A ficção científica em “Je t'Aime, Je t'Aime”,
nos anos 60, o filme histórico em “Stavisky” (nos anos 70), ou, talvez o exemplo mais “programático” de
todos, “Mélo”,
nos anos 80, filme que leva logo no título (Mélo, em francês, é a abreviatura coloquial de melodrama) a identificação do género em que se pretende instalar e sobre o
qual quer trabalhar.
Tão interessado pela mais densa profundidade
intelectual como pelo mais banal espectáculo popular - “combinação” que de
algum modo alimenta a generalidade destes seus últimos filmes – também não lhe
escapou o boulevard e o cançonetismo (“É Sempre a Mesma Cantiga”, nos anos 90), nem evidentemente o
teatro. Um dos seus filmes mais importantes é por certo o díptico “Smoking
/ No Smoking”,
estreado em 1993 e concebido a partir de uma peça do dramaturgo inglês Alan
Ayckbourn (autor a que Resnais voltou para “Corações”,
em 2006). A estrutura desse filme, baseada numa série de suposições (“e se...”)
criadas e imaginadas a partir de uma situação de base, numa espécie de
interminável ficção “alternativa” à própria ficção, condensa possivelmente
todas estas preocupações de Resnais: as questões formais, as questões de
“género”, a invenção sobre a narrativa e sobre os seus caminhos. Mas também,
tema que cruza a sua obra e é muito devedor das suas paixões intelectuais da
juventude (o surrealismo, de cujo “pai”, André Breton, Resnais sempre se
afirmou “discípulo”), a questão da “imaginação”, da contiguidade, sem
distinção, de mundos reais e mundos imaginados, de mundos vividos e mundos
sonhados, de uma realidade “alternativa” ou “hipotética” directamente
implantada na realidade “real”.
Tinha a sua troupe,
actores que o acompanhavam e se repetiam de filme para filme, alguns deles
tornados absolutamente indissociáveis do universo “resnaisiano”: Pierre
Arditti, André Dussollier ou Sabine Azéma, com quem era casado. Agnès Jaoui e
Jean-Pierre Bacri, que com ele trabalharam em “É Sempre a Mesma
Cantiga”,
aprenderam tudo com ele, e ainda não deixaram de fazer variações sobre os
“mosaicos” narrativos de Resnais. Há 36 anos, em “Providence”,
Resnais fizera o seu filme sobre o envelhecimento e a morte, em jeito de
“comédia negra”. O exorcismo teve o seu efeito: não morreu decrépito, não
morreu incapaz, pelo contrário morreu no auge, e em plena festa. Comer, beber e
cantar. Sim, vimos tudo com Alain Resnais.
(Luis Miguel Oliveira in jornal "Público", 3/3/2014)
FILMOGRAFIA:
2014 – Aimer, Boire et
Chanter (+argumento)
2012 – Vous N’Avez
Encore Rien Vu (+argumento)
2009 – Les Herbes
Folles / As Ervas Daninhas (+argumento)
2006 – Coeurs /
Corações
2003 – Pas Sur La
Bouche / Nos Lábios Não
1997 – On Connait La
Chanson / É Sempre a Mesma Cantiga
1993 – Smoking, No Smoking / Fumar, Não Fumar
1989 – I Want To Go
Home / Quero Ir Para Casa
1986 – Mélo (+argumento)
1984 – L’Amour à Mort
/ Amor Eterno
1983 – La Vie Est Un
Roman / A Vida é Um Romance
1980 – Mon Oncle
d’Amérique / O Meu Tio da América
1977 – Providence
1974 – Stavisky… /
Stavisky, o Grande Jogador
1968 – Je T’Aime, Je
T’Aime / Amo-te, Amo-te (+argumento)
1966 – La Guerre Est
Finie / A Guerra Acabou
1963 – Muriel Ou Le
Temps d’un Retour / Muriel, ou o Tempo de um Regresso
1961 – L’Année
Dernière à Marienbad / O Ano Passado em Marienbad
1959 – Hiroshima, Mon
Amour / Hiroshima, Meu Amor