quinta-feira, setembro 18, 2025

THE WAY WE WERE (1973)

O NOSSO AMOR DE ONTEM

Um filme de SYDNEY POLLACK



Com Barbra Streisand, Robert Redford, Bradford Dillman, Lois Chiles, Patrick O'Neal, Viveca Lindfors, etc.


EUA / 118 min / COR / 16X9 (2.39:1)

Estreia nos EUA (NY) a 16/10/1973



Hubbell Gardner: «People are more important than their principles.»
Katie Morosky: «People ARE their principles.»



Com argumento tripartido entre Paddy Chayefsky, Arthur Laurents e Francis Ford Coppola, “The Way We Were” continua, meio século passado, a pertencer à categoria dos filmes românticos. Não é apenas um filme sobre a eclosão e o desenvolvimento de um relacionamento amoroso, é um pouco mais do que isso. Trata-se de uma história mais ou menos comum sobre o amor e as suas oscilações, devido às diferentes percepções da realidade do casal envolvido. O filme de Pollack apresenta-nos dois protagonistas centrais: Katie Morosky (Barbra Streisand), uma fervorosa militante comunista (tanto quanto o ser-se “comunista” nos EUA poderá significar), e Hubbell Gardiner (Robert Redford), um jovem pequeno-burguês pouco ligado a questões políticas e que se está mais ou menos marimbando para o mundo à sua volta. Ao longo da faculdade, no entanto, e por algum estranho motivo, cresce entre os dois um inesperado laço pessoal que os mantém unidos.


Durante a juventude, Katie admira e respeita o surpreendente talento de Hubbell enquanto escritor de ficção; do outro lado, o frívolo estudante e grande entusiasta de desportos, encanta-se pela eloquência e capacidade de mobilização de massas do discurso de Katie, mesmo não estando de acordo com o seu posicionamento político. Sómente anos depois, já nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial, é que ambos os protagonistas se reencontram, despoletando uma chama até então apagada. Mas a descoberta inicial não dura muito e em breve irá dar lugar ao desapontamento.


Cabe aqui recordar a mais bela sequência do filme, mesmo tendo em conta aquele pungente final. Hubbell, chega ao apartamento de Katie completamente embriagado, e a primeira coisa que faz é ir vomitar para a casa de banho. Mas os efeitos do álcool permanecem e deixa-se caír, já despido, na cama de Katie. Passada a surpresa, esta despe-se também, muito lentamente para não perturbar o roncar do colega, e enfia-se com muito cuidado na metade desocupada da cama. Mais tarde o inevitável acontece, muito suavemente, mas Katie acredita que Hubbell a confunde com a namorada, Carol Ann (Lois Chiles). O novo dia traz-nos duas reacções diferentes dos dois amantes casuais. Hubbell parece confuso, não sabendo muito bem o que aconteceu (ou o que não aconteceu) e Katie, que muito provavelmente nunca tinha tido outro homem antes daquela noite, vê alcançado o seu desejo mais secreto. Mas nenhum dos dois fala sequer da situação.


A construção da relação entre Katie e Hubbell não é pautada apenas por um amor incondicional, muito pelo contrário. O que nos é aqui apresentado é uma tensão modulada a partir de uma potência juvenil. Entre eles saem faíscas que nem sempre são oriundas do amor. Existe, nesse relacionamento, uma constante transição entre dor, paixão e tristeza. Nada dentro do universo do filme é ideal, muito menos o amor; e essas faíscas ácidas de modo algum os deixam mais distantes. Por incrível que pareça, é exactamente isso que aparenta unir Hubbell e Katie. Superar tais crises cria, entre os dois, um irremediável desejo de querer construir um amor real, sujeito a momentos de turbulência que, ao fim e ao cabo, apenas o fortalecem. Não é um amor dos sonhos, mas pouco importa: é um amor. Se a juventude acabou e é já saudade, ambos não deixam pelo caminho a força motriz do seu relacionamento. Mesmo nas grandes crises não falta no casal uma motivação potente em contornar as adversidades e voltar ao estado de paixão.


Hubbell Gardiner e Katie Morosky não são uma sinfonia exacta. São como duas melodias distintas que se entrelaçam sem nenhuma explicação. Quem poderia imaginar que um homem desconectado da política fosse despertar uma ardente paixão numa dedicada militante comunista? Só o amor, e nada mais do que isso, é capaz de unir essas duas frequências dissonantes. Hubbell e Katie aparentam estar conectados por um cordão umbilical que transcende os limites da lógica. Observando ambos friamente, essa relação não faz sentido algum. Pensando racionalmente, são pessoas que ocupam espaços diametralmente opostos. Mas quem disse que o amor deve ser racional? Entre os personagens principais de “O Nosso Amor de Ontem” a razão é jogada no lixo, desprezada. O fogo que arde em ambos os protagonistas faz com que o insustentável seja, na verdade, aquilo que os mantém fortes e unidos.
 


Após alguns anos de harmonia e uma filha por nascer, Hubbell e Katie terminam a sua relação. O tempo encarregou-se de os tornar, teoricamente, em estranhos que carregam consigo os segredos um do outro. Hubbell distancia-se de vez, logo após o nascimento. Não nos é mostrado o que cada um deles irá fazer, mas é fácil adivinhar. Katie continuará a ser a mesma activista de sempre, independentemente da natureza das causas, e Hubbert seguirá o seu caminho de escritor e bon-vivant. No final teremos essa confirmação. E naquele último encontro casual, naquela troca de olhares, sabemos que a distância jamais será capaz de transformá-los em desconhecidos. O amor pode ficar adormecido, fechado a sete chaves nas profundezas de cada um deles. Mas qualquer pequena faísca bastará para que os dois possam vir a disfrutar de um pouco mais de felicidade no futuro. Por isso o final de “The Way We Were” não é definitivo: porque a vida é muito curta e o esquecimento muito longo…



CURIOSIDADES:

- Redford tinha 37 anos e Streisand 31 quando rodaram o filme. Idades bem avançadas para protagonizarem alunos de faculdade. Apesar do brilhantismo dos dois actores, é algo com que a equipa técnica não se preocupou, uma vez que nesse período os actores não foram devidamente “rejuvenescidos”.

- Quando inquirido numa entrevista o que Barbra Streisand estava vestindo na cama quando os seus personagens fazem pela primeira vez amor no filme, Robert Redford respondeu: «Apenas Chanel nº 5».

- Quando Barbra Streisand ouviu a canção-título pela primeira vez, fez duas sugestões importantes que a transformaram. Ela sugeriu uma ligeira mudança na melodia para elevá-la em um ponto crucial da canção, e também sugeriu mudar o primeiro verso de "Devaneios iluminam os cantos da minha mente" para "Memórias iluminam os cantos da minha mente".

- Sydney Pollack decidiu começar o filme com um prólogo antes dos títulos principais e da música-tema porque não queria que Barbra Streisand fosse apresentada ao público primeiro como cantora e não como personagem.

- No mesmo ano, 1973, o compositor Marvin Hamlisch e o actor Robert Redford também colaboraram em “The Sting / A Golpada. Hamlisch ganhou Oscars por ambos os filmes.

- O filme ganhou 2 Óscares nas categorias musicais, banda-sonora e canção original (Marvin Hamlisch). Teve ainda mais 4 nomeações: Actriz Principal, Cinematografia, Direcção Artística e Guarda-Roupa.

- No ano do seu falecimento (2025) Redford deu uma última entrevista, na qual referiu Barbra Streisand como uma das 6 mulheres que o tinham marcado ao longo da vida.





domingo, setembro 14, 2025

DOCTOR ZHIVAGO (1965)

DOUTOR JIVAGO
Um filme de DAVID LEAN



Com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom Courtenay, Ralph Richardson, Rita Tushingham, etc.

EUA-ITÁLIA / 197 min / COR / 
16X9 (2.20:1)

Estreia nos EUA a 22/12/1965
Estreia em Portugal a 20/9/1966



Gen. Yevgraf Zhivago: «Tonya! Can you play the balalaika?»
David: «Can she play? She's an artist!»
Gen. Yevgraf Zhivago: «Who taught you?»
David: «Nobody taught her!»
Gen. Yevgraf Zhivago: «Ah... then it's a gift»

Antepenúltimo filme de David Lean, “Doctor Zhivago” constitui, juntamente com “Bridge On The River Kwai (1957) e “Lawrence Of Arabia” (1962), o tríptico épico do realizador. Com os bolsos recheados de Oscares por aqueles dois filmes (um total de 14, distribuídos equitativamente) Lean partiu para a realização de “Doctor Zhivago” com toda a liberdade deste mundo. Seria a sua terceira e última produção.

Boris Pasternak, o autor da novela, veria a sua obra ser reconhecida pelo mundo das letras, que tencionava atribuir-lhe o prémio Nobel da literatura em 1958. Infelizmente, o governo da União Soviética tirou-lhe tal distinção ao ameaçar extraditá-lo do País caso ele se deslocasse a Estocolmo para receber o prémio. Pasternak, sobrepondo o seu amor pela terra-pátria a tudo o mais, foi obrigado a declinar por escrito tal honraria, confessando-se indigno da mesma. Entretanto o livro consegue ultrapassar fronteiras e é editado pela primeira vez em Itália. Pouco depois é a difusão maciça em inúmeros Países, originando um êxito total quer junto do público quer junto da crítica especializada.

Conhecendo uma primeira adaptação televisiva em 1959 (no Brasil e a preto-e-branco), a obra vê os seus direitos para cinema serem adquiridos pelo produtor italiano Carlo Ponti, no intuito de a sua mulher (a actriz Sophia Loren) poder desempenhar o papel de Lara. Felizmente que David Lean tinha o controle absoluto sobre tudo e depressa contariou tal intenção alegando que a actriz era demasiado alta para o personagem.

Como em equipa vencedora não se mexe, Lean reuniu a grande parte das pessoas que com ele tinham trabalhado em “Lawrence Of Arabia” com tão bons resultados: Robert Bolt (Argumento), Freddie Young (Cinematografia) e Maurice Jarre (Música) foram os coordenadores de uma vasta equipa de técnicos altamente qualificados que dariam ao novo filme a imagem de marca do seu mentor.

Falar de Doctor Zhivago” é falar de toda a beleza que o filme nos faz sentir em cada visionamento. Essa beleza, aliada a uma música inesquecível, envolve uma história de amor intemporal, constituindo o todo um dos filmes mais românticos (extravagantemente romântico) de toda a história do cinema. Tudo nos é transmitido pelos olhos de um poeta e é esse olhar que faz a diferença.

Razão tinha Lean quando insistia com Omar Sharif (aqui no papel de toda uma carreira) em não se comportar como um actor mas, pelo contrário,  “representar” o menos possível, tentando não fazer absolutamente nada. Aposta claramente ganha do realizador, que consegue utilizar o olhar do actor como veículo preferencial de elipses temporais.

Apenas um exemplo, dos mais felizes: quando, em Varykino, Zhivago antecipa o tão aguardado encontro com Lara através dos cristais de gelo na janela, cristais esses que se transformam em girassóis, que por sua vez se vão diluir no rosto magnífico de Lara, onde uns olhos ansiosos aguardam já pela aproximação de Zhivago na biblioteca de Yuryakin. Cabe aqui referir uma pequena “artimanha”, que contribui eficaz e decisivamente para o sucesso do filme – o facto da relação entre Zhivago e Lara nos ser anunciada logo no início do filme mas apenas se vir a consumar muito tempo depois. A espera é intencional, pois obriga o espectador a desejar aquele encontro ao longo de mais de metade do filme. E sabemos muito bem que o maior desejo se encontra na antecipação e não na “posse” propriamente dita. O verdadeiro amor tem sempre o condão de ser paciente...

Temos assim uma história de amor no centro da acção, com a revolução soviética como pano de fundo. Mas se esta é apenas um mero enquadramento político, aquela também não passa de um pretexto para mostrar o que é realmente importante no desenrolar do filme. E o que é importante em “Doctor Zhivago” são as pessoas. Não como entidades abstractas de qualquer manifestação mas pelo contrário como indivíduos bem diferenciados que inoportunamente se vêm envolvidos em acontecimentos que os transcendem e relativamente aos quais se sentem impotentes de controlar. Num tempo em que a História não tinha tempo para os sentimentos pessoais, é o lado íntimo que assume o papel de resistente, nem que isso implique o desterro ou a morte. Boris Pasternak faleceu a 30 de Maio de 1960, vitimado por um ataque cardíaco, embora sofresse também de um cancro nos pulmões. Olga Ivinskaya, amante do novelista, que lhe serviu de inspiração para o personagem de Lara, morreu muito mais tarde, aos 82 anos (1995) em Moscovo, mas depois de ter sido enviada, por duas vezes, para campos de concentração de trabalhos forçados. A razão? Apenas o grande amor que a uniu ao escritor.

Quando da estreia mundial de “Doctor Zhivago”, alguns dias antes do Natal de 1965, a crítica americana, sempre veloz nos seus julgamentos sumários, arrasou por completo o filme. David Lean ficou tão desgostoso com tal reacção (apesar do imenso sucesso junto ao público) que jurou na altura não mais realizar qualquer outro filme. Felizmente que tal promessa foi quebrada, embora apenas por duas vezes mais: em “Ryan’s Daughter” (1970) e por último em “A Passage To India” (1984). David Lean morreu de cancro em 16 de Abril de 1991. E apenas três anos mais tarde é que “Doctor Jhivago” foi exibido pela primeira vez na Rússia.

CURIOSIDADES:

- O interior do palácio de gelo foi em grande parte executado em cera de abelhas.

- Vencedor de 5 Oscars, num total de 10 nomeações

- A mulher que Jivago tenta puxar para dentro do comboio em andamento sofreu na realidade uma queda o que lhe originou diversas escoriações (e não a amputação de qualquer perna como erradamente se fez crer). A cena usada no filme é a desse acidente, muito embora apenas seja mostrado o início da queda.




- Grande parte dos exteriores do filme foram rodados em Espanha (outros na Finlândia), em pleno regime fascista do general Franco. Durante a sequência da multidão a entoar "a internacional" (rodada pelas 3 da madrugada) a polícia espanhola compareceu no local pensando que uma verdadeira revolução se estava a iniciar e insistiu em permanecer até à conclusão das filmagens. Por outro lado, houve pessoas que acordaram pensando que finalmente o general Franco tinha sido derrubado.


domingo, setembro 07, 2025

THE MISFITS (1961)

OS INADAPTADOS
Um filme de JOHN HUSTON



Com Clark Gable, Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Thelma Ritter, Eli Wallach, James Barton, Kevin McCarthy, Estelle Winwood, etc.

EUA / 124 min / PB / 
16X9 (1.66:1)

Estreia nos EUA a 1/2/1961
Estreia em Portugal a 25/1/1962


Guido: «You have the gift for life, Rosylyn. The rest of us, 
we're just looking for a place to hide and watch it all go by»

Qualquer realizador ambiciona criar pelo menos um clássico durante a sua carreira – um filme que aguente o teste do tempo e seja visto e revisto por sucessivas gerações de cinéfilos. Outros, menos ambiciosos, já se contentam em, por algum motivo, conseguirem gerar um cult-movie – uma espécie de filme B, que também aguenta o passar dos anos, mas cujas qualidades só são reconhecidas por uma pequena minoria.

John Huston conseguiu ambas as coisas com este belissimo filme, rodado logo no início da década de sessenta. Para além de um clássico e de um filme de culto, “The Misfits / Os Inadaptados” é um filme-charneira, pois de certo modo simboliza o fim do “studio system” de Hollywood. Realizado à parte da indústria fílmica, em completa liberdade, o filme define ainda o “fim da linha” para as carreiras de Clark Gable e Marilyn MonroeMarilyn ainda haveria de participar na rodagem de mais um filme (“Something Got To Give”) mas a sua morte prematura aos 36 anos (a 5 de Agosto de 1962), impediria o filme de ser finalizado e abrir-lhe-ia as portas da lenda e da eternidade.



Clark Gable encontraria essas mesmas portas ainda mais cedo, logo a seguir à conclusão da rodagem de “The Misfits”. Faleceu a 16 de Novembro de 1960, na sequência de um ataque cardíaco. O final das filmagens trouxe-lhe um temporário alívio («Working with Marilyn Monroe on "The Misfits" nearly gave me a heart attack. I have never been happier when a film ended»), apesar de reconhecer a grande qualidade das interpretações, quer a de Marilyn («Everything Marilyn does is different from any other woman, strange and exciting, from the way she talks to the way she uses that magnificent torso») quer a sua própria («This is the best picture I have made, and it's the only time I've been able to act»).




Outro grande actor que marca este mítico filme, Montgomery Clift, entraria num acelerado processo de decadência física e profissional, tendo falecido prematuramente a 23 de Julho de 1966, apenas com 45 anos. Marilyn diria dele pouco depois da conclusão das filmagens: «The only person I know who is in worse shape than I am». Por uma vez os tradutores portugueses achariam um título adequado para o filme: “Os Inadaptados” (no Brasil seriam “Os Desajustados”). Efectivamente é de inadaptação que aqui se trata. Inadaptação a um novo modo de vida que começa, encerrando um tempo de glória. Esse tempo de glória, outrora tão repleto de tradições, encontra-se agora agonizante, cercado pelo conformismo e pela apatia. Tenta-se ainda, num derradeiro esforço, alcançar a felicidade. Mas esta teima em fugir, diluindo-se na imensidão de um deserto, algures no Nevada. 



A perseguição aos cavalos rapidamente se revela incongruente e desnecessária para quem conserva ainda a ilusão da possibilidade dessa felicidade. E é essa descoberta que tanto nos emociona naquele epílogo – a liberdade é essencial para quem deseja ainda ser feliz. O plano final, de Roslyn e Gay é disso revelador:

Roslyn: «Which way is home?»
Gay: «God bless you girl»
Roslyn: «How do you find your way back in the dark?»
Gay: «Just head for that big star straight on.
The highway's under it. It'll take us right home»





Com argumento de Arthur Miller, então ainda casado com Marilyn (o divórcio oficial viria a 20 de Janeiro de 1961, apesar de se terem separado imediatamente após o final da rodagem) e filmado poeticamente por um inspirado John Huston (que seria nomeado para o prémio “Directors Guilde of America”), “The Misfits” tem o seu epílogo, como vimos antes, numa longa e dramática sequência no deserto do Nevada onde a estrela Marilyn brilha intensamente sobre tudo e todos. Não tanto pela explosão de revolta («Killers! Murders! You liars! All of you liars! You're only happy when you can see something die! Why don't you kil yourself to be happy! You and your God's country! Freedom! I am not kidding you, you're three sweet damned men!») mas sobretudo pelas mil e uma matizes que conferem ao seu rosto algo de hipnótico e fascinante.



São diversos os grandes-planos desse maravilhoso rosto, mas vale a pena rever várias vezes um deles (felizmente o DVD permite-nos isso), segundos após a libertação do potro selvagem e em que as palavras «Go Home…Go» são proferidas. Essas três palavras, ditas por aquela boca, naquela face, dá-nos, por breves momentos, toda a magia do Cinema. Resplandescente ao longo de todo o filme, não será exagero afirmar que esta  interpretação de Marilyn será talvez o ponto mais alto de toda a sua carreira, apesar de grandes e maravilhosos desempenhos em filmes anteriores.

As imagens da rodagem do filme correram mundo. Obtidas pelos prestigiados fotógrafos da Magnum num ambiente verdadeiramente mítico, impuseram a agência como um grupo de artistas capazes de dar a ver o mundo do cinema para lá das suas imagens promocionais. Os nove fotógrafos, sete homens e duas mulheres, tudo registaram de forma púdica ou indiscreta, fria ou apaixonadamente - Henri Cartier-Bresson, Cornell Capa, Ernst Hass, Bruce Davidson, Erich Hartmann, Dennis Stock, Elliott Erwitt, os homens; Eve Arnold e Inge Morath, as mulheres.



Fizeram centenas de magníficas fotografias, parte das quais tivemos o privilégio de poder ver numa exposição em Lisboa. Aconselha-se ainda o livro “Magnum Cinema” onde, para além dos “The Misfits” se podem apreciar fotografias de dezenas de outros filmes. Transcreve-se de seguida um texto da autoria de Inge Morath, responsável pela agência e com quem Arthur Miller se viria a casar: «Havia cavalos selvagens, as paisagens do Nevada, John Huston e ainda, claro, três actores excepcionais, Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift. Não podíamos imaginar que eles iriam morrer tão depressa. Sentíamos que havia algo de grandioso. Esperávamos um filme notável, não sabíamos que se ia tornar mítico.



Esta filmagem interessou-me desde o início. Tinha lido na revista Esquire a história de Arthur Miller que serviu de base ao guião. Já tinha trabalhado com Huston, e Monty Clift era um amigo. A Magnum tinha feito um acordo de exclusividade com Frank Taylor, o produtor do filme. Então, por turnos de dois, sucedemo-nos no plateau. Não ficávamos lá mais que duas semanas, para manter a frescura do olhar. Eu formava equipa com Cartier-Bresson. Compreendíamo-nos muito bem e o que era maravilhoso é que nem precisávamos de falar um com o outro. Trabalhávamos juntos e tínhamos sempre a certeza de não fazer nunca a mesma coisa. Havia nesta filmagem uma liberdade que já não existe nos dias de hoje. Portanto, desde que os nossos olhos e pernas fossem suficientemente rápidos, podíamos fotografar tudo o que quiséssemos.



Uma das maiores angústias da produção era saber se Marilyn vinha à rodagem ou não. Quando ela chegava ao plateau, entrava verdadeiramente em cena. Quando o deixava, desaparecia completamente e mais ninguém a via. Trabalhava sempre para a sua imagem. Eu tentava conseguir fotografias em que ela não estivesse em pose. Mexia-se de uma maneira que atraía automaticamente os olhos do fotógrafo.


Clark Gable era muito divertido. Enquanto estava à espera da Marilyn, contava-nos a história dos seus começos no cinema. Um dia disse-lhe que não tinha visto o que acabara de fazer. Ele respondeu-me que tinha usado os olhos para representar. E era verdade, principalmente nas últimas cenas, as que se passam no automóvel. Conheci Arthur Miller na rodagem, mas só o descobri de verdade depois da ruptura com Marilyn. Trabalhei em muitos outros filmes depois daquele, mas nunca voltei a encontrar aquele ambiente especialíssimo, aquela alquimia particular, devido à unidade artística imposta por Huston no plateau, e que afectava tanto os actores, como os técnicos e os fotógrafos.»